Se você foi a qualquer evento de varejo nos últimos dois anos, certamente viu algumas palestras sobre os Millennials, a geração de nativos digitais que está transformando a forma como as empresas devem fazer negócios. Conectados, impacientes, bem informados, eles estão transformando as empresas tradicionais em dinossauros e, portanto, devemos todos adotar o mesmo padrão de conectividade, impaciência e acesso irrestrito a conteúdo em tempo real para estarmos alinhados a esse público e, assim, continuarmos a ser atraentes a consumidores que exigem cada vez mais e querem pagar cada vez menos.

E de fato há números que sugerem que todas as empresas devam largar o que estão fazendo e criar, para ontem, uma estratégia para abordar e conquistar os Millennials. Afinal, eles responderão por 30% do varejo americano em 2020, ou US$ 1,4 trilhão, e serão então o maior grupo populacional dos EUA. As tendências nascem com eles, que estão impulsionando os modelos de negócios mais interessantes e descolados dos últimos tempos, da economia compartilhada às startups de tecnologia que rompem os paradigmas de como faremos negócios.

Mas muita calma nesta hora: que tal exercermos a paciência e analisarmos com mais cuidado as informações que estão disponíveis? Deixar um pouco de lado os tweets e os títulos dos posts de Facebook e realmente exercer o pensamento analítico? Ao fazer isso, a surpresa: o céu não é tão azul assim…

Começando com alguns números da demografia americana: segundo a Nielsen, 24% dos americanos podem ser enquadrados como Millennials, 27% são Geração Z (basicamente, crianças e adolescentes), 23% são baby boomers e 16% fazem parte da Geração X. Isso significa cerca de 75 milhões de Millennials nos Estados Unidos. O problema é que eles detêm apenas 10% do poder de consumo: no mercado americano, o dinheiro continua com os baby boomers (50% do poder de compra).

Conclusão número um: os Millennials poderão mudar o mundo um dia, mas eles não têm dinheiro. De fato, na história americana os Millennials são a primeira geração a chegar à idade adulta com menos poder de compra que seus antecessores. No fim da década representarão 30% do consumo, o que certamente abrirá novas oportunidades de negócios. Mas daí a concluir que quem não focar os Millennials irá morrer vai uma grande distância.

No caso brasileiro, é muito mais complicado encontrar números sólidos, mas a tendência americana vale também. Entretanto, há ainda outro ponto: os consumidores mais velhos continuam com grandes demandas a serem atendidas. Se nos Estados Unidos pouco se fala desse tema (uma vez que lá essa é uma questão resolvida – os baby boomers vão muito bem, obrigado), no Brasil os seniors são uma oportunidade gigantesca de negócios que é praticamente ignorada por uma sociedade que valoriza mais a beleza e a juventude do que a experiência. Conclusão número dois: olhe para os seniors e você verá grandes oportunidades.

Outra ilusão frequente em toda a discussão sobre os Millennials é concluir que, como eles são digitais, as lojas físicas se tornarão irrelevantes. Muito pelo contrário: embora a redução da área de vendas das lojas seja uma tendência, ela se deve muito mais à influência da tecnologia sobre os princípios estratégicos e econômicos do que a uma rejeição do PDV. As pesquisas continuam mostrando que a loja física é o local da materialização da experiência a ser oferecida pelas marcas e que, embora o varejo online deva crescer mais que as vendas físicas, o PDV continuará, por muito tempo, sendo essencial. A evolução tecnológica, porém, permite que o relacionamento das lojas com os clientes extrapole os limites da loja física, começando no celular, passando pelo ponto de venda e não necessariamente terminando em uma compra no PDV.

A loja pode ser mais um ponto de contato no processo de decisão de consumo. E isso vale para clientes dos oito aos 80 anos. Nos Estados Unidos, 25% dos mobile shoppers têm mais de 55 anos e a onipresença dos celulares indica que as marcas devem incorporar o digital aos processos já existentes, e não descartar os comportamentos que os clientes já têm. Até porque pessoas de idades diferentes costumam agir de forma parecida, uma vez que educação, cultura e acesso à informação são mais importantes que a data de nascimento. Conclusão número três: analise o comportamento de seus clientes e não sua faixa etária.

Outro aspecto relevante a considerar: você sabe em que lojas os Millennials costumam comprar? Um estudo divulgado no ano passado pela Nielsen Scarborough nos EUA mostra que das 10 lojas onde os Millennials mais compraram nos três meses anteriores à pesquisa, somente uma era online (a Amazon, claro!). As outras nove poderiam muito bem ser “a loja dos pais”: Walmart, Target, Dollar Tree, Kohl’s, Dollar General, JC Penney, Family Dollar, Best Buy e Macy’s. Os casos de empresas digitais nascidas há menos de uma década que hoje dominam seus setores são fascinantes e geram capas de revistas, mas para cada Uber, Netflix ou Facebook existem milhares de lojas físicas que continuam a prosperar. No Brasil um estudo semelhante traria uma conclusão parecida. Conclusão número quatro: “apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Assim, vá devagar. Os Millennials transformarão o mercado, porque é isso que as gerações mais novas sempre fazem. Mas não foque seus esforços nesse público. Pelo menos por enquanto.