No Rio de Janeiro, nos últimos meses, marcas tradicionais do varejo de moda deixaram o mercado ou encolheram drasticamente.
A Auslander fechou suas três unidades próprias. A Totem, que tinha 11 lojas em pontos nobres, ficará apenas com uma. O grupo Checklist/Folic segue o mesmo caminho e fecha unidades. E Maria Bonita, antes disso, já havia tomado o rumo da recuperação judicial. As grifes foram procuradas pelo Valor, mas apenas a Totem respondeu (ver Atacado e internet são o novo foco).
O quadro de dificuldades não está restrito ao Rio, dizem especialistas. Gestores de fundos de participações, em particular os que miram pequenas e médias empresas, afirmam que nos últimos meses as varejistas de moda foram as empresas que mais bateram às suas portas, procurando parceiros com recursos e também gestão profissional. O setor tem problemas estruturais. Além disso, a concorrência de gigantes estrangeiras e a desaceleração econômica, que afeta o consumo, transformam em possível desastre um cenário que já era difícil para pequenas redes.
A advogada Juliana Bumachar diz que o quadro antes da Copa do Mundo, que apontava vendas fracas, fez com que diversas companhias do setor traçassem cenários para um eventual processo de recuperação judicial. Depois do evento esportivo, algumas lojas tomaram algum fôlego, amparadas pela perspectiva de melhora das vendas neste segundo semestre, sempre mais aquecido.
“Mas existe uma crise no setor, que sofre com problemas do ciclo do negócio e de necessidades de capital de giro”, diz Juliana. “Essas redes costumam recorrer a financiamentos bancários e também a factorings, a custos muito elevados. Se o consumo cai, a situação se complica ainda mais, pois fica impossível empurrar o problema para tentar resolver lá na frente”.
Ela conta que seu escritório, Bumachar Advogados Associados, especializado em recuperação judicial, foi sondado neste ano por empresas do setor. Duas companhias que fornecem matéria-prima para essas varejistas já estão em recuperação. “Sem encomendas, elas não tiveram outra alternativa”, diz, sem revelar os nomes.
O sócio sênior da consultoria Gouvêa de Souza (GS&MD), Alexandre Horta, diz que os custos de operação do varejo subiram muito. Algumas grifes, segundo ele, não têm escala para diluir custos ou reposicionar suas cadeias de fornecedores. “Sem alternativas, resta às grifes manter preços elevados, o que afeta a demanda e aumenta o grau de exigência dos clientes em termos de diferenciação e atendimento”, continuou. Por outro lado, as grandes redes nacionais e internacionais, que operam com grande escala e melhores margens, roubam mercado.
Para Regis Duarte, diretor da unidade de consumo da consultoria InBusiness, os custos não são o centro do problema. “A economia com baixo desempenho reduz o poder de compra. Com cenário de vendas mais enxuto, a margem reduz e o varejo começa a rever estratégias”, observou.
Luiz Antonio Secco, da Azov Consultoria, afirma que as lojas do segmento têm um problema estrutural. Para lançar a coleção de inverno, por exemplo, as varejistas de moda compram tecidos em setembro e pagam pela matéria-prima de imediato. Só que, até que as peças cheguem às lojas, em março, existe um ciclo longo para que elas gerem receitas com as vendas, em que as empresas têm de saber administrar suas necessidades de capital.
“Pior ainda no Brasil, onde inventamos vendas no cartão de crédito sem juros. Os pagamentos dos clientes são feitos de forma parcelada, o que atrasa ainda mais o recebimento dos recursos pelo lojista”, explica Secco. Enquanto isso, ele diz, as redes têm que administrar seus custos, que são elevados e estão cada vez maiores: impostos, aluguéis de lojas (em particular, nos shoppings), salários. “A expansão de shoppings foi muito acelerada nos últimos anos e as redes tentaram acompanhar abrindo novas lojas, especialmente franquias. Mas como o ciclo de maturação de shoppings novos costuma ser longo, fica complexo manter cadeias muito grandes”, diz.
Na avaliação de Marcos Hirai, sócio diretor da BG&H, especializada em prospectar pontos comerciais no mercado imobiliário, a falta de profissionalização da gestão também abate as empresas: “As marcas do Rio nasceram do sucesso dos estilistas, que seguiram à frente da companhia na gestão dos negócios. Este sistema de gestão não funciona mais. Uma administração profissional faz toda diferença quando o mercado reduz”.
Um gestor de private equity que prefere não se identificar, explica que o ciclo do setor é ruim, como necessidades de capital e recebíveis de prazo muito longo. E as empresas tendem a ser duramente afetadas por erros em coleções, difíceis de prever. “A boa administração do estoque é fundamental. Se ela não tiver boas vendas e ficar com muito estoque significa ter muito capital empregado”, diz. O gestor conta que chegou a manter conversas com meia dúzia de empresas, mas nenhum negócio prosperou. O segmento também ainda arruma a casa depois de anos na informalidade.
O cenário macroeconômico mais enfraquecido que afasta o consumidor nas lojas reflete diretamente também nos negócios das grandes do setor, algumas delas listadas em bolsa. No entanto, pelo tamanho, escala e gestão elas tendem a ter mais condições de driblar os percalços do negócio – ainda que não consigam evitar a penalização das cotações pelos investidores.
Em relatório sobre o setor, o analista Guilherme Assis, da Brasil Plural, afirma que, por conta das eleições, a percepção é de que o consumo tende a continuar sob pressão em 2014 e 2015. Como resultado, a equipe recomenda cautela ao investidores com o segmento na bolsa. Eles observam que os aspectos macroeconômicos não são favoráveis: as tendência são de queda na confiança do consumidor, inflação, aumento do desemprego e da inadimplência.
Sobre a fabricante e varejista de vestuário Hering, a Brasil Plural destaca a mudança no mix, acrescentando mais produtos “fashion” ao portfólio tradicional mais básico da empresa. Assis, da Brasil Plural, comenta que as encomendas dos franqueados para a coleção de verão da empresa foram feitos no momento mais sofrível para o comércio em 2014, o que pode ter levado a pedidos mais conservadores.
A rede de lojas Marisa, avaliam analistas, é a que tem o quadro operacional mais fraco, promove ajustes internos e é a mais afetada pela queda no consumo.
A Lis Blanc, bandeira da Restoque, vem reformulando seu mix de marcas e, chegou a entrar em negociação para fundir operações com a Inbrands – movimento abandonado na semana passada pelas duas empresas.
Controlada pela Vinci Partners, a Inbrands é uma holding de marcas como Richards, VR, Salinas e Mandi e também comercializa Tommy Hilfiger no Brasil. A ideia da fusão era manter as identidades das marcas, mas reduzir os custos operacionais, tornando o negócio viável. Depois de dois anos em reestruturação, a Inbrands arrumou a casa e o mercado espera que volte a olhar aquisições.
O cenário para as pequenas é difícil, uma vez que as margens apertadas, os perfis dos sócios e as dificuldades dos negócio afastam investidores financeiros. Alguns analistas avaliam que as empresas do segmento que tinham um tamanho um pouco maior e uma operação mais estruturada já foram negociadas. Casos da Dudalina, que recebeu investimento do Advent; Lojas Colombo, que tem o Gávea como sócio; e Aramis, que tem recursos da 2bCapital.
(Por Valor Econômico) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM