Durante três dias, nas manhãs e tardes de quarta, quinta e sexta-feira da semana passada, Abilio Diniz, presidente do conselho do Grupo Pão de Açúcar (GPA), e Jean-Charles Naouri, que comanda a rede francesa Casino, estiveram reunidos para falar sobre o futuro da GPA no Brasil. O encontro é parte da agenda anual da rede e aconteceu um mês e meio após Naouri e Diniz travarem um duro embate sobre a proposta de fusão de Pão de Açúcar e Carrefour, defendida por Diniz. Agora, um fato novo colocado na mesa de discussão, num clima tenso e difícil, pode definir os próximos passos de Diniz.

Na manhã de sexta-feira, o empresário brasileiro informou o conselho de administração da GPA que a direção executiva, presidida por Enéas Pestana, havia solicitado um estudo para avaliar os efeitos de uma possível fusão com o Carrefour. Na quarta-feira, o conselho consultivo já havia sido informado do estudo por Diniz, que presidia a reunião. O estudo concluiu que se o Pão de Açúcar perder a chance de fechar negócio com o Carrefour, e este se unir ao Walmart, o Pão de Açúcar perde força competitiva. Ao ouvir na reunião a menção ao tema Carrefour, Naouri reagiu.

Estudo, que avalia Walmart e Cencosud, e recomenda fusão entre Carrefour e GPA, é rechaçado por Naouri

O executivo francês disse que aquele assunto não poderia ser discutido ali; não constava da pauta. “Naouri falou que Diniz estava instrumentalizando a empresa”, disse um conselheiro. O material foi anexado à ata da reunião do conselho de administração. O relatório foi enviado a todos os 14 membros do conselho, incluindo os cinco representantes do Casino.

Pessoas próximas a Diniz disseram ao Valor que ele pode convocar uma reunião do conselho da Wilkes, holding que controla o Pão de Açúcar, solicitando que Naouri explique por que o estudo da GPA não é bom. Diniz não decidiu ainda se fará isso, pois prefere evitar um confronto desse tipo. Diniz também pode convocar uma assembleia de acionistas para que a questão seja trazida a todos os investidores, inclusive aos minoritários. Seus advogados estão avaliando quais são os caminhos possíveis. Em nenhum momento, Diniz desistiu do projeto de fusão.

O estudo pedido pelo “management” do grupo foi elaborado por uma equipe de pesquisas da GPA e traz simulações sobre os reflexos para a companhia de três eventuais cenários: a fusão do Carrefour com os grupos Pão de Açúcar, Walmart e a chilena Cencosud.

O estudo mostra que uma associação entre Walmart e Carrefour criaria uma megaoperação de forma que, para a GPA se equiparar a ela, seria preciso comprar todas as dez maiores redes de supermercados do Brasil, incluindo a Cencosud e a brasileira Zaffari. Há informações no mercado de que o Walmart tem interesse na compra do Carrefour, mas os franceses só aceitam uma fusão, não a venda.

Com base nos rumores de que o Carrefour poderia buscar outros caminhos, o comando executivo da GPA entendeu que era preciso discutir como isso afetaria a empresa. Não houve análise do estudo. Há cerca de três semanas, quando a pauta geral das reuniões da semana passada foi enviada aos acionistas por Pestana, Naouri insistiu na retirada do tema para deliberação. Foram dias negociando com o Casino a permanência do tópico, mas Pestana acabou retirando o assunto da pauta uma semana antes da reunião. Ele enviou uma carta aos conselheiros explicando que o sócio francês da GPA não aceitara a inclusão.

Assessores de Diniz dizem que ele tem agora outra análise favorável ao negócio, e do “management”. Isso pode ser lido como um nova peça de peso na estratégia do empresário. Interlocutores de Naouri dizem o oposto: isso não muda nada pois o assunto é página virada.

Após o término da reunião do conselho de administração da GPA na sexta-feira, Naouri, Diniz e sua filha Ana Maria, membro do conselho, estiveram a sós. A conversa deu-se no hotel Pestana, próximo à sede da GPA, na zona sul de São Paulo, onde haviam ocorrido as reuniões dos comitês. Foi um encontro costurado por Ana Maria. Diniz pediu que Naouri analisasse o estudo elaborado pela GPA. Naouri respondeu que isso não afetaria a decisão já tomada, contrária à fusão, com base em uma série de estudos técnicos.

O principal foco de tensão dos encontros da semana passada ocorreu no início da quarta-feira, na reunião do conselho consultivo. Em certo momento, Diniz disse que iria esclarecer aos conselheiros o assunto Carrefour pois isso seria um pedido dos próprios conselheiros. Naouri teria tirado os fones dos ouvidos e saído da sala, algo que o Casino não confirma.

O presidente do Casino teria voltado cinco minutos depois e, quando Abilio terminou de apresentar alguns slides sobre o assunto, Naouri disse que aquele não era o local adequado para a discussão e que esse era um “dead deal” (acordo morto, numa tradução livre). Roberto Teixeira da Costa, um dos conselheiros, interferiu e disse que queria conhecer o assunto. Naouri rebateu, e teria chegado a dizer que um dos conselheiros nada entendia de varejo.

As reuniões de planejamento estratégico, entre o final da quarta-feira e ao longo da quinta-feira, aconteceram na “santa paz”, disse uma fonte, algo que foi avaliado como um sinal positivo para a gestão dos negócios do maior grupo varejista do mercado brasileiro.

Por Adriana Mattos | De São Paulo
http://www.valor.com.br/brasil/997834/comando-do-pao-de-acucar-traca-cenarios-para-carrefour