Passa das 4h30 da madrugada, mas é horário de pico nos shoppings da região do Brás, centro de São Paulo. O shopping Vautier Premium é um dos mais movimentados. Com iluminação e corredores escolhidos por um dos principais especialistas em varejo do País, faz parte de um movimento de empresários do centro – de origem árabe e judaica – para concorrer com os camelôs que sempre dominaram as ruas durante a noite.
Ao todo são 11 shoppings funcionando em ruas do Brás e do Pari, em um percurso que pode ser facilmente feito a pé. Entre lojistas e donos de pequenos boxes, são mais de 5 mil empreendedores. Só no Shopping Vautier, erguido no prédio da antiga fábrica da empresa de biscoitos Tostines, são 1,5 mil pequenos varejistas.
Foi um império construído aos poucos. O primeiro passo foi dado há 12 anos, pela família libanesa proprietária da distribuidora de produtos de bebê Brascol. Os libaneses se uniram à família judia que tinha um centro comercial vizinho, dando origem aos shoppings Mega Polo Moda 1 e 2, que serviram de embriões para um movimento que tomou conta das ruas adjacentes.
Tradicionais empresários do centro foram aos poucos se juntando ao grupo – incluindo a família Kherlakian, que abriu uma filial da Galeria Pagé na região há cerca de um ano. Para construir o portfólio, os empresários adquiriram terrenos que aos poucos foram ficando vagos, como escolas sem alunos e concessionárias de veículos sem giro suficiente para sustentar o ponto. Todos os shopping centers foram pensados para atender o principal público-alvo: lojistas de outros Estados que vêm a São Paulo para abastecer seus estoques.
Shopping e hotel. O conceito dos empreendimentos foi desenvolvido pelo arquiteto Júlio Takano, consultor que já trabalhou para grupos como C&A, Tramontina e Riachuelo. Foi com a ajuda de Takano que os shoppings se distanciaram do estilo caótico que marca a imagem do comércio da região. Hoje, todos os empreendimentos têm ar condicionado e são mais bem iluminados. Alguns deles têm hotéis anexos, para que os clientes não precisem se deslocar para descansar; o Mega Polo Moda abriga uma torre de escritórios para empresários de fora que queiram montar centros de compras no Brás; e os empreendimentos têm estacionamento para ônibus e oferecem “mimos” para motoristas e guias.
Após passar anos ganhando musculatura silenciosamente, o grupo está pronto para dar um passo definitivo rumo à profissionalização. Segundo o diretor comercial do Mega Polo Moda, Adelino Basílio, o objetivo agora é criar uma holding para investimentos em São Paulo e também em outros Estados do País. É um movimento que os empresários estão fazendo para organizar a gestão e, quem sabe, atrair um fundo de investimento no futuro.
A reorganização interna não quer dizer que os empresários do Brás pretendam tirar o pé do acelerador. Em agosto, o Mega Polo Moda vai ganhar uma unidade em Goiânia, com mais de 200 pontos de venda. Depois de dar os primeiros passos fora do ramo das confecções ao se associarem à Galeria Pagé, tradicional vendedora de eletrônicos, a holding em formação está de olho em um novo segmento: o de beleza. O terreno para um shopping que venderá esse tipo de produto já foi comprado. A meta é inaugurar o empreendimento já no ano que vem.
Informalidade. À medida que crescem, os shoppings do Brás querem distanciar seus empreendimentos da informalidade que predomina nas ruas de comércio popular do centro de São Paulo – na região, há muitos shoppings “abre-e-fecha”, que são alvos constantes de batidas da Receita Federal.
Para evitar esse tipo de problema, o grupo exige que todos os donos de lojas e boxes tenham empresa aberta ou, no mínimo, registro de microempreendedor individual. A pirataria também está proibida – quem anda pelo Brás durante a madrugada vê muitas versões falsificadas de roupas de marcas como Oakley e Lacoste nos camelôs, mas o mesmo não acontece dentro dos shoppings.
O consumidor deve ter em mente que a aquisição de um produto ilegal ajuda no financiamento ao crime organizado e tira dinheiro da economia formal, afirma Edson Vismona, presidente do Instituto Etco e do Fórum Nacional de Combate à Pirataria (FNCP). A compra de imitações de grandes marcas, entretanto, ainda é uma prática comum para pelo menos 60% dos brasileiros, diz Vismona. “Se o empreendedor cria uma marca própria, é isso que a gente quer ver. Isso se sustenta no longo prazo.”
Para as famílias que são sócias dos 11 shoppings do Brás, o produto pirata pode ser um risco para um modelo de negócio que já começa a ganhar fama internacional, segundo o arquiteto Julio Takano, que também é conselheiro do grupo. “Apresentei o projeto em uma conferência internacional e fomos convidados pela prefeita de Guadalajara, no México, a desenvolver um projeto semelhante por lá.”
(Por Estadão – Fernando Scheller) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM, Lojas