Em evento realizado em São Paulo em janeiro, o presidente da Coca-Cola no Brasil, Henrique Braun, anunciou o lançamento da estratégia mundial da empresa. Além de revelar novas embalagens e um investimento no Sistema Coca-Cola de R$ 3,2 bilhões em 2017, 10% acima da média dos cinco anos anteriores, o açúcar roubou a cena.
A companhia corroborava uma clara tendência de mercado ao apontar que 30% de seus produtos haviam sofrido redução de açúcar nos últimos dois anos, e que 80% das marcas do portfólio da empresa apresentavam versões com baixa ou nenhuma caloria.
Como o quarto maior mercado da Coca-Cola no mundo, o Brasil era um importante registro da consolidação de uma sensação, cada vez mais forte, de que o consumidor de refrigerante busca um produto com menos açúcar e mais sintonia com as mudanças no estilo de vida.
“O mundo mudou, as pessoas mudaram e essa é uma tendência”, reitera Andrea Mota, diretora de Categorias da Coca-Cola Brasil. “Mas um desafio particular é o fato de o brasileiro adorar açúcar, fomos educado na cultura da doçaria portuguesa. Toda vez que você vai lançar um produto, o mais doce é o preferido”, ela conta. Andrea acredita que mudar essa perspectiva exige um esforço conjunto
“Esse é um trabalho não só da indústria e do governo, mas de muitas mãos, para ver como a gente consegue educar o paladar. Não adianta a indústria colocar nas prateleiras um produto que o consumidor não quer”, conclui a diretora.
Lançado há pouco mais de um ano, a versão Stevia do refrigerante traz metade dos açúcares da versão tradicional. Mas ainda é cedo para dizer que o Brasil adotou em definitivo a “Coca verde”. “Ainda é um mercado pequeno, um nicho, porque a própria Stevia é nova no universo dos adoçante”, diz Andrea Mota.
Açúcar: ame-o, deixe-o ou modere-o
A redução de açúcar é um assunto tão prioritário hoje que vai passar a ser uma política de Estado no segundo semestre deste ano. Depois um acordo com a indústria para reduzir os níveis de sódio nos produtos industrializados, a Ministério da Saúde vai repetir o modelo para a redução de açúcares nos próximos meses.
“Depois de um acordo voluntário da indústria com o Ministério, já reduzimos 17 mil toneladas de sódio nos alimentos industrializados, e a meta é atingir 28 mil toneladas”, disse a EXAME HOJE o ministro da Saúde Ricardo Barros.
“O modelo para a redução de açúcar será exatamente o mesmo, mas como o porcentual consumido em produtos industrializados é baixo no contexto geral, de apenas 18%, será preciso ter uma clareza de metas”, completa o ministro, que garante que a intenção é que o protocolo seja assinado ainda no segundo semestre de 2017
Barros já tinha abordado o assunto ao defender publicamente, em junho deste ano, um projeto para acabar com as opções de refil livre de refrigerante, disponível em algumas cadeias de lanchonetes fast-food.
“O consumidor que compra refil bebe 30% a mais de refrigerante, logo é um movimento contrário à tendência de redução do consumo de bebidas açucaradas, que é uma meta global”, explica o ministro.
Sobre nosso DNA açucarado como nação, citado por Andrea Mota, que nos faria gostar mais das bebidas açucaradas, Ricardo Barros garante que aí estaria a chave para a redução.
“O segredo é justamente tirar o açúcar sem mudar o paladar. É para isso que a indústria investe em novas tecnologia e em novos processos de produção”, conclui Ricardo Barros.
Geração Coca-cola sem sódio
O consumo ainda é grande, mas os números indicam queda nos últimos anos. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não-Alcoólicas (ABIR), o consumo de refrigerante per capita no país em 2015 foi de 75,1 litros.
Em 2010, esse número foi de 88,9 litros. Pesquisa divulgada este ano pela agência de análises de mercado Mintel projetou que o consumo da bebida no país deve cair em torno de 1,8% entre 2016 e 2021. O mesmo estudo revela que os refrigerantes da categoria “natural” cresceram 529% no mundo nos últimos dez anos.
Refrigerantes naturais são opções mais saudáveis e pioneiras, que entraram no mercado assim que captaram as novas demandas do consumidor brasileiro de refrigerante. Curiosamente, as duas marcas de destaque têm a participação de ex-funcionários das duas maiores empresas do mercado.
Gustavo Siemsen, por exemplo, é ex-diretor de marketing da PepsiCo Brasil. Em 2004, a filha, com quatro anos, na época, perguntou o que exatamente ele fazia. Depois da resposta, ela dormiu, ele não.
“A gente tinha acabado de lançar H20, que foi um enorme sucesso no início e trouxe a ideia de que o consumidor poderia continuar bebendo refrigerante com menos culpa”, lembra Siemsen. Mas, nas pesquisas com consumidores, ele se recorda de comentários como “eu sei que no fundo isso é um refrigerante, mas tudo bem”.
Executivo que fez carreira em empresas multinacionais focadas em consumo, foi conversando com os lojistas dos shoppings do Grupo Iguatemi que Gustavo Siemsen resolveu tomar coragem e empreender. O projeto começou com uma lanchonete inteiramente dedicada a produtos saudáveis em São Paulo. Em 2014, mudou o foco.
“Percebemos que o consumidor queria levar o nosso suco gaseificado para casa, o refrigerante feito do suco era o nosso diferencial”, conta. E eles resolveram se concentrar no produto. E
m 2015, o refrigerante Gloops como o conhecemos chegou ao mercado no cardápio do Eataly, complexo de restaurantes paulistano que também estava sendo lançado na época. Era o impulso para industrializar o processo.
Siemsen não divulga os números do investimento inicial na marca. “Posso dizer que é um volume de dinheiro razoável para uma pessoa física, mas muito pequeno para os principais players do ramo de bebida”, define.
Fontes do mercado estimam que a Gloops terá faturamento em torno de R$ 3 milhões em 2017. O refrigerante está hoje em quinze capitais e nas principais cidades do estado de São Paulo.
“E temos um plano de negócio bem agressivo para os próximos cinco anos, que prevê que a gente dobre de tamanho a cada ano”, completa o sócio-fundador. A Gloops hoje produz quarenta mil litros de refrigerante por mês, distribuídos pelos sabores Framboesa com Limão Siciliano, Guaraná e Citrus.
Pequenos desbravadores
Gloops não está sozinho no pioneirismo. “O propósito inicial do Wewi era ser um refrigerante diferente de tudo que existia, saudável e ao mesmo tempo gostoso, visando um novo tipo de consumidor”, conta Rodrigo Campos, um dos sócios do Wewi Refrigerante Orgânico, ele também um ex-executivo do mercado de bebidas.
Campos trabalha no setor desde 2000 e foi diretor de planejamento e marketing da Coca-Cola Femsa no Brasil por sete anos. Em 2015, se juntou a Eduardo Correa e Anna Carolina Coelho no projeto do novo refrigerante, que havia começado dois anos antes. E não fez por menos.
“O objetivo final é reescrever a história dos refrigerantes”, ele define, sem rodeios. Disponível nos sabores Guaraná, Laranja e Cola, os três ganharam este ano versões All Natural Super Zero. “Chamamos de Super Zero porque é um refrigerante zero açúcar, zero caloria, zero sódio, zero conservantes, zero ingredientes artificiais e 100% saúde”, explica Campos.
A marca não divulga o faturamento, mas desde o fim de 2015 eles passaram a ter um sócio investidor, o que remete ao fato de Wewi estar prestes a ganhar quatro novas versões. Além de duas novas embalagem Pet, de 300 ml. e de um litro, serão lançados ainda dois novos sabores de tônicas orgânicas.
“Teremos uma versão tradicional e outra rosé, que combina a Quina Andina com o brasileiríssimo açaí. Uma é mais encorpada e a outra, mais suave”, explica o diretor de marketing da Wewish Bebidas Saudáveis, empresa responsável pela marca.
Sobre a proposta de redução de açúcares com a qual sinaliza o governo federal, Rodrigo Campos acredita que a demanda do consumidor é clara – e soberana.
“A indústria com certeza vai seguir este caminho, e os acordos e a direção do governo aceleram este processo. Mas o principal vetor de mudança será a demanda dos consumidores por produtos mais saudáveis, ele está de olho não só em calorias, mas também nos corantes artificiais, nos conservantes e nos adoçantes artificiais”, resume.
Gustavo Siemsen, da Gloops, concorda que há de fato um vilão nesta história. “O açúcar estimula muito o consumo excessivo, e é uma caloria sem nutriente. A gente busca sempre uma combinação de frutas para adoçar o nosso refrigerante, que consiga chegar num sabor agradável”, conta o diretor e fundador da marca.
Ele espera que o nicho dos refrigerantes naturais cresce e se desenvolva com rapidez nas prateleiras brasileiras a partir de agora. “A gente vê outras marcas muito mais como pequenos desbravadores, que vão fazer essa história conosco, do que propriamente como concorrentes”, conclui Siemsen.
(Por Exame) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM