Aqui no deserto ao norte da capital saudita, um calor de 47 graus emana do sol com uma força quase mecânica, como um secador de cabelo. Na estrada de Riade, apenas os camelos permanecem impávidos ao sol do meio-dia. Seus pastores não estão à vista, refugiados em tendas próximas.
É sem dúvida um lugar difícil para uma fazenda leiteira. Mas, logo adiante na estrada dos camelos, esse trecho plano de deserto e tamareiras abriga as fazendas de gado e as usinas de processamento da maior produtora de laticínios do Oriente Médio por valor.
Na sombra dos galpões abertos de teto metálico, 67.000 vacas malhadas de preto e branco da raça Holstein-Friesian, pertencentes à empresa saudita Almarai Co., andam ao acaso, focinhando o solo em busca de restos de ração, ou ficam deitadas, fitando a areia.
Conseguir que uma fazenda leiteira tenha sucesso em um dos lugares mais quentes do planeta — onde, a temperaturas naturais, a produção de leite iria despencar, os produtos estragariam e bactérias perigosas poderiam proliferar — exige levar à tecnologia ao limite, dizem os gerentes da Almarai e os especialistas americanos do ramo.
As Holstein-Friesian são, por natureza, vacas leiteiras de alto rendimento. Mas fazer com que continuem produzindo quando a temperatura chega a 48 graus no verão implica mantê-las frescas, confortáveis e limpas. Só automatizando cada momento da produção é que a Almarai consegue operar uma das maiores fazendas leiteiras do mundo — com um total de 135.000 cabeças de gado, incluindo as bezerras ainda não ordenhadas — em um deserto cheio de palmeiras, mas sem nenhum pasto.
“Vacas felizes, leite feliz, Almarai feliz. Todo mundo feliz”, cantarolou Cicero Chan, subgerente de uma das seis fazendas leiteiras em torno da planta de processamento da Almarai, enquanto percorria os currais e salas de ordenha numa manhã recente.
Nos currais, sprays de água, ventiladores e a sombra dos galpões refrescam as vacas, baixando a temperatura para a faixa almejada de 21 a 24 graus. E, quatro vezes por dia, antes de cada ordenha, os empregados fazem as vacas passarem por estruturas metálicas com jatos d’água, para limpá-las do esterco e de qualquer outra coisa que possa contaminar o leite.
Mas, entre todas essas tecnologias para as fazendas leiteiras no deserto, o fundamental são os sprays. Usar mangueiras para molhar as vacas criaria um ambiente úmido e favorável às doenças, diz Leslie Butler, especialista em marketing de laticínios da Universidade da Califórnia em Davis.
Para controlar tanto o calor como a umidade, as fazendas de laticínios de primeira linha e alta tecnologia do deserto implantam sistemas como os sprays de refrigeração da Korral Kool Inc., firma de Mesa, no Estado americano do Arizona. Cientistas do Arizona a Taiwan trabalharam durante décadas para desenvolver esses sprays. Montados agora no alto dos galpões, os sprays lançam ciclones giratórios de gotículas de água e ar, umedecendo continuamente o couro das vacas para que elas se resfriem e sequem sem formar poças d’água. Computadores ligados aos sprays monitoram as temperaturas e a umidade nos galpões, maximizando o resfriamento convectivo.
As vacas leiteiras da Almarai devem cumprir uma quota de pelo menos 40 litros por dia, uma produção normal para as Holsteins, que normalmente produzem o dobro de leite do gado Jersey, preferido pelas fazendas leiteiras da Europa.
Em uma das salas de ordenha da Almarai, o gado leiteiro e os empregados trabalham tranquilamente numa rotina em que 50 vacas entram em fila, são ordenhadas e saem dentro de 15 minutos. As vacas se acomodam espontaneamente nas máquinas de ordenhar, fazendo fila lado a lado. Os funcionários então ligam os medidores digitais para registrar a produção de cada vaca, e braços robóticos levantam as ordenhadeiras mecânicas, que são então conectadas pelos empregados. O leite vai depois para câmaras de refrigeração, que o esfriam até cerca de 4 graus dentro de cinco minutos.
Passeando pela sala de ordenha, Chan observa uma vaca, identificada pela sua etiqueta de orelha com a número 609, cujo rendimento baixou para menos de um litro por ordenha. Tapando de leve a boca, ele sussurra em tom teatral: “Ham-búr-guer!” — indicando qual o destino das vacas que não atingem a quota.
Um pouco mais tarde, ele vê novamente a número 609. Os empregados já a separaram das outras e ela está sozinha debaixo do beiral de um telhado, sacudindo a cabeça.
Depois que as vacas são ordenhadas, milhares de vans e dezenas de caminhões-tanque refrigerados entregam leite fresco e em caixa, junto com iogurtes e cremes apreciados no mundo árabe e no Golfo, como “zabadi” e “lebna”, e ainda outros produtos lácteos, para 55.000 estabelecimentos em seis países do Golfo Pérsico.
A Almarai afirma ser a maior produtora de laticínios integrada verticalmente do mundo. Isso significa que ela supervisiona cada etapa do negócio, até o contato com algum dono de loja que pode querer desligar as geladeiras à noite para economizar dinheiro, diz Alan Bennett, gerente de fábrica da Almarai. No ano passado, a empresa gerou US$ 304 milhões em lucro líquido e US$ 2,1 bilhões em vendas.
Os críticos alertam que o alto rendimento da Almarai e de outros empreendimentos agrícolas sauditas tem um custo escondido. Os subsídios governamentais de energia, possibilitados pela riqueza gerada na Arábia Saudita com o petróleo, fornecem energia barata para a indústria e a agricultura do reino, mas contribuem para um elevado consumo de energia doméstica. A agricultura da Arábia Saudita também depende dos lençóis freáticos naturais do país, que estão se esgotando rapidamente. Reconhecendo a exploração intensa dos seus recursos naturais, o governo saudita tomou iniciativas para frear certas atividades agrícolas. Por outro lado, observa Bennett, a Almarai recicla a água das lavagens do gado e de outras instalações da fazenda.
Ao mesmo tempo, a ênfase da Almarai nas “vacas felizes” aparentemente não é um slogan vazio escrito na sede da firma, mas parte de um preceito cada vez mais valorizado nas fábricas de laticínios de todo o mundo, diz Butler, o especialista em marketing de produtos lácteos. Ele acrescenta que os produtores de leite da Califórnia também já reconheceram que “o conforto das vacas é o que faz a produção”.
(Por Wall Street Journal) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo