É difícil resistir a uma boa pechincha. Sabendo disso, o varejo está esticando a temporada de liquidações ao máximo para tentar atrair os consumidores e se desfazer de seus estoques. O movimento é resultado de um ano crítico para o varejo, que viveu um período de ouro na última década.

Neste ano, as liquidações de inverno começaram em junho e ainda estão a todo vapor em diversas lojas. Os descontos, que eram exceção, viraram regra. E a tendência é que as liquidações de verão também comecem mais cedo.

“O varejo tem a necessidade de criar um apelo adicional para as pessoas consumirem. Nem tanto porque elas estão sem dinheiro, mas pela perspectiva do que vem por aí. Por conta da crise política e econômica, as pessoas estão bastante inseguras com os seus recursos”, diz o professor de Trade, Vendas e Varejo da ESPM Rio, Ricardo Ladvocat.

De acordo com o IAV-IDV (Índice Antecedente de Vendas), indicador mensal que mede a atividade do varejo, os lojistas esperam queda real nas vendas de 0,2% em julho, em relação ao mesmo mês de 2014. No acumulado do primeiro semestre, o índice acumulou retração de 0,9% ante o ano anterior.

Segundo Ladvocat, em épocas de crise, o mercado de produtos costuma ser afetado mais rapidamente do que o de serviços. “De uma maneira geral, o setor de produtos é mais afetado que o de serviços. É mais fácil o consumidor comprar uma camisa mais barata do que mudar de barbearia”, exemplifica o professor.

Ainda segundo Aldo Gonçalves, da CDL Rio de Janeiro, o setor de vestuário e calçados, considerado mais supérfluo, costuma sofrer mais. “A prioridade do consumidor é comida e remédio, depois vem a escola das crianças. Esse comércio de moda, de acessórios está sofrendo mais”, afirma.

Com o salário corroído por uma inflação que soma 9,56% nos últimos 12 meses e o aumento do desemprego para 6,9%, as famílias começam a valorizar mais os preços dos produtos na decisão de compra. Este fator, que já pesa para as classes C, D e E, fica ainda mais preponderante. E até as classes mais abastadas repensam suas estratégias de compra.

Preço tem relevância

“O preço ganhou relevância para todas as classes sociais. Onde já era importante, se tornou ainda mais. Nas classes A e B, se aproximou da qualidade como fator mais importante na decisão de compra”, diz Christian Travassos, gerente de Economia da Fecomércio RJ.

Um alívio temporário para o comércio deve vir com o resultado do Dia dos Pais, comemorado hoje. A data deve injetar R$3,8 bilhões no comércio brasileiro, segundo a Fecomércio-RJ. O valor médio do presente subiu para R$ 82 neste ano, ante R$ 75 no ano passado. “O consumidor está mais seletivo e colocou o pé no freio, comprando de forma espaçada. Ficou com margem maior para compras pontuais”, explica Travassos.

Consumidor muda hábitos e segura dinheiro na carteira para não gastar

Além de esticar o período de ofertas, muitas lojas têm concedido descontos agressivos. Na Importex do Centro, o rebaixamento de preços chega a 80% em algumas peças. Mesmo assim, o movimento não chegou a se igualar ao do ano passado. “O movimento está fraquíssimo. Ano passado eu consegui bater metas, este ano ainda não”, diz a vendedora Cristina Bringuel, 36 anos.

Para especialistas, a tática de ampliar as liquidações é a mais usada em tempos de crise, mas pode se desgastar. Isso porque o consumidor percebe rapidamente o movimento e acaba adotando a estratégia de não comprar peças de coleções novas, pois já sabe que em breve os preços serão rebaixados.

“O consumidor aprende muito rápido quando pode levar alguma vantagem. Este é o primeiro risco. O segundo é de quebrar o valor das marcas, ou seja, o comprador passar a valorizar onde está mais barato do que a marca que ele está comprando, a loja, a qualidade de atendimento. Isso acaba nivelando todos por baixo”, afirma o professor Ricardo Ladvocat, da ESPM Rio.

A auxiliar-administrativa Adriele Soares, 27, tem paixão por sapatos, mas costuma procurar por ofertas para poder continuar comprando. “Costumo esperar porque sei que os preços sempre caem depois de um tempo”, afirma ela, que aproveitou a liquidação de uma loja de sapatos no Centro para arrematar uma bota por R$ 100. “Não resisto a sapatos. Vi uma bota parecida com esta por R$ 300, mas optei por uma marca mais barata”, afirma.

A cautela na hora de comprar pode ser facilmente percebida por um passeio nas ruas do Centro. Apesar dos anúncios chamativos para os descontos, as lojas estão vazias. “As vitrines estão sempre com liquidações e sempre vazias. Eu mesmo não comprei nada este ano”, afirmou a cabeleireira Sônia Vera da Cruz.

Já a dentista Solange Barbosa, 57, reduziu ao máximo as compras por impulso. “Este ano só comprei coisas que estava realmente precisando. Até na liquidação, vejo as pessoas comprando menos”, afirma.

(Por O Dia) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM