A guerra das maquininhas de pagamento entrou definitivamente em uma nova frente de batalha. Nesta quarta-feira, a processadora de pagamentos PagSeguro levou ao ar uma campanha nacional para anunciar uma nova ferramenta, o PagBank. O mote da campanha é “fuja da bancocracia”. A empresa reuniu seus principais garotos-propaganda para anunciar uma nova conta digital, com serviços como pagamentos, recargas e empréstimos.

O anúncio vem dois dias depois de o Itaú lançar sua carteira digital desvinculada de conta bancária, a Iti. É um aplicativo de pagamentos que permite transferências usando um código digital, sem taxas. “Um dos pilares do nosso modelo é a liberdade, por isso não precisa ser correntista do Itaú”, disse Lívia Chanes, diretora do serviço.

O aplicativo do Itaú também permite pagamento a lojistas e clientes processar pagamentos via QR Code, numa novidade que pode competir com o próprio negócio principal das maquininhas. Para ter acesso aos serviços, os lojistas pagam 1% de taxa por operação e recebem o dinheiro na hora.

O anúncio da PagSeguro mostra a necessidade das empresas de pagamentos de antecipar um futuro que já está dado, com cada vez mais pessoas usando meios digitais para fazer seus pagamentos. A rigor, as processadoras de pagamentos não têm grandes problemas no curto prazo. A terça-feira, a PagSeguro anunciou aumento de 57% no lucro e de 70% no número de pontos de venda, com mais 284.000 clientes. Na segunda-feira outra empresa de pagamentos em franco crescimento, a Stone, havia anunciado aumento de 600% no lucro do primeiro trimestre, com crescimento de 60% no volume de pagamentos.

Mas as duas empresas têm uma espada sobre a cabeça há um mês, desde que outra concorrente, a Rede, controlada pelo Itaú, eliminou as taxas de antecipação de recebíveis para seus clientes, uma das principais fontes de receita das empresas do setor. O anúncio forçou sua principal concorrente, a Cielo, a seguir a mesma estratégia, o que tende a reduzir ainda mais seus lucros — que caíram 40% no primeiro trimestre. Mesmo com os bons números recentes, a Stone perdeu 28% do valor de mercado em um mês. A PagSeguro chegou a perder 10% de valor de mercado em um dia, e recuperou parte do terreno desde então.

Com o anúncio desta quarta-feira, a PagSeguro deixa claro que a competição não se dará mais dentro do limite físico das maquininhas com 12 botões e um espaço para a inserção do cartão. A corrida é para ser dono da carteira digital dos consumidores e dos varejistas.

Em relatório, Rafael Frade, analista do Brandesco BBI, afirma que a PagBank deve levar a empresa a oferecer negócios financeiros a uma base de clientes não atendida pelos bancos. Ainda assim, o BBI manteve a neutralidade sobre o desempenho dos papéis da PagSeguro, já que a competição tende a minar a rentabilidade do negócio. E as novas ferramentas, mesmo que emplaquem, devem demorar a gerar resultados. “Embora vejamos as novas iniciativas como positivas, elas também trazem muitos desafios na medida em que requerem expertise em empréstimo, comprometendo o risco de crédito da empresa”, afirma Frade.

“A PagSeguro parece desejar ser o banco do ‘não-bancarizado’, um público que ela já atende com as maquininhas”, diz Edson Santos, sócio e fundador da CO.LINK Business Consulting e que atua há décadas no setor de pagamentos. Outra frente de batalha, destaca Santos, tende a ser a oferta de novos serviços de gestão do negócio para o lojista, como já faz a concorrente Stone e como fazem empresas mais estabelecidas como a Linx. A PagSeguro também está nesta disputa com a aquisição recente da empresa de softwares NetPOS, permitindo a oferta de um serviço mais integrado a seus clientes.

O futuro é digital

Os novos anúncios mostram que há uma demanda dupla, para digitalizar pagamentos tradicionais, e para atrair clientes historicamente ignorados pelos grandes bancos. O Brasil tem mais de 60 milhões de cidadãos desbancarizados — pessoas que têm dinheiro, mas não têm conta em banco —, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Juntos, eles têm uma renda anual de 665 bilhões de reais. Só 19% dos microempreendedores individuais no Brasil têm conta bancária como pessoa jurídica, segundo dados de 2016 do Banco Central (os últimos disponíveis).

O volume de pagamentos digitais cresceu 60% nos últimos cinco anos, e deve manter o ritmo até 2021, quando 876 bilhões de dólares devem trocar de mãos digitalmente segundo a empresa de análises Capgemini. Outra pesquisa, da consultoria Boanerges & Cia, mostra que, até 2027, 49% do consumo das famílias brasileiras deve ser pago digitalmente.

A tendência é que, no Brasil, o negócio de carteiras digitais não seja monopolizado por poucas empresas — em mercados mais avançados, como o chinês, há um monopólio de apenas duas companhias. Mas, por aqui, há muita gente na corrida, cada um acreditando em suas próprias armas. A disputa coloca frente a frente adquirentes como a PagSeguro, bandeiras de cartões como Visa, bancos como o Itaú, carteiras digitais como o Pic Pay e varejistas como o Mercado Livre e o Magazine Luiza. Empresas de serviços como Uber e Rappi também vêm expandindo as potencialidades de suas próprias carteiras digitais.

Em novembro, o Banco Central autorizou o Mercado Pago, plataforma de pagamentos do varejista Mercado Livre, por exemplo, a atuar como uma instituição de pagamentos. O Mercado Livre acredita que seu negócio financeiro tem potencial para ser maior que o varejo, e tem como meta “democratizar o uso do dinheiro na América Latina”.

A grande questão é quem tem, de fato, a melhor mão para ganhar esta disputa. A tecnologia de transferências digitais, de certa forma, está disponível a todos. Tende a se sobressair quem ganhar a disputa pelo coração dos consumidores, com bem azeitadas campanhas de marketing e ferramentas fáceis de usar, mas sobretudo quem for visto como mais seguro pelos clientes. Na sucessão de batalhas desta guerra, nesta quarta-feira a vitória foi da dona da Moderninha – até as 13h as ações estavam em alta de 5%.

(Por Exame – Lucas Amorim) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM, PagSeguro, PagBank