>O empresário Carlos Alberto Sicupira, um dos controladores da Anheuser-Busch InBev e presidente do conselho da Lojas Americanas, conversa com Época NEGÓCIOS sobre o tema de sua vida: como construir novos e bem-sucedidos negócios.
Por Alexandre Teixeira
Um administrador de empresas paulista, do ramo varejista, espera uma mesa na pizzaria Capricciosa, em Ipanema. Conversa vai, conversa vem, percebe que, a uns poucos passos de distância, está o presidente do conselho de administração da Lojas Americanas. O senso de oportunidade dissolve a inibição e provoca um constrangido “Com licença, você não é o Beto Sicupira?”. Era. Carlos Alberto da Veiga Sicupira, Beto para os íntimos e os abusados, estava ali dando sopa, aguardando lugar num restaurante carioca como qualquer mortal, e disponível para uma abordagem com interesses profissionais. Por coincidência, o tal administrador havia enviado seu currículo para a Americanas poucos dias antes – mas considerou que reforçar o pedido de emprego direto na fonte não lhe faria mal. Sicupira foi cortês, mas não forneceu seus contatos. Em vez disso, pediu um endereço eletrônico e prometeu escrever. “Sei…”, pensou o incrédulo paulista, depois de se despedir. No dia seguinte, logo cedo, o e-mail estava lá: “Aguardo seu currículo. Abraço, Beto Sicupira”.
O episódio, ocorrido semanas atrás, reforça a mística de informalidade, interesse incansável por pessoas e apreço pela ousadia que é marca registrada de Sicupira e de seus sócios de uma vida inteira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Juntos, os três fizeram do Banco Garantia um ícone das finanças brasileiras, metamorfosearam a Brahma em AmBev, InBev e Anheuser-Busch InBev, deram origem à GP Investimentos e transformaram a Lojas Americanas numa potência do varejo que seduz administradores ambiciosos. Os três constam da lista dos brasileiros mais ricos, com fortunas pessoais na casa dos bilhões. A trinca, como um todo, é entusiasta do empreendedorismo, mas Sicupira, em particular, tem um envolvimento estreito com o apoio a empresários brasileiros em começo de carreira. Foi ele quem trouxe para o Brasil, no ano 2000, o Instituto Empreender Endeavor, entidade sem fins lucrativos que promove o empreendedorismo em países em desenvolvimento.
Nesta rara entrevista, concedida em meio aos preparativos para a Semana Global do Empreendedorismo, que acontece em 90 países, entre os dias 16 e 22 de novembro, Sicupira diz que pensar grande é o melhor antídoto contra os principais erros do empreeendedor brasileiro: visão de curto prazo e acomodação. Conta, também, que nunca viveu o dilema de ser funcionário ou patrão. “Mesmo nos momentos em que tinha patrão, eu achava que era dono do que estava fazendo.”
“Não acredito em braço direito. Acredito em estar junto a pessoas
melhores do que você, com qualidades e conhecimentos
diferentes dos seus”
Quais são suas maiores influências?
Meus dois sócios, Jorge Paulo e Marcel, a quem aprendi a admirar pelas razões mais diferentes, e o Sam Walton [fundador do Wal-Mart], pela simplicidade, humildade e consistência em tudo o que fazia, do Wal-Mart à sua família, passando pelo esporte.
Antes de 1973, quando chegou à corretora Garantia, convidado por Jorge Paulo Lemann, o senhor viveu alguma vez o dilema clássico entre ser funcionário e patrão?
Nunca tive esse dilema. Mesmo nos momentos em que tinha patrão, eu achava que era dono do que estava fazendo.
O senhor se formou em administração de empresas. Essa formação é essencial para quem quer empreender?
A formação em administração ajuda, pois você tem contato com assuntos como contabilidade, mas não faz grande diferença. O que realmente importa é a vontade de fazer. Você não ter noção de administração faz parte de empreender, que é lidar com a escassez, nesse caso de um conhecimento específico. Provavelmente, outra formação te trará algum conhecimento que será uma escassez para o administrador.
O senhor ganhou fama de ser um líder durão, que não hesita em “bater de frente com o problema” quando julga necessário. Este é um atributo que um líder precisa ter ou a boa administração tem lugar para gestores mais “bonzinhos”?
