Diante da queda do poder de compra do brasileiro, as indústrias de consumo começam a rever suas estratégias de vendas no País. A alta dos índices inflacionários e a perspectiva de desaceleração da renda e do crédito em 2015 pressionam a demanda doméstica.
Segundo especialistas, com menos dinheiro no bolso o consumidor é mais criterioso, o que dificulta o crescimento de vendas das companhias no mercado interno.
Na avaliação do economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando de Holanda Barbosa Filho, a piora da economia já produz impacto no consumo doméstico e a perspectiva é ainda mais negativa para 2015.
“O crédito não vai crescer como no passado, até porque os juros no Brasil são altos e devem subir ainda mais em 2015. Além disso, no ano que vem o desemprego deve aumentar e a renda diminuir”, afirmou ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Até mesmo o setor de alimentos, menos sensível a mudanças na capacidade de compra, já sente os primeiros impactos da inflação. Segundo pesquisa da Kantar Worldpanel, no primeiro semestre de 2014 os consumidores frequentaram menos pontos de venda como supermercados, mercearias ou padarias.
O número de viagens caiu 10,5% ante o mesmo período de 2013, enquanto o volume médio de itens comprados permaneceu estável na mesma base de comparação.
Apesar do volume de compras permanecer o mesmo, a tendência é de substituição por itens mais baratos. Segundo Barbosa, no segmento de bebidas, por exemplo, as cervejas premium devem apresentar queda em detrimento de um aumento das vendas de marcas mais populares da bebida.
O mesmo ocorre com as carnes, que tiveram alta de 3,17% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em setembro. Segundo companhias do setor, já é possível perceber uma diminuição da procura por cortes nobres no mercado doméstico.
Com a desaceleração do consumo interno, os frigoríficos apostam no aumento das exportações, aquecidas com a demanda pela proteína brasileira, especialmente de mercados emergentes, como China e Rússia. A Marfrig, por exemplo, segunda maior processadora de carnes do País, já exporta cerca de 60% do que produz no Brasil. Para o diretor-presidente da companhia, Sérgio Rial, o crescimento das vendas externas é justamente o fator responsável por evitar uma pressão das margens das operações brasileiras.
No mercado doméstico, a expectativa da Marfrig é manter o crescimento das vendas em volume, mesmo com produtos mais baratos.
“O aumento dos preços faz com que o consumidor brasileiro seja mais seletivo, saindo de uma categoria de cortes para outra. Em relação ao consumo interno, posicionamos a Marfrig em produtos que atendam o quesito qualidade e também o de capacidade econômica de consumo”, disse Rial.
Já a BRF, com foco no segmento de aves, suínos e industrializados, aposta no crescimento da marca Perdigão no Brasil, cujos produtos têm preços mais acessíveis na comparação com os da Sadia.
“Nesse período mais racional da decisão de consumo, não há necessariamente uma mudança de estratégia, mas sim um fortalecimento da comunicação para produtos que neste momento são mais adequados para o consumidor brasileiro. Entre as duas marcas, a Perdigão, em termos de volume, tem mais espaço de crescimento no País”, disse ao Broadcast o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da companhia, Fernando Erne.
O impacto, no entanto, deve ser maior para outros setores do varejo. “O setor de alimentação é menos elástico. Quando a renda cai você primeiro diminui compra de outros itens, como gastos pessoais, higiene e vestuário”, explicou Barbosa.
Na indústria de produtos de higiene pessoal, a percepção também é de que o consumidor está mais sensível a preços. A Hypermarcas, fabricante de produtos de higiene e cuidados pessoais, adotou a estratégia de segurar os preços para buscar elevação no volume de vendas mesmo havendo alguns impactos nos custos. Com isso, a margem bruta da divisão Consumo da companhia chegou a cair no terceiro trimestre de 2014 ante o ano anterior.
A companhia chegou a revisar sua expectativa de crescimento para o mercado como um todo, mas espera que a estratégia a ajude a conquistar um maior market share, disse o presidente Claudio Bergamo em teleconferência com analistas e investidores. “Passamos a posicionar nossas marcas para que tenham melhor relação entre custo e benefício no mercado.”
A conclusão é que, embora ainda busque produtos com boa percepção de valor, o consumidor já não tem muita renda disponível para gastar e está fazendo escolhas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Por Exame) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM