Os anseios de consumo da classe C, D e E estão mudando os produtos, serviços e as formas de comercializar de grandes varejistas. Nas últimas semanas, por exemplo, duas companhias aéreas anunciaram negociação para venda de passagens em redes varejistas, para chegar a esse consumidor, vindo de classes populares, que anteriormente não era visto como alvo.

A TAM Linhas Aéreas fechou uma parceria com a Casas Bahia para vender as passagens nas lojas da varejista e anunciou uma mudança de estratégia em que passará a adotar o slogan “A Tam é para todo mundo”. A parceria vai permitir que os clientes da Casas Bahia comprem passagens com o cartão da loja em até 12 vezes. “Queremos aproveitar o crescimento da nova classe média brasileira, a classe C, e capturar a expansão econômica do País”, afirmou o presidente da companhia, Líbano Barroso, na ocasião.

A empresa anunciou ainda que pretende atrair o público que viaja a lazer, que hoje representa 32% do mercado, contra 68% dos viajantes a negócios. Com um crescimento anual de 20% nas viagens a lazer, a expectativa da TAM é que esse tipo de viagem represente 40% do total, em cinco anos.

Além da TAM, nesta semana, a Azul Linhas Aéreas e a varejista Magazine Luiza também confirmaram a informação de que estão em negociação para uma iniciativa deste tipo, mas nenhuma das empresas quis dar detalhes sobre a parceria. A Azul, porém, já havia anunciado, na semana passada, a venda de passagens aéreas em supermercados.

O assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio), Fábio Pina, explica que, nos últimos dois ou três anos, está cada vez mais evidente que as empresas de prestação de serviços e o varejo sejam obrigados a buscar uma nova fronteira de consumidores, que inclui as classe C e D e, muitas vezes, a classe E. Isso porque, segundo ele, dependendo dos critérios de avaliação dessas classes, elas somam juntas algo entre 80 e 100 milhões de pessoas.

A baixa renda quer consumir

Movimentos desse tipo confirmam o fato de que o desejo de consumo da baixa renda está cada vez maior. O estudo “Consumo das Famílias Brasileiras até 2020”, elaborado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio), mostra que as classes sociais C, D e E do Brasil registraram juntas, em 2009, gastos de R$ 864 bilhões, equivalendo a 78% do volume despendido pelas classes A e B (R$ 1,10 trilhão).

Segundo o presidente do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA), Claudio Felisoni, essa fatia da população tem propensão elevada ao consumo, principalmente, porque a taxa de poupança é muito baixa em relação às classes A e B. “Por isso, grande parte da renda é destinada ao consumo”, explicou.

Além disso, essas classes estão acostumadas a comprar tudo de forma parcelada, o que o varejo já garante há algum tempo, e que facilita a compra. “A taxa de juros, por volta de 41% ao ano, ou um pouco mais de 3% ao mês, ainda é alta, mas, por outro lado, nós já vimos taxas que chegaram a 84% ao ano”, explica Felisoni. Portanto, mesmo que o cenário de juros ainda não ofereça o melhor dos mundos, os consumidores já estão sentindo a diferença e aceitando pagá-la, mesmo porque, essas classes, só têm o poder de compra se considerarem os parcelamentos.

Além do aumento da renda, do crédito e do emprego, Fabio Pina, da Fecomércio, explica que há outro importante aspecto intrínseco na expansão econômica do País, que garante o maior apelo ao consumo. “O crescimento econômico faz com que o empresário e o setor financeiro tenham maior tranquilidade para ceder crédito, com confiança para avançar em suas estratégias de atendimento às necessidades do consumidor. Além disso, a confiança do próprio consumidor também aumenta, pois ele sabe que poderá honrar seus crediários porque está seguro no emprego”, explicou.

O índice nacional que mede a confiança do consumidor de julho, divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi o segundo maior da série histório, inferior apenas ao registrado em dezembro de 2009. Em julho, o Indice Nacional de Expectativa do Consumidor (INEC) registrou 116,8 pontos em julho, o que representa uma alta de 1,8% em relação ao mês anterior.

Juntando esses aspectos, o consultor e professor do núcleo de varejo da ESPM, Pedro Matinzonkas, explica que as lojas do varejo têm sido cada vez mais cobiçadas, porque são um ponto de presença constante desses consumidores. Por isso, o interesse das companhias aéreas em estarem presentes nesses espaços. Ele acredita que as empresas que não buscarem novas opções de atendimento aos novos públicos, devem perder parte significativa da competitividade. “O varejo é muito dinâmico, muitos aspectos mudam todos os dias, por isso, as empresas precisam estar atentas sobre o que farão de diferente”, ressalta.

Além dos bens duráveis, que já caíram nas graças dos consumidores de baixa renda, Felisoni, do Provar, lembra que o cenário econômico privilegia a compra de outros produtos, que antes eram exclusividade das classes mais altas, como carros e casa própria. Portanto, nada mais natural que esses mercados também rumem para a oferta de produtos e serviços, que caibam no bolso desse público.

A baixa renda também já compra computadores pessoais, o que garante o acesso à internet e ao comércio eletrônico. Felisoni lembra que essa possibilidade garante que o consumidor possa pesquisar e decidir qual produto ou serviço escolher, antes de se dirigir a uma loja física. “A competição amplia-se, como estamos constatando em todos os segmentos do consumo”, conclui.

Varejo em transformação

Por conta dessas mudanças no cenário econômico, há alguns anos, o varejo e o setor de supermercados já começam a se movimentar. Grandes grupos, que anteriormente atendiam apenas a classe A e B, estão mudando suas estratégias, lançando novas marcas e abrindo novas lojas para segmentar o consumo e ganhar uma nova fatia do mercado.

O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, investiu na abertura de mercados
menores, como o Extra Fácil e o Compre Bem, com um mix de produtos diferenciados, que inclui marca própria e preços mais baixos. O Grupo é um
exemplo de empresa que aposta em outros segmentos sociais, e deixou isso ainda mais evidente com as aquisições da Casas Bahia e do Ponto Frio, varejistas que já tinha um forte apelo com famílias de renda menor.

Para Fábio Pina, esses movimentos de fusões e aquisições no mercado de
consumo fazem parte da reação desse segmento para atender novos consumidores. “Cada classe social tem uma cultura diferente, portanto, esses varejistas terão de pensar no mix de produtos, na distribuição e na posição geográfica que irão ocupar”, afirma Pina.

O Magazine Luiza, por exemplo, que tem sede em São Paulo, comprou
recentemente a Lojas Maia, grande varejista da região nordestina. A aquisição vai garantir que o Magazine atenda consumidores diferenciados, em outras regiões do Brasil. Na terça-feira, a Lojas Renner anunciou a abertura de uma loja no Tocantins, local que também já foi escolhido pela Lojas Marisa e pela Riachuelo.

O movimento desses varejistas é constante e a perspectiva é que isso se mantenha nos próximos anos, tanto que as ações do setor de consumo na
BM&FBOVESPA apresentam grande movimentação e ganhos expressivos, impactados por esse cenário econômico favorável, que sustenta a multiplicação dos consumidores para essas empresas.

As ações PNA do Pão de Açucar, por exemplo, estão em uma tendência de alta desde que o ínicio do mês, movimento que se firmou depois que a empresa anunciou seus resultados do segundo trimestre, incluindo as operações do Ponto Frio. No mês, até ontem, os papéis (PCAR5) valorizaram 3,98%.
Fábio Pina acredita que a aposta dos grandes varejistas na baixa renda é legítima e acredita que as companhias mais conservadoras deverão perder espaço para as empresas mais arrojadas, que estão confiantes no cenário macroeconômico.

Por Fabiana Lopes/Agência Leia