Não sei o que é ser durão ou o que é ser bonzinho. O que sei é que, quando você tem um problema, tem de resolver logo, pois ele vai crescer, e o pior que pode acontecer a uma organização é gastar energia resolvendo problemas em vez de andar para a frente. Como diz o Marcel, “prefiro ficar vermelho uma vez na vida a ficar amarelo a vida inteira”.
Como foi que o senhor se aproximou do movimento de apoio ao empreendedorismo, em geral, e em particular da Endeavor, que trouxe para o Brasil?
Fui procurado pelos dois jovens fundadores da Endeavor nos Estados Unidos e vi que uma iniciativa como essa poderia acelerar o processo aqui. Como empreendedor, pude ver o poder de influência do empreendedorismo nos diversos públicos com os quais ele interage – sócios, colaboradores, fornecedores, clientes e até o governo, no sentido de melhorar a vida de todo mundo, o que no fim ajudará o negócio do empreendedor.
O senhor apoia empreendedores não só como conselheiro da Endeavor mas também trabalhando como mentor. Há uma mensagem comum que procura passar aos empreendedores com quem se relaciona?
Sonhe grande, cerque-se de pessoas melhores do que você e trate todo mundo da forma como gostaria de ser tratado. Esta é a mensagem que a Endeavor tenta passar, mostrando ao empreendedor que ele pode fazer algo maior do que imagina e mostrando alguns caminhos para chegar lá. Quando isso acontecer, usaremos esse empreendedor como exemplo, para mostrar o que é possível ser feito, incentivando mais gente a sonhar grande e fazer acontecer.
A “cultura Garantia” pode ser resumida pela soma de meritocracia para valer, forte preocupação com a formação de líderes dentro de casa e transformação de funcionários em sócios. Como começar uma empresa do zero com esses valores em prática?
No fim, as três condições na sua pergunta se resumem a dar a oportunidade para a pessoa certa e reconhecer quando a oportunidade é totalmente aproveitada. Assim, o começo fica mais fácil e te possibilita chegar lá mais rápido.
Do recrutamento às promoções, a cultura de vocês sempre privilegiou “gente que gosta de ser dona” e “entrega resultados”. Como um empreendedor com um negócio novo consegue gente assim?
Acho que num negócio menor ou que está começando é até mais fácil fazer isso. Quando o negócio cresce e fica grande é que se precisa de muita disciplina para manter esses ideais. Para atrair as melhores pessoas, você tem de dar a elas uma garantia de que terão grandes oportunidades e de que o crescimento na organização depende exclusivamente delas.
Virou chavão repetir estatísticas sobre a alta mortalidade de empresas brasileiras em seus primeiros anos de vida. Quais os principais erros que o empreendedor brasileiro comete? E como evitá-los?
Empreender é lidar com a escassez de alguns dos fatores necessários para construir alguma coisa, seja dinheiro, conhecimento, gente ou até mesmo um mercado aparente. Quando o empreendedor falha é porque ele subestimou os problemas ou não sonhou grande o suficiente para tornar esses problemas menores. Dois dos principais erros que o brasileiro comete são o pensamento de curto prazo e a acomodação. Muitos empreendedores drenam a empresa para enriquecer mais rápido e não percebem que estão matando o negócio. Outros se acomodam, perdem a “faca nos dentes” e acabam sendo engolidos pelo mercado. O sonho grande evita cometer esses dois erros. Falhar não é monopólio do empreendedor brasileiro. Nosso nível de erro não é diferente do de outros países. O que pode levar a essa conclusão é comparar resultados de estatísticas diferentes.
Se um jovem pergunta que tipo de negócio deve abrir hoje, o que o senhor responde?
Procure, de alguma forma, fazer o que ainda não foi feito. No Brasil, temos a enorme vantagem de poder copiar de países mais avançados, diminuindo assim o risco ou o custo de inventar a roda. Importante também é que você procure algo que te dê prazer, que te divirta e, portanto, te estimule a se dedicar muito, para fazer cada vez mais e melhor, todos os dias.
Costuma-se dizer que o brasileiro empreende mais por necessidade do que por desejo ou vocação. O senhor concorda?
Na verdade, o que chamamos de empreendedor por necessidade é o emprego informal ou a micro e pequena empresa, que não têm nada a ver com o empreendedorismo de que estamos falando, que gera empregos, dá oportunidades e tem sonhos de crescer, e não simplesmente de sobreviver.
Em que estágio o Brasil está, comparativamente, em termos de desenvolvimento do empreendedorismo?
