O americano Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon, comanda um império. A companhia, criada em 1994 na cidade de Seattle para vender livros pela internet, transformou-se na varejista online mais poderosa do mundo. Com mais de 56 000 funcionários e 170 milhões de clientes cadastrados, a empresa vende praticamente tudo — de computadores a lagostas vivas.
Em 2011, faturou 48 bilhões de dólares. Mas todo esse poder de fogo não vem ajudando a entrar em um mercado considerado chave: o Brasil. Pelo contrário, vem atrapalhando. Desde 2009, a Amazon negocia sua entrada em conversas com editoras e transportadoras. Em janeiro, contratou Mauro Widman, ex-executivo da Livraria Cultura, como seu primeiro funcionário de varejo online.
Foi no início de agosto que Bezos aumentou os esforços para lançar sua livraria digital no Brasil ainda neste ano. Ele despachou para o país uma comitiva de quatro executivos, entre eles um de seus vice-presidentes, Russ Grandinetti. Talvez nem eles tenham certeza da data de estreia da Amazon, mas seu interesse crescente faz com que varejistas e editoras se armem para enfrentar a avalanche.
O plano da Amazon é estrear com a livraria digital e, consequentemente, com o leitor Kindle. Por isso, os executivos começaram sua viagem por Brasília. Lá, visitaram os ministérios do Desenvolvimento, da Educação, da Fazenda e da Cultura, sob a orientação da consultoria BarralMJorge, que tem como sócio o ex-ministro Miguel Jorge.
A aproximação com o governo é importante porque, para lançar o Kindle a um preço competitivo — nos Estados Unidos ele é vendido por 80 dólares —, a Amazon precisará negociar algum tipo de incentivo fiscal. A varejista também quer incluir o Kindle na disputa das licitações para a compra de tablets para escolas públicas.
Depois de Brasília, o grupo se reuniu em São Paulo com pelo menos dez editoras e distribuidoras de livros. O plano é começar a importar o Kindle ainda neste ano. Mas a empresa analisa também produzir o aparelho no Brasil, em parceria com a taiwanesa Foxconn, que tem fábricas em São Paulo, em Minas Gerais e no Amazonas.
Briga com as editoras
O avanço só não é mais rápido porque a Amazon enfrenta uma negociação ferrenha com as editoras que detêm os direitos de publicação dos livros brasileiros em formato digital. A varejista americana exige descontos de 50% na compra dos livros e o direito de cobrar o quanto quiser por eles.
As editoras não topam. Hoje, grandes redes de livrarias, como Saraiva e Cultura, que compram 44% do total de livros impressos, recebem descontos médios de 35%. As editoras temem que a Amazon cobre preços muito baixos para conseguir ganhar terreno, e por isso querem estabelecer um desconto-limite.
Nos Estados Unidos, os descontos garantiram à Amazon 30% do mercado, mas levaram dezenas de livrarias à falência e arrasaram as margens de lucro das editoras. “Não queremos acordar amanhã reféns da Amazon”, diz o dono de uma das maiores editoras do país. “Eles não precisam estragar o mercado brasileiro para entrar aqui.”
Apesar da resistência, a Amazon fechou, no início de agosto, um acordo com a Xeriph, a maior distribuidora de livros digitais do país, dona do direito de distribuição de 75% dos cerca de 14 000 títulos disponíveis no mercado. O contrato vale para 180 pequenas e médias editoras, donas de 4 000 títulos — com as grandes, o impasse continua.
Nas negociações com as editoras, a Amazon é tida como intransigente: apesar de as conversas terem começado há três anos, a empresa de Bezos se mantém inflexível em pontos considerados chave pelos empresários locais, entre eles a obrigação de publicar o livro digital ao mesmo tempo que o livro de papel chega às livrarias.
Talvez o maior revés dessa lentidão toda, para os americanos, seja a abertura de um flanco que vem sendo explorado por alguns de seus arquirrivais no mercado de livros eletrônicos: a Apple e o Google. A Apple, por exemplo, concordou em vender livros eletrônicos pelo preço definido pelas editoras.
As negociações começaram em março e os contratos estão prestes a ser assinados. A canadense Kobo, que já vendeu 6 milhões de leitores digitais similares ao Kindle, está finalizando um acordo com a Livraria Cultura. Pelo contrato, os leitores digitais da Kobo serão vendidos pelas lojas da rede, que passará a disponibilizar em seu site os mais de 2,5 milhões de títulos da canadense.
Começar a operação por livros digitais é uma estratégia inédita para a Amazon. Desde 2007, quando o Kindle e a livraria digital foram lançados, a varejista estreou em países como Itália e Espanha — sempre com a venda de produtos como livros e brinquedos.
No Brasil, no entanto, foi preciso bolar um plano B após a empresa deparar com a barafunda de impostos e a dificuldade de montar uma estrutura de distribuição. “Eles viram que no Brasil tudo é muito mais caro e complicado do que imaginavam”, diz um executivo que trabalha para a Amazon.
Aprender a lidar com essas dificuldades é fundamental para os planos da Amazon. É na venda e distribuição de produtos “físicos” que a empresa enxerga suas maiores oportunidades no país. O mercado de livros digitais, afinal, faturou apenas 870 000 reais no ano passado, ou 0,02% da venda de livros no Brasil.
“É um mercado quase inexistente. A tendência é que cresça, mas lentamente”, diz Luiz Fernando Pedroso, diretor-geral da editora Ediouro. O comércio eletrônico brasileiro, por outro lado, já é um negócio de 19 bilhões de reais que deve chegar a 45 bilhões de reais em 2016, de acordo com a consultoria americana Forrester Research.
A Amazon já escolheu, segundo EXAME apurou, as empresas que farão o transporte e a armazenagem de seus produtos: Directlog e Luft Logistics, que têm como clientes Walmart, Fnac e Saraiva. Ambas se preparam para iniciar o serviço até junho de 2013. Sinal de que o pesadelo de livrarias e editoras brasileiras está perto de virar realidade. Apesar da torcida contra.
(Por Exame) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo