A maneira como as empresas reagem a eventos como uma recessão econômica é quase sempre decisiva para alterar o jogo competitivo. Veja o que ocorreu, por exemplo, no mercado de moda feminina.
As cinco maiores redes varejistas abocanharam juntas cerca de 25% do bolo de R$ 42,3 bilhões em vendas. A mordida, porém, foi desigual. Duas delas se saíram melhor na disputa.
De acordo com estudo da consultoria Sonne, a gaúcha Renner foi a que mais ampliou sua participação de mercado, ao acrescentar 0,6 ponto percentual e passar a deter 5,8% das vendas.
Embora tenha somado um percentual inferior, a subsidiária da holandesa C&A assegurou sua liderança no mercado com uma fatia de 6,3%.
Com faturamento de R$ 6,9 bilhões em 2014 – último resultado conhecido -, a C&A ocupa a 12a posição entre os maiores varejistas no Brasil, de acordo com o Ranking Ibevar 2015.
Enveredar pelo meio digital não é exatamente uma estratégia inédita na C&A.
Da primeira vez, não foi bem-sucedida. Em 2003 e vender moda pela internet não era tão promissor para o mercado. O consumidor desconfiava de compras nesse canal
Havia ainda outra questão relacionada a trocas de mercadorias, uma vez que alguns itens eram exclusivos do site, mas não da loja e vice-versa.
Outro entrave dizia respeito às dificuldades de padronização e numeração do vestuário.
Naquela época, o comércio eletrônico movimentava cerca de R$ 1 bilhão anuais em vendas ante R$ 50 bilhões em 2015.
Foi no ano passado que a C&A decidiu deslanchar uma radical transformação digital, que contemplaria uma visão multicanal – omnichannel, em inglês -, conforme mostrou recentemente Paulo Correa, presidente da filial brasileira da companhia holandesa, em um fórum sobre varejo.
A nova abordagem não se limitou ao site corporativo, envolvendo todos os aspectos da integração entre lojas físicas e virtual, com o objetivo identificar o consumidor e atendê-lo onde, quando e como preferir.
Com o comércio eletrônico, a C&A ampliou significativamente o potencial de clientes. Além das 291 lojas espalhadas em 128 localidades – o segundo maior contingente mundial da marca -, estendeu sua rede para 4 mil municípios.
Também promoveu a digitalização de lojas físicas. Totens eletrônicos possibilitam que clientes consultem o mix completo em estoque em tempo real. Por meio do Facebook, opinam sobre coleções exclusivas que contabilizam as curtidas (likes) das peças.
A ideia, que remete à internet das coisas, já foi usada na loja-conceito do Shopping Iguatemi, em São Paulo.e em lojas internacionais que expõem a coleção batizada com o nome da modelo Gisele Bündchen.
A companhia também estreita o relacionamento com a clientela em ações por meio de aplicativos mobile, como a realizada no último Natal, quando a entrega das compras feitas pelo smartphone por alguns usuários mais ativos foi realizada pela trupe de humor Porta dos Fundos. [assista ao vídeo no final da reportagem]
A ação obteve dois 2 milhões de visualizações no YouTube e somou 10% ao faturamento da loja virtual, segundo Correa.
O PROCESSO
Sem revelar investimentos, o presidente da rede no Brasil relatou que, para promover a transformação digital, era preciso entender o que significava o omnichannel na visão de um varejista tradicional. Fundada há 175 anos, a C&A opera há quatro décadas no Brasil.
Seria abrir uma loja virtual, criar um aplicativo ou montar um site para celulares?
Nenhuma das alternativas isoladamente. O que faria sentido? Flagrar o consumidor conectado de qualquer lugar, a qualquer hora, e com a quantidade de dados e informações geradas por redes sociais ou pela internet.
Foi quando a C&A entendeu que seria necessário reconhecê-lo em qualquer tipo de canal.
Os dois ambientes – virtual e físico – foram mesclados. De um lado, com ferramentas de varejo que ajudassem a melhorar a experiência de compra – ou seja, a percepção do consumidor durante o processo de consumo, que deve ser a mais satisfatória possível -, além de métricas de precificação de produtos coerente nos dois ambientes, logística e política de trocas.
Do outro, com o conceito disruptivo de co-criação, utilizar analytics (ferramenta do Google para análises estatísticas na internet), estratégia mobile e até Big Data (armazenagem de grandes volumes de dados).
Tudo isso para replicar no site o mesmo modelo da loja e vice-versa – e promover a integração geral e irrestrita do on com o off.
“O importante era personalizar essa relação”, afirma Correa, que conferiu algo à operação ares de quitanda: afinal, tornou-se factível saber do que o cliente da C&A gosta e do que não gosta – e oferecer descontos em peças com sua padronagem predileta..
Com a diferença essencial da possibilidade de disparar mensagens personalizadas para 1 milhão de consumidores.
O TEMPO DIRÁ
Que não há como fugir da estratégia multicanal todo varejista já sabe. A questão é que a complexidade de trocas e padronização, além da cultura de segurança da informação, fez com que especificamente o negócio de moda dentro do e-commerce tenha demorado mais a decolar no Brasil.
“Em mercados mais desenvolvidos, como o americano, a participação do segmento já corresponde a cerca de 20% no comércio eletrônico”, diz Maximiliano Bavaresco, sócio-fundador da consultoria Sonne.
O fato explica outras tentativas iniciais malsucedidas – além da C&A, da rede Pernambucanas, que agora também ensaia sua volta aos negócios na nuvem.
Mesmo em tempos de crise, a C&A se manteve como líder do setor de fast fashion em 2015, ainda que com estabilidade ante 2014 – de 6,2% para 6,3%, de acordo com levantamento concluído pela Sonne, em março passado.
Mas, não houve como fugir da readequação: em março último, quando a rede anunciou o fechamento de 12 lojas físicas no Brasil ao longo de 2016. Em nota, a empresa informou que havia inaugurado 18 unidades nos 12 meses anteriores..
Enquanto suas concorrentes diretas como a Renner (segunda em participação, com alta de 0,6%) ou a Riachuelo (a terceira, com alta de 0,4%), obtiveram ganhos por conta de mudanças logísticas ou no portfólio de produtos, no caso da C&A um fator decisivo foi a estratégia multicanal.
Isso levou os produtos da rede a uma capilaridade ilimitada, além de ter resolvido o problema das trocas, com as coleções disponíveis nos dois canais e a verificação de disponibilidade de estoque – um ponto crucial, de acordo com Bavaresco.
“O acesso a todas as plataformas dá mais segurança e facilita a vida do consumidor”, diz.
Para Eduardo Terra, da SBVC, os negócios da moda como um todo começam a colher resultados da transformação digital.
“A C&A acelerou essa transformação começando pelo básico: dando passos pequenos, unindo um time especializado, e colocando a integração definitiva entre o on e o offline em sua agenda permanente”, diz Terra. “São três desafios vencidos que ajudarão a sustentar sua estratégia.”
(Por O Negócio do Varejo) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM