Cinco anos atrás, os brasileiros que já tinham ouvido falar em paletas mexicanas certamente caberiam embaixo da aba de um sombreiro. Os engenheiros de computação Gean Chu e Gilberto Verona não estavam entre eles. Na época, os dois trabalhavam em uma fabricante de equipamentos médicos e tinham o sonho de abrir uma empresa.

Em 2012, em uma viagem a Curitiba, eles provaram as paletas pela primeira vez. No mesmo ano, foram ao México conhecer os tais picolés artesanais e decidiram abrir a própria paleteria, em Balneário Camboriú, no litoral catarinense. Quatro meses depois, inauguraram uma franquia para a marca — e não pararam mais. Hoje, a Los Paleteros tem 83 unidades em nove estados e fatura cerca de 70 milhões de reais.

A meta é dobrar até o fim de 2015, sempre por meio de franquias — cada nova loja tem um sócio, que faz o investimento na estrutura e no maquinário, compra as paletas e paga uma taxa mensal pelo uso da marca. Em outubro, a empresa inaugurou a segunda fábrica, no Paraná, que consumiu 14 milhões de reais de investimento. Hoje, a Los Paleteros tem capacidade de fabricar 3 milhões de paletas por mês.

Chu e Verona são exemplos de um fenômeno brasileiro — o “superciclo” das franquias. Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o faturamento do setor quadruplicou nos últimos dez anos para 127 bilhões de reais. O número de redes franqueadoras passou de 814, em 2004, para 2 940.

Em unidades, o Brasil é o quarto mercado de franquias do mundo, atrás da China, dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Essa ascensão produziu histórias de sucessos incontestáveis. O país tem a maior franquia de cosméticos do mundo, O Boticário, que tem 3 700 lojas e fatura mais de 10 bilhões de reais. Além disso, 96 redes brasileiras operam também no exterior, em 53 países.

Nos últimos anos, a expansão foi impulsionada pelo crescimento da renda. O aumento do poder aquisitivo da nova classe média não só fez com que ela passasse a comprar mais coisas fora do mercadinho do bairro como também permitiu que um enorme número de pessoas juntasse algum dinheiro para abrir o próprio negócio.

E, nesse caso, as franquias são quase imbatíveis. Elas têm linhas próprias de financiamento bancário e exigem menos investimentos em marketing, treinamento, desenvolvimento de produtos — tudo isso fica por conta das franquea­doras.

“Abrir uma franquia deixou de ser possível apenas para ex-executivos de grandes empresas”, diz Renato Meirelles, presidente da consultoria Data Popular. Mesmo diante de um cenário econômico desfavorável, a ABF estima que o faturamento do setor cresça de 7,5% a 9% em 2015.

Mas tantos números favoráveis podem esconder uma realidade difícil para a imensa maioria das novas redes — e, consequentemente, para seus milhões de franqueados. O número de unidades por franqueador diminui a cada ano no Brasil.

Em 2003, uma rede tinha, em média, 83 lojas. No ano passado, a média caiu para 43 lojas. Nos Estados Unidos, maior mercado para franquias no mundo, a média é de 200 lojas por empresa.

O problema é que o mercado de franquias só faz sentido em grandes volumes — afinal, o custo para desenhar uma loja, criar programas de treinamento, desenvolver fornecedores, investir em campanhas de marketing, construir uma fábrica é fixo. Consultores ouvidos por EXAME calculam que redes de franquias com menos de 50 unidades têm pouca chance de sucesso no longo prazo. E, segundo a ABF, 74% das franquias brasileiras têm menos de 50 lojas, e apenas 13% delas têm mais de 100 unidades.

Falta experiência

Claro que as franquias mais novas precisam de tempo para crescer, mas o mais provável é que muitas delas simplesmente fiquem pelo caminho. De acordo com a consultoria Franchise College, 31% dos franqueadores brasileiros não têm nenhuma experiência com o negócio em que decidem abrir suas redes. São paleteiros que não conhecem paleta, sapateiros sem histórico em sapato, empresários de fast-food sem bagagem em alimentação.

“O franqueador tem a missão de passar sua experiência nos negócios para o franqueado. Mas o que vemos hoje é uma enxurrada de empresários novatos e apressados”, diz o consultor de franquias Marcelo Cherto. Hoje, 43% dos empresários donos das redes não estão à frente de uma única loja, como é praxe no setor. “Eles precisam sentir os problemas e perceber as oportunidades na pele”, diz o consultor de varejo Marcus Rizzo.

O resultado é que o mercado brasileiro de franquias cresce puxado pela empolgação de novos empresários que veem oportunidades em novos nichos de mercado. O setor de franquias é tradicionalmente movido por ondas.

Na década de 60, surgiram as redes de escolas de idiomas. A partir de 1970, foram as marcas de cosméticos. Na década de 90, foi a vez dos restaurantes orientais. A diferença é que nunca tantos novos nichos de mercado cresceram tão rapidamente quanto agora. Em 2010, por exemplo, havia oito redes de depilação no país. Em 2014, eram 32.

Em seis anos, o número de redes de reparos domésticos passou de seis para 27. Ao mesmo tempo surgiram dezenas de empresas especializadas em brigadeiros, cupcakes e temakis. “Na maioria desses casos, ou você é o primeiro a investir nesse negócio ou precisa crescer muito rapidamente para se manter”, diz Cherto.

O mercado de paletas é ideal para entender como essas franquias da moda se formam. Os sócios da Los Paleteros dizem que foram pioneiros em franquias do produto, em 2012. Hoje, são pelo menos 37 concorrentes, com nomes que tentam dar alguma autenticidade a um negócio pasteurizado — Si Paletas, Locos Paleteros, Gran Paleteros.

A maioria cresce rapidamente. A Cia das Paletas, inaugurada em 2014, já tem 22 unidades. A Palecolé chegou a 30 lojas em menos de oito meses de operação e a Los Primos, aberta para franquias no início deste ano, já tem cinco lojas.

Para os franqueados que topam investir as economias em uma franquia, estar na ponta errada de um processo de depuração de mercado é, claro, uma tragédia. São poucos os casos de empresários que sabem aproveitar as ondas, surfando-as quando possível e saindo na hora certa.

Em 2009 e 2010, o país viveu uma febre dos bolinhos conhecidos como cupcakes — aqueles com recheios e coberturas decoradas com todo tipo de guloseima. O empresário Bruno Queiroz, de 24 anos, conheceu o produto em uma viagem aos Estados Unidos e, em 2009, criou a The Original Cupcake. Não fez nenhum tipo de estudo de mercado, simplesmente achou que a moda poderia pegar.

Em 2013, a febre dos cupcakes passou e Queiroz partiu para outra. No fim daquele ano, criou a empresa de bolos caseiros The Original Cake, que também se expandiu rapidamente, chegando a 24 franquias. Juntas, as marcas faturaram 19 milhões de reais em 2014. E Queiroz não parou por aí. Em setembro do ano passado, criou a NQZ Multi, holding de franquias que, além de cuidar da expansão das duas marcas do empresário, auxilia outras redes.

Como decidir que onda surfar? É possível perceber os sinais de que determinado mercado — ou determinada empresa — vive uma exuberância irracional. Para começar, quanto menos conhecido o produto, maior o risco. Depois, quanto menor o grau de diferenciação de uma marca para outra, pior.

A lista segue com a falta de experiência dos franqueadores e com o pouco treinamento dos franqueados. O mercado de frozen yogurt — uma das grandes modinhas dos últimos anos — reúne todos esses pontos de atenção. Em 2009, havia quatro marcas no Brasil. Em 2010, eram 79, todas elas fazendo basicamente o mesmo produto. Hoje, são 17.

O empresário Marcelo Bae, um dos pioneiros do setor, abriu, em 2007, a Yogoberry sem fazer nenhum estudo de mercado. Dois anos depois, decidiu abrir franquias. A fila de interessados passava de 70 pessoas. Só no primeiro ano, a Yogoberry abriu 32 franquias do negócio, e os números só cresceram.

A empresa de Bae chegou a ter 112 lojas em 2011, e faturamento de 60 milhões de reais em um ano. “Eu é que aprovava, de acordo com meu bom senso, os franqueados. Como naquele momento o negócio fazia muito sucesso e as pessoas tinham muito interesse, eu fazia perguntas básicas que muitos dos franqueados respondiam apenas para poder abrir a franquia”, diz. Hoje, a empresa tem 53 unidades e fatura cerca de 30 milhões de reais. Mas, segundo Bae, finalmente está “saudável”.

Para os franqueados que investiram as economias numa franquia, a explicação de que a expansão e a queda dos mercados são naturais, obviamente, não é suficiente. Muita gente está indo para a Justiça, numa tentativa de pôr a culpa no franqueador e conseguir algum tipo de indenização.

Foi o que aconteceu com Rony Rodrigues Batista e Marcio Ruiz, ambos ex-franqueados da marca Pra Que Marido, prestadora de serviços de reformas e instalações, do grupo SMZTO. Marcio Ruiz largou um emprego público para abrir um ponto da Pra Que Marido em 2012. O vendedor da franquia, na época, lhe disse que em seis meses ele estaria lucrando 12 000 reais.

A operação durou oito meses e o faturamento nunca cobriu as despesas. Ruiz vendeu um apartamento para quitar as dívidas, mas ainda deve 50 000 reais a bancos. A SMZTO diz que os franqueados não seguiam os padrões da empresa. Jamil Georges Soufia, franqueado da rede de supermercados Dia, teve tantos problemas com a marca que criou, em 2014, o Sindicato dos Franqueados do Estado de São Paulo.

O objetivo é defender franqueados como ele, que diz ter acumulado dívidas de 1,5 milhão de reais. “Quando vi, estava trabalhando como funcionário de luxo deles”, diz. Procurado, o Dia afirmou que queixas são naturais e que tem um canal específico para tratar dessas questões com os franqueados.

Pelo menos 50 franqueados da empresa de reparos domésticos Dr. Resolve entraram na Justiça acusando a rede de não oferecer suporte e abrir franquias muito próximas uma da outra. David Pinto, presidente da rede, diz que, dos 20 casos já julgados, ganhou 18.

São exemplos que ajudam a demonstrar uma velha verdade, daquelas que teimam em ficar escondidas em tempos de euforia. Quando muita gente tenta ganhar dinheiro fazendo a mesma coisa, pode ter certeza — poucos vão se dar bem de verdade.

(Por Varejista) varejo, núcleo de estudos  e negócios do varejo, retail lab, ESPM