Há quase 20 anos, quando o e-commerce brasileiro iniciava, as lojas online elegeram o comércio físico como seu maior competidor. Para motivar clientes – pessoas físicas no canal online – era preciso criar reais benefícios e neutralizar desvantagens.

No lado da desvantagem, o frete era o principal fator. Para um país com dimensões continentais como o Brasil, uma infraestrutura logística aquém das necessidades – que não mudou muito desde então – o valor do frete é expressivo na composição do preço final para o consumidor do canal e-commerce.

Criou-se, então, a estratégia do “frete grátis”, a pretexto de que na venda online, outros custos relevantes da operação física, como estoque descentralizado, locação de imóveis, mão de obra, entre outros, não existiriam ou seriam menores, o que propicia condições de embutir o custo logístico, sacrificando uma margem potencialmente maior.

Assim, sobrou apenas a necessidade de oferecer benefícios exclusivos para as compras online comparados às compras físicas. Na época, a argumentação de conveniência e facilidade era considerada muito frágil (até porque, 20 anos atrás, talvez não fosse de fato, tão fácil). A estratégia adotada definiu um dos principais ofensores da viabilidade do varejo online até os dias de hoje: o parcelamento alongado, ou “12 vezes sem juros”. No varejo tradicional, não era comum ou mesmo permissível o parcelamento maior do que 4 ou 6 parcelas, então, ofertar esta opção no online caracterizaria uma real vantagem competitiva para o e-commerce.

O que era para ser um motivador inicial para estabilizar e fortalecer o segmento tornou-se oferta modal, requisito competitivo entre lojas online rivais. Não se parcelava em 12 vezes apenas itens de alto valor unitário, como TVs ou geladeiras, mas todas as vendas (“Todo o Site em 12 x”).

Pronto! Estavam estabelecidas as condições de pressão permanente nos caixas das lojas online, devido ao modelo de comprar e estocar bens, pagando aos fornecedores/fabricantes em 60 dias e recebendo dos consumidores em 12 parcelas. Mais grave ainda, o prazo de pagamento, contado a partir da entrada no estoque e o prazo de recebimento, contado a partir da venda. Supondo um prazo médio em estoque de um mês (normalmente este prazo é maior), a descompensação do fluxo de caixa se torna ainda mais dramática. Grandes operações do varejo online convivem com este stress de forma permanente, sendo este um dos fatores que determinam as margens negativas ou pequenas da maior parte destas operações no Brasil.

Passados 20 anos de história e aprendizado, o frete grátis passou a ser menos frequente, restando ainda, a reavaliação do parcelamento. Com isso, acredito que perspectivas de mudança em um futuro não tão distante podem ser identificadas. Esta modificação passará pelo encurtamento das parcelas e, principalmente, pela redução do custo da estocagem.

O relatório Webshoppers aponta que desde 2014 a oferta de frete grátis vem caindo, principalmente nos grandes varejistas online. No segundo semestre deste ano, 42% das compras online contaram com esta opção, mas nas 10 maiores lojas de e-commerce, este número chegou a 26%. O relatório também mostra queda no número de compras entre 4 a 12 parcelas, representando 33% no primeiro semestre deste ano, frente a 35,8% registrado na mesma época em 2015, confirmando a preferência do consumidor pelo pagamento à vista: 42% no primeiro semestre de 2016, contra 39,6% no mesmo período do ano anterior.

Supondo que a essência do valor de um varejista (online ou não) é saber vender, a gestão do estoque poderia deixar de ser core em sua operação, se considerarmos uma nova realidade na qual o varejista vende com estoque a partir do fabricante. Para isso, a gestão tecnológica da venda precisaria contemplar uma integração ampliada de plataformas do fluxo fabricante – distribuidor – vendedor – operador logístico, a fim de construir processos sem conflitos, com credibilidade e controle.

Integração é uma palavra-chave do universo tecnológico atual, e pode ser o principal desafio para esta “loja sem estoque”, neste sentido, parece coerente a conexão dos meios de pagamento com os fabricantes a fim de que estes possam gerenciar o estoque diretamente. Além de reduzir gastos, elimina a complexidade do processo. Da mesma maneira, a redução do número de parcelas nas compras pode tornar o negócio mais sustentável financeiramente. O benefício deste cenário é tão evidente pela diminuição relevante do custo que motiva a cadeia de valor associada às vendas a se aventurar por ele.

*Gastão Mattos, CEO da Braspag

(Por NoVarejo) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM