A São Paulo Fashion Week começa nesta segunda-feira, 31, e, com esta edição, completa um ano de novo formato, no qual mudou o calendário dos desfiles para se alinhar melhor às datas do varejo. A mudança foi festejada por um mercado de moda que, segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), é o que mais cresceu no mundo ao longo da última década: quase 300%. Ainda assim, o evento sofre com a saída de algumas grifes por conta dos custos dos desfiles – e da perda de receita que profissionais da moda atribuem à entrada de estrangeiros no mercado e à falta de políticas públicas para o setor e de incentivos fiscais.
Nesse cenário, como definir a importância que a São Paulo Fashion Week tem hoje, depois de quase duas décadas de desfiles? Paulo Borges, criador do evento, tem a seu favor um número expressivo: a cada edição, a semana gera R$ 2 bilhões em negócios e é, hoje, a quinta maior do mundo. “O que está em crise é o processo. As pessoas têm que se reorganizar, redescobrir as suas demandas, as suas necessidades, seus pontos fortes. E tudo vai se reorganizar em função disso, baseado numa gestão econômica”, diz.
Para Rafael Cervone, presidente da Abit, o quadro precisa ser visto de modo mais amplo. “A SPFW está se reinventando. Os modelos da indústria da moda na era da globalização entre cliente, marcas e países estão mudando. O que acontece no entorno de uma semana de moda, os showrooms, a rede de relacionamento, os encontros com compradores internacionais, são tão ou mais importantes que a semana em si”, diz. “O Brasil passa por uma crise de falta de competitividade como País e isso nos afeta em várias áreas. Mas a moda brasileira vem se destacando cada vez mais. São ações como a SPFW que projetam a imagem do País no exterior e geram negócios”, acrescenta.
Para ele, semanas de moda e feiras vão continuar a ser importantes. “Mas não bastarão. Estamos sempre buscando ideias. Cabe a nós que a indústria e a semana de moda conversem cada vez mais para buscar interação. Estamos investindo em outros mercados, inclusive o chinês. Estamos reduzindo um gap entre a indústria e o varejo. Também estamos trabalhando no diálogo entre os designers e a indústria, que muitas vezes não se conversam.”
Tanto para Cervone quanto para estilistas como Dudu Bertolini, da Neon, André Lima, Wagner Kallieno, a SPFW tem, além de mercado, importância simbólica para toda a cadeia de moda nacional. “Se uma coisa está na passarela e se destaca, isso se reflete em toda a cadeia. Imagem e negócios andam junto”, diz Cervone.
Bertolini concorda. “Aumenta drasticamente a visibilidade das marcas. É um trampolim de visibilidade. Tanto que a principal estratégia de marketing da Neon sempre foi a SPFW. E, nesse ponto, nós damos os méritos ao evento porque a imagem que você cria naqueles 15 minutos, perpetua nacional e internacionalmente.” E acrescenta: “A visibilidade midiática é positiva para as marcas e também atrai patrocinadores. O SPFW foi o grande responsável por fazer a moda estar na moda.”
Apesar da força da semana, diversas marcas abriram mão desta projeção e encontraram formas próprias de chegar no consumidor , deixando o evento. É o caso da própria Neon e de André Lima. “Não desfilo mais porque achei outras linguagens nas quais eu gostaria de mostrar a coleção e comecei a questionar o tempo em que isso deveria acontecer”, declara Lima. “Com a internet, a imagem começou a vencer muito rápido. Então, mostrar uma coleção pra tanta gente, com tanta antecedência faz com que a informação se perca. A minha vontade de olhar de fora veio pela necessidade de olhar o mercado, o consumo, conhecer o que as pessoas gostariam de consumir, como as estão consumindo agora.”
Além da circulação de informação rápida por meio da internet, o fenômeno fast fashion (em que a roupa tem design, mas é vendida a preços baixos) também mudou a forma de se consumir moda. “Com as redes sociais, blogs, tudo ficou muito mais dinâmico. E não acontece mais duas vezes por ano. O fast fashion causou este efeito. Antes se trocava de coleção duas vezes por ano. Hoje pequenas coleções são lançadas o tempo todo”, diz Cervone.
Borges acrescenta que o fast fashion nasceu quando as empresas entenderam que havia uma grande massa de consumidores que queria produtos sofisticados, mas que não podiam pagar. “Então, copiaram, mantiveram o shape e a imagem e entregaram muito mais barato.”A tendência foi ao encontro a outro fenômeno decisivo para o crescimento do varejo nos últimos anos: a nova classe média. “Com um trilhão de reais, a classe C seria membro do G20 se fosse um país. E esta classe média passou a ter acesso à moda”, diz Cervone.
Bertolini observa que o maior número de grandes marcas importantes de fast fashion é um grande desafio. “A concorrência internacional é bem mais concreta do que há 10 anos. O modelo de negócio que a Neon propõe agora é contemporâneo. Quem custeia a produção são nossos licenciados. Nós vamos entrar com o design, a direção criativa, com a divulgação do produto, usando o que temos de mais forte: nossa identidade, nosso estilo e força de marketing.”
Para Valdemar Iódice, presidente da Associação Brasileira de Estilistas(Abest), é exatamente o reforço do DNA da marca brasileira que define a força da moda nacional. “O cliente quer a moda nacional, mas quer que originalidade”, declara o também diretor da Iódice, grife que volta ao line up da SPFW em outubro.
De olho nas questões do setor, e em sua inclusão como produto cultural, a ministra Marta Suplicy informa que o Ministério da Cultura prepara um Plano Setorial que prevê ações para apoio a todos os elos da cadeia produtiva. “Vamos estabelecer parcerias para aumentar os recursos direcionados ao setor. O Plano Setorial é para o Brasil, não para o MinC.”
[Fonte: Estadão]
Varejo, Núcleo de Estudos do Varejo, Núcleo de Estudos e Negócios , Retail Lab