Neste ano, de fraco desempenho para o comércio, com aumento de demissões e concentração em alguns mercados, redes varejistas frearam os investimentos.

Levantamento feito pelo Valor, com base em balanços financeiros de 17 varejistas e grupos de shopping centers, mostra retração de 20,1% no montante desembolsado em 2014. Foram R$ 2,54 bilhões aplicados de janeiro a junho, versus R$ 3,18 bilhões no mesmo período de 2013. Essa diferença, de R$ 640 milhões, equivaleria, por exemplo, à construção de três shoppings de grande porte e geração de até 6 mil empregos fixos.

O número de empresas que reduziram a liberação de recursos, e postergaram investimentos, é maior do que o total de redes que elevaram os desembolsos. Dez varejistas puxaram o freio dos investimentos no ano, enquanto sete ampliaram. Na lista daquelas que gastaram mais estão B2W, International Meal Company (IMC), Lojas Americanas, Marisa, Profarma, Raia Drogasil e Renner. Reduziram desembolsos Aliansce, Brasil Pharma, BRMalls, Grupo Pão de Açúcar (área alimentar), Iguatemi, Magazine Luiza, Multiplan, Restoque, Riachuelo e Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio).

“Existe uma freada de investimentos no varejo porque as expectativas no mercado de consumo a curto e médio prazo não são boas. A dúvida é saber quanto tempo as empresas vão segurar os recursos, e se isso afeta o segundo semestre”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Diz que “o financiamento para expansão do varejo encareceu com a alta dos custos de ocupação, como terreno e mão de obra, e do aumento da taxa Selic. Isso explica, em parte, porque os investimentos estão menores”.

No segundo trimestre, quando a Copa do Mundo reduziu o ritmo de reformas e aberturas de lojas, o valor investido caiu 11,1% – passou de R$ 1,8 bilhão, no segundo trimestre de 2013, para R$ 1,6 bilhão neste ano. Há queda inclusive em relação a junho do ano passado, quando uma série de protestos nas ruas destruiu lojas e afetou o humor do mercado.

Definição de planos para uso mais “eficiente” dos recursos – ou seja, fazer mais gastando o mesmo ou menos do que no ano anterior – e transferência de inaugurações para o segundo semestre (quando será possível sentir melhor o pulso da economia) ajudam a explicar a retração dos investimentos. Corte de gastos por parte de empresas em reestruturação e o fim de ciclos de investimentos iniciados anos atrás também compõe esse cenário, segundo relatos recentes das empresas a analistas e investidores.

“Estamos mais focados em ‘otimizar’ capital […] e planejamos abrir mais lojas e investir menos por metro quadrado”, disse a analistas em julho, Ronaldo Iabrudi, presidente do Grupo Pão de Açúcar, que na área alimentar desembolsou 40% menos neste ano, até junho. O grupo planeja abrir mais pontos neste ano do que em 2013, mas anunciou o mesmo teto de investimentos do ano passado (até R$ 2 bilhões) porque abrirá maior número de minisupermercados, que exigem menos recursos.

No Magazine Luiza, o diretor superintendente Marcelo Silva informou que haverá concentração de aberturas na segunda metade do ano. O plano de investimento, diz, está “normal” e em andamento (queda de 6% até junho), com duas lojas novas no primeiro semestre (foram cinco em 2013) e 20 previstas no segundo semestre, podendo chegar a 35 novas até dezembro.

Chama a atenção o ritmo menor de inaugurações ao longo de 2014. BR Pharma, GPA, IMC, Magazine Luiza, Marisa, Raia Drogasil e Restoque abriram menos unidades neste ano do que no ano passado, até junho, segundo dados de 12 varejistas que operam lojas físicas.

Para bater as metas de aberturas e desembolsos no ano, as redes terão que acelerar os projetos de expansão orgânica nos próximos meses. A questão é que o tempo para reformas e inaugurações tende a ser mais curto no segundo semestre – a atenção maior é para o planejamento das vendas de Natal, sem falar no ‘Black Friday’, em 28 de novembro.

Entre os shoppings, a Multiplan tem a maior retração no volume liberado no ano (62%), após completar um ciclo de investimento em 2013, que levou a desembolsos altos. Na Aliansce, a redução até junho foi de 35% e na BRMalls, de 22,8%. Os shoppings têm segurado desembolsos porque, mais alavancados, e num cenário de incertezas no varejo, passaram a concentrar os recursos em expansões, que exigem menos capital.

O que também acaba pesando nessas decisões é a necessidade de proteger resultados em períodos mais turbulentos, dizem consultores. Lojas recém-abertas levam de três (caso de supermercados) a cinco anos (lojas de vestuário) para serem pagas. Até darem retorno, quem acaba ” arcando” com as perdas são as lojas antigas. “O investidor está mais atento ao volume de lojas maduras e não maduras nos portfólios. Em anos mais difíceis, a loja nova faz ‘sangrar’ mais a loja madura”, diz Terra.

Entre as redes que liberaram mais recursos neste ano estão Lojas Americanas, Raia Drogasil e Renner. Há, no caso do varejo de drogarias, função estratégica neste posicionamento. “A Raia Drogasil está ampliando atuação antes da chegada mais forte das redes estrangeiras”, diz Terra. Segundo o comando da varejista, é hora de ocupar espaços. “Este é o momento de aproveitar uma fraqueza de quem não pode investir”, disse ao Valor, Eugênio De Zagottis, diretor de relações com investidores.

(Por Valor Econômico) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM