A Máquina de Vendas, dona da rede Ricardo Eletro e uma das maiores varejistas de eletroeletrônicos do país, negocia com bancos uma reestruturação de seus débitos que deve levar as instituições financeiras a terem o controle da empresa, apurou o Valor com fontes a par do assunto.
O plano desenhado pela Máquina prevê a criação de uma nova holding que deve assumir cerca de R$ 1,4 bilhão das dívidas devidas aos bancos Bradesco, Itaú e Santander. Essa holding controlaria a Ricardo Eletro, que reúne os negócios de varejo do grupo.
Com isso, segundo o plano em construção, os bancos passariam a ter controle indireto da varejista Ricardo Eletro, que ficaria “limpa” das dívidas, podendo retomar determinadas negociações com fornecedores. Há indústrias que restringiram contratos de fornecimento para a rede, considerando aumento do risco financeiro. Ricardo Eletro é a principal bandeira de varejo do grupo.
Com essa operação, deve permanecer na antiga holding apenas uma dívida menor, de R$ 203 milhões, segundo fonte.
O plano está em fase de negociação e pode ser fechado em dois a três meses, apurou a reportagem. É uma forma de impedir que a situação da varejista se deteriore mais rapidamente. Os bancos, caso as conversas evoluam, afastariam a hipótese de uma recuperação judicial, que seria o pior quadro possível para as instituições, segundo um executivo a par das tratativas. Procurada para comentar essas questões, a Máquina de Vendas preferiu não se manifestar.
O grupo varejista, cujos principais sócios são Ricardo Nunes (49,9% da atual holding MV Brasil) e Luiz Carlos Batista (com 51,1%), enfrenta uma crise financeira que se aprofundou com a recessão econômica, já em seu terceiro ano. Decisões estratégicas tomadas no último ano, e que não teriam trazido o resultado esperado – como, por exemplo, aumento de estoque que obrigou a um maior volume de ações promocionais – também tiveram impacto negativo sobre alguns indicadores.
Margens teriam sido afetadas pela política de preços mais agressivos neste ano. A Máquina não divulgou ao mercado o balanço referente a 2016, mas o Valor apurou que as vendas caíram mais de 10% em relação aos R$ 7 bilhões faturados em 2015. Um ano antes, haviam somado R$ 7,9 bilhões e em 2013, R$ 8,8 bilhões – o melhor resultado desde 2010.
A reportagem apurou que, em abril deste ano, a relação entre lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (ebitda, da sigla em inglês) e dívida líquida (ajustada) fechou em cerca seis vezes. A dívida líquida era de R$ 950 milhões em abril para um Ebitda de R$ 160 milhões.
Pelos cálculos do time interno da companhia, que trabalha nas conversas com os bancos, a reestruturação das dívidas levaria essa relação dívida/ebitda para zero.
Em relação às negociações com os bancos, houve duas fases recentes nesse processo. No fim de 2016, conforme publicou o Valor, a empresa renegociou um cronograma de pagamento de debêntures de R$ 874 milhões, emitidas em 2014, por meio de uma nova emissão de R$ 1,4 bilhão. O acordo liquidava a dívida de R$ 874 milhões e permitia a contratação de outros R$ 600 milhões para quitar débitos de contratos bilaterais com esses mesmos bancos.
É essa dívida, de R$ 1,4 bilhão, que deve sair de dentro da atual holding e ir para a nova holding. Paralelamente, há negociações envolvendo outras dívidas menores. Cerca de dois meses atrás, a Máquina ofereceu como garantia, numa renegociação de débitos de R$ 103 milhões com Bradesco, Itaú e Santander, um conjunto de ações de subsidiárias da atual holding. Esse valor de R$ 103 milhões corresponde a operações de Cédulas de Crédito Bancário (CCB) e cada banco responde por uma fatia – Bradesco com R$ 37,2 milhões; Itaú, R$ 36,5 milhões; e Santander, R$ 29,2 milhões.
Além disso, há uma outra negociação, de débito de R$ 100 milhões, relativo a um saldo de uma das série das debêntures emitidas em 2016. Essas duas dívidas menores, que somam R$ 203 milhões, permanecerão na antiga holding MV.
A Máquina também enfrenta pressão por parte dos sócios da rede Salfer, fundada nos anos 50 em Santa Catarina. A família Salfer vendeu o controle do negócio em 2012 e alega que a Máquina vem atrasando o pagamento das parcelas relativas a essa operação.
Em março, os Salfer – Rubens, Márcia, Cláudio e Clayton – entraram com ação na 11ª Vara Cível, no Foro Central, em São Paulo, solicitando execução de título no valor de quase R$ 14 milhões. A Justiça determinou que a Máquina de Vendas fizesse o pagamento. Segundo o processo, a quitação ainda não foi feita.
Há mais dois processos judiciais, relativos ao fim de 2016, solicitando o pagamento de pouco mais de R$ 6 milhões, somados, relacionados a parcelas de dívidas atrasadas da empresa para com a família Salfer.
A Salfer havia solicitado à Justiça que o processo relativo aos R$ 14 milhões fosse mantido em segredo, alegando que a “mencionada pessoa jurídica pública [Ricardo Eletro] possui forte exposição midiática”, e “pressupõe-se que a não tramitação da execução sob segredo de justiça acarretará em sérios riscos de constrangimentos desnecessários às partes”. Mas a Justiça negou o pedido. A Salfer tem 7% da Máquina de Vendas, que por sua vez controla a Ricardo Eletro. A varejista – que tem como concorrentes principais a Via Varejo e o Magazine Luiza – começou a tomar forma a partir de 2010, com a união das redes Ricardo Eletro, Insinuante, Salfer, City Lar e Eletroshopping.
Segundo apurou o Valor, a Máquina chegou a considerar no passado recente a hipótese de venda de algumas de suas redes como forma de reduzir seu endividamento. Quitando parte das dívidas bancárias dessa forma, não seria preciso renegociar com os bancos. Mas esse plano não avançou, considerando a piora do mercado de consumo e a redução do valor de ativos locais, após aprofundamento da crise política.
(Por Eletrolar.com) varejo, núcleo de varejo, retail lab