Gosto sempre de comparar com o melhor, que no caso de empreendedorismo são os Estados Unidos. Estamos muito longe, mas já temos um volume [de empreendedores] que começa a gerar impacto positivo na sociedade brasileira. Este ciclo virtuoso começou em 1994, com o processo que erradicou nossa inflação crônica. Até então, empreender era a rara exceção. Todo mundo só pensava no que fazer para sobreviver amanhã, não dava para sonhar em construir para o futuro.
Uma dúvida recorrente entre empreendedores é como recrutar “braços direitos”. O que a sua experiência diz sobre o desafio de trazer para dentro da empresa pessoas para funções estratégicas, como a área financeira?
Não acredito em braço direito. Acredito em se juntar a pessoas melhores que você, com qualidades e conhecimentos que você não possua. Isto pode funcionar para qualquer área do negócio. Para mim, todas têm a mesma importância.
O que dizer a alguém que abriu um negócio a partir de uma ideia e se vê na obrigação de liderar pessoas, sem nunca ter se preparado para isso? Todo empreendedor tem de aprender a ser líder?
Se esse empreendedor vai começar um negócio, vai ter de liderar e, para tanto, tem de querer e ir se preparando ao longo do caminho. Quanto a motivar o time, uma das qualidades que você tem de procurar nas tais “pessoas melhores que você” é a automotivação.
Como motivar as pessoas em uma empresa nova e pequena, que vai demorar anos para sair do vermelho e, portanto, não tem, financeiramente, o que distribuir?
As boas pessoas são movidas por grandes sonhos. Metas arrojadas nada têm a ver com estar no azul. Num negócio começando, por exemplo, uma meta arrojada de dobrar as vendas pode não significar sair do vermelho. Se não houver dinheiro para distribuir, pode haver outras formas de reconhecimento. O maior deles é [deixar claro] que as pessoas que realmente estão fazendo a diferença são as que vão se dar bem no futuro, junto com o empreendedor, que também não está recebendo nada naquele momento.
Empreendedores cujas empresas já vingaram na própria “freguesia” se veem diante do desafio de se expandir geograficamente. Há uma fórmula para transplantar o sucesso conseguido, digamos, em São Paulo para o Rio Grande do Sul ou para o Ceará?
Não há fórmula para determinado local. É tudo igual. Com países, é a mesma coisa. O que você precisa é entender o mercado local e ter fé que os seus valores são bons para todo mundo, em qualquer lugar.
Na hora da internacionalização, o que sua experiência ensina sobre a busca de parceiros?
Dificilmente culturas fortes e bem estabelecidas darão certo com parceiros. São raríssimos os casos disso funcionar.
Uma pesquisa recente mostra que há cada vez mais jovens empreendedores no Brasil, mas eles são pouco inovadores. A taxa de inovação das jovens empresas brasileiras é a menor entre 30 países pesquisados. Por que é mais difícil ser inovador no Brasil?
Inovação nada mais é do que fazer alguma coisa que beneficie, de alguma forma, o consumidor. O investimento em pesquisa no Brasil é baixíssimo. Ele começa a existir, mas, em geral, não é dirigido a nada. Isto só não é verdade na agroindústria, onde a pesquisa é focadíssima, resultando em muitos empreendimentos inovadores na área. Principalmente quando os recursos são poucos, o foco tem de ser maior. Sem pesquisa acadêmica focada em áreas onde poderemos ter diferenciais competitivos será muito difícil que apareçam empreendedores inovadores numa escala que faça a diferença. Esse é um dos fatores que poderiam diferenciar o país.
A baixa taxa de inovação tem relação com a falta de educação de qualidade no Brasil. O ensino é deficiente em todos os níveis e, mais especificamente, não há nada como Stanford, uma universidade devotada ao empreendedorismo. Como se muda isso?
Tudo começa com um ensino fundamental de qualidade para todos, e assim por diante, em toda a cadeia de educação. Ter uma Stanford só não resolveria o nosso problema. O país é muito grande para dar um salto com poucas ilhas de excelência, que até já existem. Temos os recursos. Falta uma melhor administração para chegar lá. Será uma estrada longa, na qual estamos dando os primeiros passos.
A maior parte dos negócios abertos por aqui gira em torno de franquias. Drogarias, redes de fast-food etc. Falta criatividade, talento, dinheiro ou imaginação?
Há uma grande diferença entre [apenas] empreender e empreender algo com grande impacto na sociedade. Tem mercado para o primeiro, mas a transformação vem por meio da amplificação da influência que o empreendedor terá.