Nia Wellman ainda era uma adolescente quando transformou seu cabelo em um negócio. Como garota negra que cresceu na Geórgia, ela o usava ao natural, o que era um tanto incomum em uma época em que muitos pais negros optavam por amenizar o cabelo texturizado de seus filhos.
Domingo era o dia de cuidar do cabelo na casa de Wellman. Aos 11 anos, ela já tinha aprendido a cuidar do próprio cabelo — preparando tratamentos com óleo quente antes da lavagem e condicionadores profundos para depois.
“À medida que eu ficava mais confiante para usar meu cabelo crespo e natural, muitas outras pessoas — meus colegas de classe e amigos — sempre me olhavam com uma cara de ‘como você está fazendo isso?’”, diz ela.
Eventualmente, ela começou um canal no YouTube para compartilhar suas rotinas de cuidados com os cabelos. “Na verdade, era basicamente eu falando o dia todo só sobre o meu cabelo.”
Na faculdade, ela estudou comunicação estratégica — só que Wellman já havia se tornado profissional, tendo produzido vídeos que foram vistos mais de 15 milhões de vezes. E ela começou a ganhar dinheiro como influenciadora, por meio de comissões e recomendações de produtos online e em feiras de negócios. Ao longo do caminho, ela acumulou quase 200 mil seguidores.
Depois que ela se formou em 2019, criar sua própria marca parecia o próximo passo lógico. Wellman já vinha fazendo um estudo sobre os ingredientes dos produtos vendidos para mulheres negras, principalmente aqueles que tratam doenças do couro cabeludo (como caspa e cabelos com textura) que costumam ser danificados durante esses tratamentos capilares.
Wellman vinha lutando contra os dois durante anos. Depois de realizar uma pesquisa com 500 de seus seguidores, ela decidiu usar sementes negras, amargosa e óleo de cártamo para selar a umidade no cabelo e o CBD do cânhamo para aliviar inflamações no couro cabeludo.
Em agosto passado, com uma máquina de engarrafamento pneumática comprada na Amazon, e fazendo negócios com o nome Imania Beauty, Wellman começou a embalar um Elixir de Alta Manutenção. Até o momento, ela vendeu mais de mil garrafas em seu site, a US$ 42 cada.
Diversidade nas startups
Agora Wellman, de 24 anos, está no limiar do próximo nível de sucesso nos negócios. Pouco antes do meio-dia da última quarta-feira de maio, ela abriu seu laptop em seu “salão de beleza” — na vida real, um quarto vago na casa de sua mãe em Covington (Geórgia), completo com direito a cenários, luzes e telas para fazer vídeos — e se conectou a um fórum online de investidores hospedado pela Sephora, a gigante varejista de beleza de propriedade da LVMH.
Visto de fora, o fórum era estruturado como algo que lembrava as competições de de discursos de venda boladas inicialmente por faculdades de administração: oito jovens empresas e nove jovens fundadores, cada um com cinco minutos para apresentar um argumento digno de um cheque a mais de 30 investidores-anjos, capitalistas de risco e gestores de fundos de capital privado.
Em quase todos os aspectos, não era nada parecido com uma disputa de planos de negócios padrão. Para começar, todas as fundadoras eram mulheres de cor, presença muito rara entre as startups que competem por — sem falar nas que ganham — financiamento de risco. Como Wellman, sete eram empresárias negras e duas, asiáticas.
A Sephora preparou a conferência como parte de uma promessa feita no verão passado de aumentar a participação de marcas de propriedade de negros em suas prateleiras para 15%, quase o mesmo percentual de participação de negros na população americana.
O fórum de investidores foi o ápice de um programa intensivo de seis meses de incubação, chamado Accelerate, para preparar essas oito startups para os rigores de trabalhar com uma cadeia de suprimentos de primeira linha com alcance global.
Mais fornecedores negros
Não é nada menos que um curso intensivo de como construir e administrar um negócio, desde orçamento a logística, de branding a mix de produtos, marketing e relações públicas, além de trabalhar especificamente com a Sephora. Além de vir com uma doação de US$ 10 mil para dar um empurrãozinho inicial a uma empresa.
É um compromisso extraordinário, mas até aí, estes são tempos extraordinários, em que está cada vez mais difícil ignorar as disparidades que parecem quase originais de fábrica da vida americana. A Sephora, com 482 pontos e balcões em centenas de lojas de departamentos, é uma das maiores varejistas dos EUA, e vendeu quase US$ 6 bilhões em perfumes, cosméticos e produtos de limpeza em 2019, segundo a Federação Nacional do Varejo (National Retail Federation, no original em inglês).
Porém, no verão passado, só nove das 290 marcas que a empresa vendia eram de negócios de propriedade de negros. Para chegar aos 15%, a companhia terá de incluir mais 35 empresas de propriedade de negros em sua lista de fornecedores.
Alguns dos produtos desenvolvidos pelas empresas da Accelerate já estão aparecendo no site da Sephora. Outros estrearão nas lojas da empresa no outono. O elixir da Imania Beauty será lançado na primavera de 2022. Ainda assim, a abordagem da Sephora levanta algumas dúvidas interessantes.
Um curso intensivo de seis meses pode deixar um executivo-chefe dente de leite pronto para jogar na primeira divisão? É um programa que outras empresas podem adotar e expandir? É realmente a melhor maneira de povoar as vagas voltadas ao empreendedorismo negro? Nas próximas semanas, exploraremos essas questões à medida que acompanhamos estes fundadores no Accelerate.
De todo modo, o fórum de investidores deixou claro que, embora as empresas de propriedade de negros estejam sub-representadas em todos os setores da economia, isso explica apenas em parte a falta de diversidade de produtos neste canto específico.
As fundadoras tinham outra coisa em comum: Quase todas se sentiram impelidas a lançar seus próprios produtos porque pessoas como elas eram praticamente invisíveis para a indústria da beleza, principalmente no segmento de “prestígio” do mercado.
Produtos para hiperpigmentação
Foi um gesto oportunista, mas também pessoal. A população negra, disse Wellman aos investidores, “gasta US$ 473 milhões no segmento de cuidados com os cabelos, mas só 2,9% dos compradores negros e multiculturais garantem suas necessidades de cuidados com os cabelos de varejistas de prestígio devido à falta de diversidade e ofertas de marcas”.
Muitas das fundadoras compartilharam uma experiência semelhante com hiperpigmentação, manchas escuras que se formam na pele, especialmente na pele mais escura, muitas vezes após um ferimento ou um surto de acne.
“A hiperpigmentação é a preocupação número 1 em cuidados com a pele de qualquer cor no mundo todo”, afirmou Desiree Verdejo, fundadora da Hyper Skin, aos investidores. O mercado de US$ 5,3 bilhões “rivaliza com o tamanho do mercado global de acne. E esse número me choca, porque se você pensar no seu varejista de beleza favorito, não existe um corredor de produtos para hiperpigmentação.”
Para Christina Funke Tegbe, os elementos negligenciados não eram tanto biológicos, mas culturais. Após abandonar uma carreira de sucesso como consultora de saúde em 2015, Tegbe sacou o dinheiro de seu plano de aposentadoria e começou a viajar para a África para explorar sua herança nigeriana.
Logo as viagens se tornaram uma jornada para explorar os rituais de beleza africanos. Um ano depois, Tegbe lançou 54 Thrones, título que homenageia os 54 países da África. “Essas raras plantas botânicas africanas de fato dão conta do recado”, disse ela aos investidores. “E há uma razão pela qual as pessoas na África têm usado elas há milhares de anos.”
Nos primeiros dias, Tegbe chegava ao continente com uma mala aninhada dentro da outra, para então enchê-la de ingredientes para levar para casa. No outono de 2020, uma semana antes de sua entrevista com a Sephora, ela trouxe para os Estados Unidos seu primeiro contêiner de remessa recheado dessas matérias-primas. “Eu gosto de chamar a 54 Thrones de ‘além de limpo’. A essa altura do campeonato, limpo é pré-requisito; toda marca é limpa”, declarou Tegbe ao fórum de investidores.
As pessoas de cor “querem marcas que as reconheçam, que as representem e nas quais elas possam ver algo autêntico. E a maioria das marcas de beleza no mundo do prestígio e aspiracional não têm olhado para isso.”
Reciclagem para gerações Z e millennials
Só uma fundadora havia trabalhado em um produto que não foi feito especificamente para pessoas de cor. A empresa de Megan Graham, Ries, está desenvolvendo garrafas de plástico reutilizáveis de cosméticos para viagem, obsessão pessoal que surgiu logo depois que ela entrou no mundo do trabalho, há uma década, e começou a fazer viagens de negócios.
“A primeira vez que fui a uma feira, abri minha mala e tinha produto espalhado em tudo que era canto. Todas as minhas roupas de trabalho foram arruinadas ”, Graham disse aos gerentes de merchandising da Sephora no ano passado, quando foi entrevistada para o programa.
“Na viagem seguinte, tentei embrulhar as coisas em um saco plástico. Depois, na terceira vez, usei um saco plástico, dentro de um Ziploc com todas essas coisas diferentes.” (“Ries” vem de “toiletries”, “produtos de higiene pessoal” em inglês.)
Aos investidores, Graham ressaltou as virtudes da conveniência aliada às matérias-primas recicladas e compostáveis. “As gerações Z e os millennials são os próximos consumidores de luxo, e eles querem investir seu dinheiro em marcas e empresas mais sustentáveis e que tenham um impacto ambiental positivo”, disse ela.
No entanto, mesmo aqui, as desigualdades raciais foram um fator agravante para Graham, porque é difícil substituir no curto prazo — especialmente em uma cidade desconhecida – os produtos que ela usa para o cabelo dela.
“Para as mulheres negras, é uma experiência muito complicada simplesmente trazer com você as coisas de que você precisa para se sentir você mesma quando está na estrada”, explicou ela aos vendedores da Sephora. “Não dá para sair de um avião e dar um pulinho na loja mais próxima. Nem sempre tem uma Sephora por perto.”
(Por Exame – Robb Mandelbaum, da Bloomberg Businessweek)
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