A lamentação do mercado varejista com a queda do consumo e da atividade econômica tem procedência. Em algumas categorias do setor, os negócios arrefeceram mais de 5% no acumulado de doze meses, até maio, em comparação com o mesmo período do ano anterior. É o caso da venda de eletrodomésticos e de móveis. O varejo total recuou 0,5%, no período, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mas, da mesma forma como é difícil ser otimista nessas áreas específicas, os negócios resistem em alguns outros segmentos.
No varejo alimentar, apesar de um volume de vendas 0,9% menor, a receita cresceu 6,5%, no mesmo período. Há duas explicações para esse avanço, mesmo no ano que deve ser o primeiro, desde 2003, a registrar diminuição na quantidade de mercadorias adquiridas nos supermercados. A inflação dos alimentos é uma delas, o que fez as varejistas repassarem custos para os seus clientes. Em segundo lugar, as principais empresas do setor estão acompanhando as mudanças nos hábitos do consumidor, que, por mais que esteja cauteloso, precisa se alimentar.
“Pode-se adiar a compra de roupas e materiais de construção, mas não de comida”, diz Adriano Araújo, diretor no Brasil da consultoria inglesa Dunnhumby, especializada no estudo do consumidor. Líderes do setor no Brasil, o Carrefour, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) e o Walmart vêm fazendo das tripas coração para não apenas sobreviver, mas para sair com vantagens estratégicas dessa crise. Na verdade, o que se verifica é uma disputa acirrada pela ponta do mercado. O GPA foi o maior grupo de varejo alimentar do Brasil até o Carrefour adquirir, em 2007, o Atacadão.
Mas, com problemas operacionais, a companhia francesa deixou a rival, hoje controlada por seu compatriota Casino, se aproximar. Desde 2011, as duas concorrentes vêm se alternando no primeiro lugar no pódio. No ano passado, foi a vez do Carrefour recuperar a dianteira, com faturamento de R$ 37,9 bilhões, contra os R$ 37,7 bilhões do GPA, que teve um segundo semestre mais fraco. Pelo menos até agora, ele mantém um crescimento superior ao do rival. A receita bruta do Carrefour cresceu 10,7%, no segundo trimestre deste ano.
No GPA – que é dono de marcas como Pão de Açúcar, Extra e Assai, além da ViaVarejo, holding das Casas Bahia e Ponto Frio, especializadas em eletroeletrônicos –, a receita bruta de suas bandeiras da área alimentar avançou 6,2%. “Queremos ter crescimento mesmo num ano como este”, disse Ronaldo Iabrudi, CEO do GPA, em conferência com os analistas, para anunciar os resultados, na quarta-feira 29. A ordem, segundo Iabrudi, tem sido chegar cada vez mais próximo dos clientes.
A empresa tem apostado em modelos de lojas menores com as bandeiras Minimercado Extra e Minuto Pão de Açúcar. E tem percebido vantagens na crise para conseguir alugar imóveis para a instalação de novas lojas, em especial nos bairros mais abonados, habitados pelas classes A e B. “É o lado bom da crise”, diz Iabrudi. “A gente faz a nossa expansão de forma mais rápida e barata.” Nos últimos 12 meses, a companhia abriu 141 novas unidades, de um total de 1.135 em funcionamento no País.
Já a principal arma do Carrefour é a bandeira Atacadão, que representa o modelo de negócios de maior sucesso no Brasil, nos últimos anos: o atacarejo. Segundo estudo da consultoria Nielsen, esse é o único modelo do varejo que registra, neste ano, crescimento de volume de vendas superior ao do ano passado, com 5,8% de expansão. Entre maio de 2014 e abril de 2015, de acordo com a Nielsen, 27,2% dos consumidores fizeram compras em atacarejos, contra 23,3% nos hipermercados.
Simultaneamente, o Carrefour criou a bandeira Express, seguindo a estratégia do rival com mercados de proximidade. Para completar o cerco, a empresa francesa conta com o antigo controlador do GPA, Abílio Diniz, que comprou no fim do ano passado 10% do capital do Carrefour Brasil, por R$ 1,8 bilhão. A expectativa da direção do Carrefour é de que Diniz contribua para a consolidação da estratégia de expansão do Atacadão e para o processo de revitalização de seus hipermercados (ele já recrutou pelo menos dois executivos, o diretor comercial Antonio Ramatis e a diretora de marketing, Sylvia Leão).
No ano passado, 18 hipermercados da marca foram reinaugurados. A meta é fazer 60 reformulações até o próximo ano. O Walmart – terceiro colocado do setor, com faturamento de R$ 29,6 bilhões – também vem buscando a revitalização dos negócios. A rede americana, comandada no Brasil por Guilherme Loureiro, promete investir R$ 310 milhões na abertura de quatro novos hipermercados no Nordeste, com a bandeira Bompreço, adquirida em 2004. No centro da estratégia está um plano de comunicação que pretende lembrar o consumidor do posicionamento do Walmart, com preços baixos todos os dias, em vez de apelar para as promoções ocasionais.
O novo slogan, criado pela agência DM9DDB, é o “Vem que dá”. “Em momentos de dificuldades, as pessoas querem estar próximas de quem transmite força”, diz Alcir Gomes Leite, co-presidente da DM9DDB. “As marcas não podem se render à crise, ou vão afundar.” Para as três grandalhonas do setor, será essencial saber acompanhar as mudanças dos hábitos dos consumidores. Uma novidade é o crescimento de um perfil que ficou conhecido na crise econômica europeia recente pela expressão slave and spurge, que no Brasil significa alguém econômico extravagante.
Ele se caracteriza por economizar em produtos básicos para não abrir mão de artigos mais sofisticados. Segundo a consultoria Dunnhumby, essa faixa cresceu 23% em dois anos e já representa 28% dos consumidores daqui. “Quem acreditava que o brasileiro cortaria o supérfluo, se enganou”, diz Araújo, da Dunnhumby. Segundo ele, existem representantes desse perfil em todas as classes econômicas brasileiras. Essa tendência beneficia quem está apostando em produtos de marca própria. Por exemplo, os 100 itens que mais vendem da marca Qualitá, do GPA, cresceram mais de 10% em vendas em apenas três meses, neste ano.
(Por O Negócio do Varejo) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM