Passado o início da pandemia da covid-19, ainda se mantém alta a demanda por alimentos nos canais digitais, especialmente de produtos saudáveis, num momento de maior preocupação com a saúde. Nesse cenário, o grupo Hortifruti Natural da Terra decidiu avançar com um novo modelo de loja, voltado apenas para a venda on-line, e vai retomar inaugurações mesmo num quadro de crise econômica.

Controlada desde 2018 pelo fundo suíço Partners Group, dono de 100% de suas ações, a rede inaugurou em maio a primeira unidade “dark store” no país, na zona norte da capital paulista, com a marca Natural da Terra. São unidades fechadas ao público, que funcionam como pontos de distribuição de mercadorias vendidas pelo site. A segunda “dark store” foi aberta semanas atrás, no Rio de Janeiro, com a bandeira Hortifruti. A companhia usa diferentes marcas nesses dois Estados. São 61 lojas no Rio (45), São Paulo (13), Espírito Santo (2) e Minas Gerais (1).

Com investimentos que representam cerca de 5% dos gastos num supermercado tradicional (que custam entre R$ 10 milhões a R$ 15 milhões), o modelo “dark store” deve ajudar a suportar a alta nas compras on-line a partir deste ano. Segundo Thiago Picolo, presidente da Hortifruti Natural da Terra, antes da pandemia a operação digital representava entre 1% a 2% das vendas mensais. “Em algumas semanas após março, isso bateu em 25%, 27%, e agora nos estabilizamos em 20%. Nosso volume de venda pelo site multiplicou por 10. Apesar da desaceleração mais recente, é um salto que, se não fosse o isolamento, levaríamos anos para alcançar”, afirmou.

Neste momento, já houve uma acomodação desta demanda, e a empresa afirma que vê uma terceira onda de consumo com características específicas. A primeira onda durou duas a três semanas, e foi marcada pela corrida de clientes às lojas. A segunda se caracterizou por uma estabilização das vendas num alto patamar e na terceira onda, vivida hoje, já há uma queda no valor gasto por compra e frequência de clientes maior, retornando ao comportamento pré-covid-19.

Para se adaptar ao cenário de maior incerteza com o início da pandemia, a empresa congelou os planos de abertura de lojas físicas e concentrou-se em atender a demanda no primeiro semestre. Mas agora vai retomar as aberturas. Até o início de 2021, pretende inaugurar seis lojas da rede Natural da Terra em São Paulo. “Com mais pontos na cidade, depois abriremos mais ‘dark stores’, porque a venda on-line cresce mais rápido nos locais que já conhecem nossa marca”. Estão previstas três “dark stores” em São Paulo e três no Rio.

A decisão de não adiar muito as inaugurações foi tomada considerando o caixa atual e o per!l da empresa. “Temos recursos em caixa para isso, e nossas lojas custam menos que um supermercado de uma grande rede”, afirma Picolo. “Vamos ser afetados pela recessão, é algo até que o setor já tem sentido, mas o mercado de itens frescos depende muito de nível de serviço, da qualidade dos produtos. Não dá para avançar num mercado como o de São Paulo, que já teve um aumento de concorrência, sem investir nisso”, acrescentou.

Supermercadistas como Carrefour, GPA (dono das redes Pão de Açúcar e Extra) e Zona Sul ampliaram ou reformaram a área de frutas, verduras e legumes das lojas nos últimos três anos, e startups passaram a fazer entregas on-line desse tipo de produto. Em São Paulo, o maior concorrente da empresa é o Oba Hortifruti, com 21 lojas na cidade (de um total de 50) e R$ 1,4 bilhão em vendas em 2019.

Para o consultor Manoel Araújo, diretor da Martinez de Araújo, a Hortifruti Natural da Terra tem ampliado o portfólio nos últimos anos, mas é referência em frutas, legumes e verduras, segmento de baixo valor agregado, com alta volatilidade de preços, e que exige lojas em locais de grande fluxo de pessoas. “A venda on-line desses itens é bem complexa e cara. Acabam tendo que complementar o portfólio com mais itens [no site] e serviços para buscar algum equilíbrio em outras categorias”, diz Araújo.

Em São Paulo, Picolo afirma que a cadeia precisa ter lojas maiores, com estacionamento. “Percebemos que o paulistano vai até a loja de carro, ao contrário do carioca, que anda mais a pé. Não adianta copiar e colar o modelo que temos no Rio. Isso não funciona.”

Em 2015, houve a fusão da rede Hortifruti com a Natural da Terra, que na época somavam 40 lojas e R$ 1,2 bilhão em vendas, segundo publicou o Valor. Hoje são 61 pontos e pouco menos de R$ 2 bilhões em venda bruta anual. Após a fusão, o Partners Group adquiriu 40% da empresa. Em 2018, comprou os 60% restantes, e os fundadores deixaram o negócio. O fundo tem US$ 94 bilhões em ativos sob gestão em 20 países.

Cinco anos atrás, a Natural da Terra tinha oito unidades em São Paulo. Hoje são 13, sem incluir a “dark store” (média de uma abertura por ano). As inaugurações do grupo na época ficaram mais centradas no Rio, com a marca Hortifruti. “A gente vestiu mesmo o chapéu de paulista depois da entrada do fundo. Mas ainda não somos conhecidos em muitos bairros e precisamos mudar isso. Em São Paulo, nossas vendas ‘mesmas lojas’ [em operação há mais de um ano] crescem mais do que no Rio porque ainda estamos ocupando novos espaços na cidade. Já no Rio temos um negócio mais maduro”, afirma o executivo.

Atender a demanda on-line na pandemia exigiu uma série de medidas poucos dias. Cerca de 60 celulares foram comprados para atendimento por telefone e por aplicativo de mensagens. Após remanejamentos e contratação de temporários, foi formada uma equipe de mil pessoas para a área de delivery (o grupo em 7 mil funcionários). “Foi uma verdadeira colcha de retalhos. Alugamos carros de locadoras para entrega, usamos motoboys em contratos individuais e usamos até carros de gerentes. Saímos de 30 a 40 carros para 300”, afirmou Picolo. Esse número hoje está em torno de 250

(Por Valor Econômico – Adriana Mattos)

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