“Se houvesse uma senha para acessar o inferno, esta seria ICMS, sigla de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, disse Bruno Quick, gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional durante o recente simpósio da ABF Franchising Week, que abordou os impactos da substituição tributária no setor de franquias.
A substituição tributária é uma sistemática de cobrança do imposto amplamente utilizada pelos Estados, que concentra o recolhimento do tributo num único elo da cadeia produtiva.
Esse contribuinte, em geral uma empresa importadora ou industrial, recolhe antecipadamente o valor que cabe ao comércio, a ponta da cadeia, com base em preços estimados pelo fisco.
Usada no passado somente em setores mais concentrados, como o de combustíveis, a sistemática foi ampliada ao longo dos anos, sem poupar as empresas do Simples Nacional, regime tributário adotado pela maioria dos franqueados no Brasil.
De acordo com o especialista, o ICMS é a principal fonte de receitas dos Estados, com uma participação de mais de 75% do total de receitas.
Em meio a uma crise fiscal sem precedentes, os Estados têm intensificado o uso dessa sistemática, sem poupar as optantes do Simples.
“É preciso resgatar os fundamentos do Simples e o caminho passa por uma profunda reforma tributária”, defendeu.
Estudos realizados pelo Sebrae, lembrou, indicam que o Simples é um regime que proporciona uma redução de 40% da carga tributária e dobra a taxa de sobrevivência de uma empresa, na comparação das companhias que não fazem parte do regime.
Na última atualização da legislação desse regime tributário voltado às micro e pequenas empresas, produtos como armação de óculos, azeites, brinquedos e instrumentos musicais saíram da lista de itens sujeitos a substituição tributária.
E na época da discussão, em 2014, houve um acordo com os governadores para restringir o uso da sistemática em setores com escala industrial relevante.
Esse acordo, porém, como ressaltou Quick, foi quebrado, pois empresas com faturamento de R$ 180 mil por ano estão incluídas na sistemática. “É preciso mais coerência na identificação de produtos que estão sujeitos à substituição tributária”, disse.
Além de impactar o fluxo de caixa das pequenas empresas, essa sistemática representa aumento da burocracia até para as empresas de maior porte.
É o caso do Boticário, que possui um departamento com 150 funcionários para fazer a gestão dos impostos e das obrigações acessórias, de acordo com Fernando Modé, vice-presidente de relações institucionais do grupo.
Empresas que atuam em vários Estados são obrigadas a conhecer os detalhes das regras locais e o ICMS é um dos impostos com legislação mais mutante.
“São tantas as mudanças que, por mais que tenhamos a intenção de recolher corretamente e cumprir com as obrigações acessórias, sempre fica a impressão de que está faltando algo”, disse Modé.
Na opinião do executivo, o ICMS é um imposto fadado à falência, pois no mundo digital, a circulação de mercadorias e serviços deixou de ser uma fonte interessante de tributação, o que obriga os estados a reverem suas estratégias em busca de outras receitas.
A substituição tributária, porém, alcança basicamente a indústria, um dos setores de maior encolhimento no Brasil, que enfrenta há muito tempo problemas com perda de competividade e produtividade e fechamento de postos de trabalhos.
De acordo com Ana Cristina Von Jess, gerente jurídica da ABF, seccional do Rio de Janeiro, a substituição tributária não alterou a relação entre franqueados e franqueadores, mas trouxe, sem dúvida, um aumento real na carga tributária dos primeiros.
“O pagamento antecipado do imposto compromete o fluxo de caixa dos franqueados e reduz a sua margem de lucro”, explicou. E em tempos de crise, repassar esse custo ao preço final pode significar o suicídio do negócio.
Além de recolher o imposto antes da concretização da venda do produto, o uso da sistemática impõe o risco de pagar o imposto mesmo que a venda não ocorra. E muitas empresas acabam recorrendo ao Judiciário ou às instâncias administrativas pleiteando o valor pago a maior.
O setor de franquias aguarda, há mais de seis anos, o desfecho de um posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da constitucionalidade ou não da cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre o valor das taxas de franquia, royalties e fundo de marketing.
No momento, o segmento está atento ao movimento de alguns Estados que querem incluir na base de cálculo do ICMS as taxas de franquia, aumentando ainda mais a carga tributária dos franqueadores. Mais discussões judiciais pelo caminho.
(Por Diário do Comércio) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM