Em silêncio desde o início das complicadas negociações de compra da Schincariol, os japoneses da Kirin – empresa que pagou R$ 7,1 bilhões pela companhia brasileira – se pronunciaram em fevereiro e jogaram uma luz sobre suas intenções. Ficou claro por que a Kirin pagou tão caro: a Schincariol é a grande fonte de esperança para reverter a aparente irreversível queda das vendas da empresa em seu país de origem que, em 2011, representou 72% do faturamento das operações de cervejas e bebidas não alcoólicas da Kirin. No ano passado, as vendas de cervejas no Japão caíram 6,5%; e as de refrigerantes, sucos e chás, 9,5%. “Os japoneses estão desesperados à procura de mercados em crescimento”, afirma o analista inglês Trevor Stirling, da empresa de pesquisas britânica Bernstein. Na mesma apresentação, a Kirin falou sobre suas perspectivas para este ano.

E foi aí que a Schincariol surgiu como uma espécie de tábua de salvação. De acordo com as projeções, o crescimento esperado para as vendas da empresa brasileira é de 12% nas contas da Kirin, o faturamento no Japão crescerá apenas 1,7%. As operações do grupo na Austrália, na Nova Zelândia e no Sudeste Asiático também crescem pouco. Para a Kirin, Itu é a capital mundial do crescimento.

A missão de fazer o bilionário investimento na Schincariol dar o retorno esperado foi entregue ao engenheiro Gino di Domenico, de 42 anos. Um quase desconhecido para o mercado até o início deste ano, Domenico chegou à companhia em 2007. Ele fazia parte da equipe comandada por Fernando Temi, executivo contratado para profissionalizar a gestão da Schincariol. O grupo deixou a empresa em menos de dois anos, por divergências com os donos. Domenico foi o único que permaneceu, e para isso teve de aceitar rebaixamento de cargo. Entregou a poderosa diretoria de operações, que engloba distribuição e fábricas, a Gilberto Schincariol, um dos acionistas da empresa, e passou a responder pela área industrial. A nomeação para a presidência surpreendeu o mercado pelo fato de Domenico nunca ter comandado uma empresa e por sua pouca experiência em áreas vitais para uma cervejaria, como vendas e marketing. “Como fala bem inglês e conhecia as operações, foi ele quem apresentou a companhia aos executivos da Kirin”, afirma um executivo que acompanhou as negociações.

Apesar de surpreendente, a escolha de Domenico deve ser lida à luz do histórico das multinacionais que compraram cervejarias brasileiras. A atitude padrão é enviar um esquadrão de estrangeiros para assumir a gestão o que, até hoje, gerou mais problemas do que soluções, basta lembrar o lançamento da Sol pela mexicana Femsa logo após a compra da Kaiser. Os mexicanos, habituados ao duo pólio em seu país natal, tentaram enfrentar a Ambev de igual para igual e acabaram, como se sabe, vendendo a empresa para a Heineken em 2010. A tarefa de Domenico, no entanto, é das mais difíceis.

A Schincariol encontra-se sob ataque. Em setembro do ano passado, perdeu a vice-liderança do mercado, que ocupava desde 2004, para a rival Petrópolis, dona das marcas Itaipava e Crystal. A troca de posições foi atribuída à turbulência gerada pela venda. “Os acionistas, que eram os principais executivos, estavam muito envolvidos com as negociações, e a companhia sofreu”, diz um diretor da Schincariol.

Dificuldades no Nordeste
Ainda que Domenico consiga implantar um plano desenhado em conjunto com os japoneses para cortar custos e corrigir ineficiências, o cenário é de um cerco ainda mais fechado. Seu principal mercado, a Região Nordeste, está cada vez mais disputado. A Petrópolis, que tem forte presença no Sudeste e no Centro-Oeste do País e é conhecida por suas marcas fortes e seus preços baixos, está em negociações adiantadas com os governos de Pernambuco, Bahia e Ceará para instalar uma fábrica no Nordeste. A situação da Schin na região vem se deteriorando desde 2010, quando a líder Ambev adotou uma estratégia mais agressiva, vendendo garrafas de 1 litro pelo preço das tradicionais de 600 ml. O resultado foi a queda da participação da Schincariol no mercado nordestino de 36%, em 2009, para 31%, em 2011.

Não bastassem esses obstáculos, a realidade do mercado brasileiro tem se mostrado bastante diferente dos cenários mostrados na apresentação da Kirin a seus investidores. Em 2011, as vendas da Schincariol cresceram apenas 2%, menos do que os já modestos 3,4% de expansão do mercado. Para 2012, quando projeta um crescimento de 12%, a própria Kirin estima que o mercado brasileiro crescerá apenas 2,8%. Para reverter o quadro, a empresa sabe que precisa reduzir sua dependência de uma única marca, a Nova Schin, responsável por cerca de 90% das vendas. Há dois anos, a cervejaria lançou a Devassa justamente com esse objetivo, mas não conseguiu o retorno esperado. Apesar do barulho gerado, a marca tem apenas 0,2% das vendas nacionais. Para tentar aumentar as vendas da Devassa, a Schin contratou o americano Hugh Hefner, fundador da PLAYBOY, como garoto-propaganda no Carnaval. Mas Hefner passou mal e deu o cano. A fase não é das melhores em Itu: enquanto continuar desse jeito, a fase da Kirin no Japão não vai ser muito diferente do que tem sido nos últimos tempos.

(Por Supermercado Moderno) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo