É difícil andar mais do que 5 minutos na região central de Xangai, na costa leste chinesa, sem encontrar pelo menos uma cafeteria. A rede americana Starbucks, que entrou no país há 20 anos, mas acelerou sua expansão nos últimos cinco, é a mais presente – já tem mais de 600 pontos de venda só na cidade. Foi lá também que a empresa inaugurou no fim do ano passado sua maior loja no mundo, de mais de 2.500 metros quadrados.

Hoje, a Starbucks detém quase 59% de participação nas vendas em cafeterias na China (em 2012 era 43%), segundo a consultoria Euromonitor, e mais de 3.300 lojas em diversas cidades. Sua meta é abrir uma nova a cada 15 horas no país e dobrar de tamanho até 2022. Sua hegemonia, porém, está sendo ameaçada e não apenas por estrangeiras que estão aumentando sua participação no país, mas, especialmente, por uma rede local que já mostrou que tem poder de fogo: a Luckin Coffee.

Fundada em Pequim em novembro do ano passado, a rede chinesa Luckin abriu sua primeira loja em janeiro e já operava, em agosto, 660 lojas em 13 cidades e tem arquitetado um plano ambicioso para ultrapassar a rival – a expectativa é chegar até o fim do ano em 2 mil pontos. “No futuro, vamos ter mais lojas do que a Starbucks”, diz abertamente a fundadora e presidente da rede chinesa, Qian Zhiya, para quem quiser ouvir.

Dinheiro não será um problema. A empresa acaba de captar 200 milhões de dólares junto a investidores que inclui o Fundo Soberano de Singapura (GIC), o que elevou seu valor de mercado para 1 bilhão de dólares. “Vamos usar os recursos para desenvolver novos produtos, tecnologias inovadoras e negócios”, diz a CEO, após a divulgação do aporte. Em relação às demais cafeterias a Luckin tem dois diferenciais principais: produtos cerca de 30% mais baratos e muita comodidade.

Grande parte dos consumidores que experimentam pela primeira vez comprar na rede vem por meio de promoções – algumas podem chegar a descontos de 50%. A comodidade está na hora de fazer o pedido: a empresa incentiva os consumidores fazerem as ordens e pagamentos pela internet. Na hora de pegar o produto, podem passar na loja mais próxima ou receber em casa ou no escritório em pouco tempo. De suas lojas, mais de um terço são apenas cozinhas, ou seja, pontos de preparação de bebidas. Mas, quem quiser saborear seu café sentado em uma poltrona enquanto usa o wifi grátis também pode – por ora, a rede tem quatro tipos de lojas, entre elas as com amplo salão e serviços similares ao da rival Starbucks.

Não é à toa que a briga tem ganhado um peso tão grande. Com uma população de 1,4 bilhão de pessoas, a China, conhecida como o país do chá, ainda tem um baixo consumo per capita de café – três xícaras por ano contra 250 do Reino Unido e 363 nos Estados Unidos. Entre 2012 e 2017, as vendas de cafeterias na China saltaram 236% e o setor faturou 4,46 bilhões de dólares. A expectativa é que chegue em 6,46 bilhões até 2022.

Considerando a venda de grãos, o mercado chinês de café sobe para 14,6 bilhões de dólares, sendo que três quartos são de venda de café instantâneo. Ou seja, para analistas, há ainda muito espaço para o mercado de cafeterias crescer. “Embora o mercado de cafés comece a mostrar uma leve desaceleração no crescimento, após anos subindo dois dígitos, ele teve em 2017 seu melhor ano, beneficiado pela popularização da cultura de tomar café, especialmente entre os jovens e quem procura reuniões informais de negócios”, diz relatório da Euromonitor.

Nos últimos cinco anos, o número de lojas mais que duplicou, passando de 3.134 em 2012 para 8.970 no ano passado. Grande parte deste crescimento vem da Starbucks. Enquanto redes como a americana McCafé, do McDonald’s, e a britânica Costa Coffee perderam espaço, a Starbucks saltou de 43,4% em 2012 para 58,6% de participação em 2017. A empresa não comenta abertamente sobre o avanço da concorrência, mas analistas e investidores já entenderam que a chinesa é sim uma ameaça real ao império da americana em seu setor.

Em junho, o banco Morgan Stanley diminuiu a expectativa de valor para a ação da Starbucks, justificando a desaceleração das vendas da rede nos mercados chinês e americano, seus principais. Em relatório, o analista John Glass diz que a diminuição do ritmo de crescimento das vendas na China “foi uma surpresa negativa” e parte da explicação é pelo aumento da concorrência de empresas que entregam cafés, se referindo indiretamente à Lucking.

Em um mercado que aparenta ser tão promissor, a briga pelo consumidor chinês não se restringe à dupla Starbucks e Luckin. A rede canadense Tim Hortons, que tem investimento do fundo 3G, dos empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, também entrou no páreo este ano. O plano, anunciado em julho, é abrir 1.500 lojas por lá em até uma década.

Com toda a concorrência, quem acaba ganhando é o consumidor. Para não sair perdendo no quesito tecnologia, a Starbucks anunciou em agosto uma parceria com o grupo chinês Alibaba para tornar suas lojas mais inteligentes e explorar melhor o mercado de vendas online através da Ele.me, empresa de delivery do Alibaba. A expectativa é até o fim do ano pelo menos 2 mil de suas lojas façam entregas de pedidos feitos pelo aplicativo, de acordo com o presidente mundial da Starbucks, Kevin Johnson.

A rede planeja ainda digitalizar mais suas lojas. Na China, os meios de pagamento por aplicativos já são comuns, mas a Starbucks quer ir além e oferecer menus com tecnologia de realidade virtual, que detalhe cada tipo de café, especifica métodos de produção e permite comprar produtos na plataforma Taobao, também do Alibaba. O Taobao será responsável pela entrega dos produtos adquiridos nas Starbucks.

Não demorou muito para a Luckin reagir. Poucas semanas depois anunciou outro grupo chinês, o Tencent, como parceiro para desenvolver seus serviços no Wechat, aplicativo de troca de mensagens, compras e pagamento que tem mais de 1 bilhão de contas. Já começou, por exemplo, a entregar também comida – até então, seu delivery era focado em bebidas. A briga já está boa e, pelo jeito, promete esquentar ainda mais entre a sereia, símbolo da Starbucks, e o alce azul que estampa os copos da Luckin.

(Por Exame – Naiara Bertão) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM, Luckin, China