Após mais de 20 anos na Unilever, o argentino Fernando Fernandez recebeu, em setembro de 2011, o desafio de assumir o comando da segunda maior operação da companhia no mundo. O Brasil, com faturamento na casa de R$ 12 bilhões, só perde para os Estados Unidos em importância na multinacional anglo-holandesa. Com a renda do consumidor em alta, o executivo percebeu que é possível induzir a expansão no País a partir de marcas de alto valor agregado. “A gente não ignora o processo de transformação trazido pela ascensão de 45 milhões de pessoas à classe C”, afirma.

Uma experiência no setor de cuidados com o cabelo provou que é possível apostar em produtos mais caros: em novembro, a Unilever lançou 80 novos produtos de cuidado pessoal no Brasil, com investimento de R$ 500 milhões em marketing. Entre as marcas introduzidas está a Tresemmé, que veio no “pacote” da aquisição da americana Alberto Culver, por US$ 3,7 bilhões, em 2010. “Foi uma forma de trazermos produtos de salão de beleza para o varejo tradicional”, diz Fernandez. “E fizemos isso seis meses depois de concluir a aquisição da marca.”

 

Leia os principais trechos da entrevista com o executivo:

A Unilever investiu pesado no setor de cuidados com o cabelo. Há uma aposta mais forte na área de cuidados pessoais?

Todos os nossos segmentos no Brasil (cuidado pessoal, limpeza, alimentos e bebidas e sorvetes) são estratégicos. Investimos de R$ 2,6 bilhões a R$ 2,8 bilhões em marketing por ano. O lançamento da linha de cuidados para cabelo foi importante, com a chegada da Tresemmé no Brasil. Foi uma forma de trazermos produtos de salão de beleza para o varejo tradicional, com ganhos expressivos em um curto período. De março de 2011 para março de 2012, a nossa distância em relação ao segundo colocado na categoria xampu foi duplicada.

 

O sucesso dessa linha de preço mais alto mostra uma tendência de investimento da Unilever para produtos mais caros?

Não temos marketing de nicho no Brasil, não queremos atender a 10% ou 15% da população. Estamos em 50 milhões de lares brasileiros e temos que ter produtos com uma proposta de valor adequada. Mas a gente não ignora o processo de transformação trazido pela ascensão de 45 milhões de pessoas à classe C. Isso permite o crescimento com marcas aspiracionais, como Omo e Tresemmé.

 

A Unilever tirou muitas marcas de circulação no início da década. É hora de expandir novamente o portfólio?

Há espaço no Brasil para o desenvolvimento de mercados nos quais já temos presença global. Dá para crescer no setor de sorvetes, por exemplo. Aqui, o consumo médio de sorvete é igual ao das Filipinas. Lá, a renda per capita é de US$ 1,5 mil ao ano; no Brasil, é de US$ 11 mil. E a penetração é similar. Podemos educar o cliente a consumir mais essa categoria.

 

A Unilever fez recentemente uma aquisição na Rússia. É possível que a mesma estratégia seja usada no Brasil?

A expansão no Brasil não depende de aquisições. Não é um elemento fundamental para o nosso crescimento, embora a possibilidade de uma compra não esteja descartada. Entre as nossas marcas, somente a Arisco é específica para o mercado brasileiro. A Tresemmé é uma marca internacional e o Omo existe globalmente, sob diferentes nomes. A marca de bebidas Ades é regional, existe em toda a América Latina. Temos um grau considerável de homogeneidade, o que eu considero um ponto forte da companhia.

 

Como foi planejada a introdução dos novos produtos de beleza no Brasil? A fabricação das novas linhas é local?

Depois da compra (da Alberto Culver), o Brasil foi o primeiro mercado em que introduzimos a marca Tresemmé. E fizemos isso seis meses depois de completarmos a aquisição. A fabricação das novas linhas é local, o que significou um estresse em nossa cadeia produtiva e de logística. Temos 11 fábricas no Brasil, que produzem 95% de tudo o que vendemos localmente.

 

Enquanto a Unilever reduziu seu portfólio de marcas, muitos produtos populares ganharam mercado no País. Isso fez a Unilever perder espaço na parte mais popular das gôndolas?

Preço baixo não significa que o produto terá boa percepção de valor. Queremos atender à necessidade de todas as classes, e nosso portfólio é suficientemente abrangente para isso. Temos produtos como Clear, Dove, Hellmann’s e Omo, que têm um posicionamento de preço mais alto, e as linhas Arisco e Seda, que têm um valor mais popular. Não somos uma companhia de nicho.

 

O que o senhor aprendeu nas Filipinas, um mercado de renda mais baixa, que pode aplicar agora no Brasil?

Fiquei quatro anos nas Filipinas, um país com 7 mil ilhas. A exemplo do Brasil, que é um país continental, tinha um desafio logístico grande. Acredito em eliminar as deficiências do sistema (interno da empresa) para que o consumidor não tenha de pagar por elas. Penso que, assim, possa democratizar o acesso a marcas de desejo.

(Por Gouvêa de Souza) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo