É de se espantar que, décadas atrás, os shopping centers tenham se questionado quanto aos ganhos de se inserir salas de cinema nos empreendimentos. Na época, muitos lojistas e gestores pensavam que poderia ser um desperdício disponibilizar uma vaga do estacionamento por algumas horas para uma pessoa que permaneceria durante esse tempo sentada diante de um telão sem comprar nada. Hoje, no entanto, o pensamento se inverteu. Cada vez mais os centros comerciais percebem as vendas como consequência de uma experiência muito mais abrangente.
Esse movimento é resultado de uma mudança no comportamento do consumidor, que deixou de enxergar os shopping centers como um simples conjunto de vitrines e ofertas. Os empreendimentos se tornaram importantes espaços de convivência. O público procura esses locais para trabalhar, se encontrar com amigos, comer, se divertir e, por que não, comprar. A primeira tendência apontada nas palestras do Recon 2014 – evento mundial do segmento que aconteceu entre os dias 13 e 22 deste mês em Chicago e Las Vegas, nos Estados Unidos – refere-se à necessidade de se contar com bares, restaurantes gourmet e entretenimento para se conquistar clientes.
São justamente esses atrativos que mantém o público por mais tempo dentro do empreendimento. “A expressão Shoppping Center, em sua tradução literal de centro de compras, já não representa mais o que realmente são esses espaços. Eles são hoje um social hub, um local procurado pelas pessoas para socialização, onde elas querem passar bons momentos, se distrair e ver as novidades. Isso está levando mudanças grandes para a arquitetura, o mix de lojas e a conveniência que os shoppings oferecem aos consumidores”, explica Luiz Alberto Marinho, Sócio-Diretor da GS&BW, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Novos formatos
O especialista participará do evento Pós-Recon, organizado pela consultoria, na próxima quinta-feira, dia 29 de maio, em São Paulo. Lá, ele contará o que viu nos Estados Unidos, onde, ainda mais do que aqui, os shoppings se aparelham com áreas de descanso, restaurantes e espaços de entretenimento para receber as pessoas com mais comodidade e serviço. “A intenção é de que elas fiquem por mais tempo dentro do empreendimento e consequentemente acabem comprando”, resume Marinho.
A segunda tendência já clara nos Estados Unidos e em mercados mais maduros é a diversificação dos formatos de shoppings. Ganharam espaço nos últimos anos os modelos de vizinhança, os outlets e empreendimentos temáticos, focados em determinados segmentos de consumo. Há também os shoppings ancorados por conjuntos residenciais e aqueles que mesclam lojas tradicionais com escritórios de empresas, os chamados multiuso.
O destaque no Brasil ainda são os shoppings tradicionais, que respondem por 83% do total de centros comerciais, mas já existe um movimento que aponta para mudanças nesse perfil. Os novos empreendimentos estão sendo construídos de modo a aproveitar o potencial da combinação de vocações em um único lugar. Um exemplo é o Palladium Shopping Center, localizado em Curitiba, no Paraná. Inaugurado em 2008, o espaço com 182.400 metros quadrados e três pavimentos é ligado a prédios comerciais por uma entrada localizada dentro do centro comercial.
No lugar das praças
O ponto de encontro conta, por exemplo, com uma área administrativa do Banco do Brasil e com laboratórios médicos. “O Palladium já foi projetado no conceito multiuso. Não é só um centro de compras. Hoje, as pessoas não precisam ir a um shopping necessariamente para comprar. Existe uma relação com a falta de espaços comuns nas cidades, como as praças, que não têm conforto, nem segurança, atributos que passaram a ser oferecidos pelos shoppings”, pontua Maria Aparecida de Oliveira, Gerende de Marketing do Palladium Shopping Center, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Surge, nesse contexto, a terceira tendência de novas atrações cumprirem o papel de âncoras nos centros comerciais, dividindo essa função com as tradicionais grandes lojas de departamento e com as marcas fortes. No Palladium, um curso de inglês é um dos responsáveis por grande parte do fluxo de clientes no estabelecimento. Além dos próprios alunos, ele atrai para o local os pais, que muitas vezes ficam aguardando o término da aula caminhando pelos corredores e, adivinha, comprando.
Ofertas de entretenimento também ganham destaque. O Shopping The Linq, em Las Vegas, é ancorado por uma roda gigante. Do alto dela, é possível admirar a vista panorâmica de boa parte da cidade. Seguindo essas tendências, as lojas também investem em experiências diferenciadas, oferecendo serviços os mais inusitados.
Valor do design
A quarta tendência é o investimento em design. Já não basta ter um grande bloco de concreto com diversas marcas dentro para satisfazer o consumidor. Ele está atrás de um ambiente agradável, diferenciado e confortável. “Já existem shoppings decorados com obras de arte e que investem em arquitetura, com atenção para a iluminação e os jardins. Num primeiro momento, chegou-se a pensar que os estabelecimentos fechados iriam acabar, permanecendo apenas os abertos, mas hoje vemos que a arquitetura dos shoppings não tem um modelo único. Ela precisa apenas se adequar ao público-alvo”, ressalta Marinho, da GS&BW.
O Pátio Savassi, em Belo Horizonte, foi construído há 10 anos com áreas abertas, o que influencia sua vocação. O estabelecimento é hoje muito procurado por jovens e conta com cafés em todos os pisos, incentivando a reunião de amigos. “Estarmos num polo cultural nos levou a nos apropriarmos da questão. Temos um anfiteatro no shopping e fazemos diversos eventos com música. Eles são importantes para trazer a família e criar vínculos com os clientes”, relata Rejane Duarte, Gerente de Marketing do Pátio Savassi, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A oferta crescente de serviços nos shoppings, sejam eles culturais ou não, é a quinta tendência percebida no mercado. As praças de alimentação ganharam importância nos empreendimentos, ao longo dos anos, da mesma forma que itens hoje indispensáveis, como estacionamento amplo e coberto, fraldário e espaço para amamentação. Ambientes voltados para crianças também se tornaram fundamentais para distrair os pequenos enquanto os pais vão às compras.
Desconto no estacionamento
Oferecer diferenciais no serviço é tão importante a ponto de alguns estabelecimentos abrirem mão de parte de receitas importantes para isso. Para estimular a ida de clientes ao Shopping Grande Rio, no Rio de Janeiro, na hora do almoço, o empreendimento reduziu o valor do estacionamento no período. Quem for ao local e consumir no mínimo R$ 15,00 em lojas participantes do segmento de alimentação pagará apenas R$ 3,00 na tarifa. A ação é válida de segunda a sexta-feira, das 12h às 15h (exceto aos feriados).
O mercado brasileiro, embora já esteja atento à maioria dessas tendências, ainda engatinha se comparado com a realidade de países como os Estados Unidos, onde já existem mais de 100 mil shoppings, ante os nossos cerca de 500 daqui. “Lá, esse segmento vem se desenvolvendo desde 1922, enquanto nós temos apenas 45 anos de centros comerciais. Ainda temos um espaço enorme para crescimento e veremos muitos novos empreendimentos serem abertos”, analisa Marinho.
Nos últimos anos, o país assistiu a um movimento de expansão das redes e de lançamento de novas unidades em áreas mais remotas, distantes do tradicional eixo Rio-São Paulo. “Estamos vivendo um momento interessante de democratização e expansão para outras cidades. Eu mesmo estive em Roraima, Sobral, Macapá, Porto Velho. É bom ver as mudanças que os shoppings estão levando para essas regiões. Vi recentemente, por exemplo, um Shopping de Alagoas levar o primeiro McDonald’s para a cidade”, lembra Marinho.
(Por Mundo do Marketing) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM