Um consumidor da fabricante de eletroeletrônicos DL ligou furioso para a central de atendimento da empresa. Ele havia comprado o tablet da marca e a função Wi-Fi do aparelho simplesmente não funcionava. Depois de ouvir as reclamações do cliente, o atendente conseguiu estabelecer um diálogo. “Qual é o seu provedor de banda larga?”, perguntou. “Eu não tenho assinatura de banda larga. Por que? Precisa?”
A conversa ilustra uma situação que indica que o poder de consumo do brasileiro não acompanha a sua familiaridade com as novas tecnologias. A mais recente prova desse comportamento está na arrancada da venda de tablets no país: o aparelho se tornou o sonho de consumo da classe média, responsável pelo aumento das vendas da categoria. Este ano, segundo a empresa de pesquisas IDC, a demanda pelo aparelho cresceu 233%, para 2,9 milhões de unidades.
No acumulado de janeiro a setembro deste ano, 52% das vendas foram de tablets de até R$ 1 mil, o que indica uma inversão em relação ao ano passado, quando a Apple dominava o mercado e 61% das vendas eram de aparelhos acima de R$ 1 mil. Agora, a líder é a mineira DL, de Santa Rita do Sapucaí, que passou à frente da empresa de Steve Jobs e da multinacional coreana Samsung, oferecendo tablets a partir de R$ 399. Procuradas pelo Valor, Apple e Samsung não quiseram comentar.
“Nós não somos concorrentes de Apple e Samsung, somos focados nas classes C e D”, afirmou o chinês Paulo Xu, dono da DL, em um português carregado de sotaque oriental, apesar de morar 19 anos no Brasil. A modéstia tem sua razão de ser: a configuração do tablet da DL passa longe dos aparelhos das multinacionais. O modelo HD7, líder de vendas da DL, tem 4 gigabytes de memória interna e tela com diferentes camadas, o que retarda a resposta aos comandos. O iPad 2 mais acessível da Apple, que custa em torno de R$ 1,2 mil, tem 16 gigabytes de memória e tela com maior qualidade de imagem e resposta mais rápida aos comandos.
Segundo Bruno Freitas, supervisor de pesquisas do IDC, a tendência é o crescimento da venda de tablets de preço mais acessível. “Assim como ocorreu com os smartphones, em que o aumento da demanda forçou a queda de preços, o mesmo deve acontecer com os tablets”, disse. Átila Delavarys, analista do mercado de PC e tablets do IDC, faz uma ressalva: “O consumidor brasileiro ainda não está atento a especificidades de uso adequadas às suas necessidades.”
Xu espera vender 1 milhão de tablets este ano e projeta 2 milhões de unidades para 2013. Para isso, precisou fazer um “bê-a-bá” de como usar um tablet. No segundo trimestre deste ano, passou a inserir na embalagem uma cartilha didática para o uso do produto. Desde então, o índice de reclamações, segundo ele, caiu 30%.
Outros fabricantes interessados em explorar o filão da classe média também se dedicam a ensinar o uso do tablet. “Colocamos na rua uma equipe de 120 promotores nas lojas para treinar vendedores e esclarecer dúvidas do público”, disse Elcio Hardt, gerente de produtos PC da AOC. Com isso, segundo o executivo, as vendas cresceram 60%. “Procuramos preparar os promotores para apresentar os produtos de maneira clara, dentro do tempo que o consumidor tem disponível para ouvi-lo”, disse Hardt. “Se entrar ‘tequiniquês’, complica tudo e não tem venda.”
A AOC, que oferece tablet básico ao preço sugerido de R$ 549, adotou só modelos de tela de qualidade superior este ano. “O consumidor da classe C exige uma melhor relação custo-benefício”, afirmou Hardt. A empresa pretende lançar mais dois modelos no primeiro trimestre de 2013, abaixo dos R$ 1 mil.
Na Positivo, a preocupação foi em traduzir todos os comandos e as funções do teclado para o português, mesmo idioma utilizado na série de aplicativos instalada nos tablets da empresa. “Este é um novo cliente, que está aprendendo a consumir mais informação e não a gerar conteúdo, como texto, apresentações e cálculos, funções para as quais ele ainda precisa do computador”, disse Maurício Roorda, vice-presidente de produto da Positivo Informática.
Reinaldo Paleari, gerente da linha de eletrônicos da Multilaser, disse temer que os consumidores encarem os tablets populares sob a mesma ótica dos aparelhos ilegais. “Muitos não têm sequer registro na Anatel”, disse ele, que tem como líder de vendas um modelo de R$ 449. A empresa iniciou a venda de tablets em 2011 e hoje a categoria responde por 20% de sua receita, projetada para atingir um total de R$ 800 milhões em 2012.
A novidade dos tablets populares, em um primeiro momento, colocou medo em grandes varejistas, como a Máquina de Vendas – que reúne as redes Ricardo Eletro, Insinuante, City Lar, entre outras. “Não conhecíamos as marcas e tínhamos receio do índice de devoluções”, disse André Canuto, diretor comercial da Máquina de Vendas e-Commerce. “Mas a qualidade dos fabricantes se confirmou e hoje o tablet é uma das três categorias mais vendidas no site.” Para este Natal, a expectativa de Canuto é que a venda de tablets cresça dez vezes.
(Por Valor) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo