O cheiro de pizza no forno e a agitação na cozinha são típicos de um restaurante. Mas, ao redor da praça de alimentação, as gôndolas cheias de produtos não deixam esquecer: estamos em um supermercado. É assim há cerca de 15 anos em boa parte das unidades do Zona Sul, um dos varejistas que apostam cada vez mais em espaços de refeições em suas lojas. A estratégia não é exclusividade da rede carioca. É adotada também por empresas como Pão de Açúcar e Hortifruti e, de acordo com analistas, é tendência. De lasanha a sushi, passando por hambúrguer e salada pronta, vale tudo para atrair e reter clientes num momento de economia fraca, oferecendo preços mais em conta e conveniência.

Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a parcela de estabelecimentos com restaurantes ou lanchonetes tem crescido. Em 2013, 64% das 314 empresas associadas tinham o serviço, fatia que subiu para 68% no ano passado. Já um levantamento da consultoria ECD Food Service mostra que, nas varejistas que implantaram áreas de alimentação, as refeições já respondem por 5% do faturamento, percentual semelhante ao da tradicional padaria.

Na última segunda-feira, o advogado Leonardo Cunha ajudava a aumentar essa fatia, ao escolher um Zona Sul de Botafogo para jantar, atraído pela oportunidade de gastar menos. O prato escolhido: uma lasanha de R$ 22,90, acompanhada por um vinho chileno escolhido na própria prateleira do supermercado, que saiu por R$ 27,90. Outros clientes optaram por pizzas entre R$ 20,90 e R$ 22,90. Nos bares no entorno, o lanche custa de R$ 18 a R$ 28.

— Em um restaurante, acho que pagaria ao menos o dobro pelo vinho — calcula o advogado.

A economia tem suas desvantagens. Sem garçom, os clientes da loja precisam buscar o pedido no balcão, formato que ajuda a manter os custos de operação baixos. Fica a cargo do consumidor abrir a garrafa e levar as taças à mesa.

— Não tem o requinte de um restaurante, mas o preço vale a pena — diz Cunha.

Lidar com custos mais altos, como manutenção de cozinha e mão de obra adicional, é um desafio. Pietrângelo Leta, vice-presidente comercial do Zona Sul, conta que uma estratégia foi reduzir custos com pessoal.

— É um serviço trabalhoso, sim, requer muito mais investimento que os outros. Mas se não desse resultado, a gente não estaria investindo — afirma.

APESAR DE CUSTO ALTO, RENTABILIDADE

Enzo Donna, diretor da ECD Food Services, estima que o lucro dos restaurantes em supermercados pode até superar o da operação tradicional.

— Um restaurante dá lucro líquido de 10% a 12%. O supermercado, de 2% a 3%. Se eu ponho um restaurante dentro do supermercado, estou instalando uma ilha de rentabilidade — avalia.

O esquema enxuto também é adotado pela rede Hortifruti, que há cinco anos implantou um espaço de refeição na maioria das lojas. Não há garçons, mas, diferentemente do Zona Sul, onde o cliente pede um prato e aguarda com uma senha, no Hortifruti é possível montar a própria salada, num modelo similar ao de Subway e Spoleto.

A rede viu seu principal produto nessa área — a Salata Express — crescer 32% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2014. Hoje, a refeição, disponível em 29 das 31 lojas no Rio, São Paulo e Espírito Santo, só perde para a popular banana prata em volume de vendas.

Os números são comprovados pelo intenso movimento na hora do almoço numa das unidades da rede, no Flamengo. Entre os clientes, há quem busque um prato mais saudável, preço mais baixo ou simplesmente uma variação do cardápio. Em comum, relatavam um hábito que soa como música para os ouvidos de qualquer varejista: além de almoçar, acabavam levando uma sacola de compras.

— Aqui, tem a opção de montar a salada, e o preço ajuda. Aproveitei e comprei mais algumas coisinhas — conta a especialista em inteligência empresarial Andrea Geier.

Quando almoça no Hortifruti, o engenheiro Adriano Castellano gasta cerca de R$ 50 porque também leva frutas para o lanche da tarde:

— Já troquei o restaurante pelo mercado.

‘A CARA DA MARMITA MUDOU’

Não à toa esse comportamento é valorizado pelo setor. O consultor de varejo Marco Quintarelli afirma que oferecer mais serviços agregados deve ser estratégia cada vez mais adotada, sobretudo, com o setor em marcha lenta. Segundo o IBGE, o volume de vendas no segmento de supermercados já recua 1,6% até maio:

— Quanto mais o consumidor fica na loja, mais tem opção de comprar outros itens e ser assediado por alguma promoção.

Quintarelli destaca que, embora exista uma tendência de alta, o serviço ainda é incipiente no Brasil, principalmente no segmento popular.

— Lá fora, todos os mercados mais modernos têm. Não tem pessoa para servir. Aqui no Brasil, a vigilância sanitária é mais rígida , pois somos um país tropical.

Para Enzo Donna, da ECD, o que mais tem funcionado é o meio termo entre um restaurante completo e os produtos de gôndola: pratos frescos e congelados, feitos para serem consumidos em casa:

— A cara da marmita mudou: era depreciativo e agora está ligada à vida saudável.

A aposta nos processados faz parte da estratégia do Grupo Pão de Açúcar — dono do Extra e do Pão de Açúcar. Além de oferecer refeições em algumas lojas, a rede aumentou o portfólio de congelados, de olho em quem evita comer fora para economizar. “O aumento de portfólio decorre de uma tendência observada nos últimos meses de um gasto menor do consumidor por alimentação fora de casa”, diz a empresa.

O fator cultural impulsiona o setor, diz Eugenio Foganholo, diretor da consultoria de varejo Mixxer.

— Cada vez mais, os supermercados estão vendendo tempo para o consumidor — afirma.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos do Varejo da ESPM, Ricardo Pastore, oferecer mais serviços é uma boa forma de enfrentar a crise:

— A saída é oferecer produtos de maior valor agregado. O consumidor grava preços num cenário de concorrência. É mais interessante vender arroz pronto cozido do que praticamente commodities.

A aposta em roupas é outro trunfo. Em 2014, a seção têxtil representou 1,4% do faturamento do setor, segundo a Abras. No Walmart, por exemplo, a procura por este tipo de produto cresceu mais de 10%, mesmo com a economia desacelerada.

— Nossa estratégia é se adequar às necessidades do dia a dia e temos a vantagem de oferecer tudo no mesmo lugar. Clientes que procuravam lojas especializadas estão começando a repensar sua escolha e a procurar produtos mais básicos, com bom custo benefício — diz a diretora comercial de têxtil da subsidiária brasileira, Adriana Costa.

(*) Estagiário, com supervisão de Marcello Corrêa

(Por O GLobo) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM