Originado em Nova Iorque, conceito de loja dentro de outro empreendimento cresce no mercado gaúcho

Quem circula pelo comércio em Porto Alegre já deve ter percebido a quantidade, cada vez maior, de estabelecimentos que concedem espaços para outras marcas, gerando pontos de vendas, só que de produtos distintos, dentro de suas unidades. O conceito store in store, ou loja dentro de loja, já tem sido bastante utilizado em supermercados, academias, livrarias e postos de combustíveis que agregam cafeterias, tabacarias, chaveiros, lavanderias, lotéricas, entre outros. Agora, a cidade também vê varejistas de outros segmentos investindo neste modelo de negócios, que traz vantagens como corte de custos, conforto e mais opções para o consumidor, além de alavancagem de vendas em até 30% e maior visibilidade das marcas.

Comum nos Estados Unidos, principalmente em Nova Iorque, onde grandes marcas costumam implementar lojas itinerantes dentro de suas unidades, o store in store chegou ao ramo moveleiro do Sul do Brasil, mas não sem antes ganhar espaço em outros setores.

“Estar em uma loja dentro de outra loja dá uma vontadezinha de se espichar nas compras”, admite a empresária Raquel Ferrari, 29 anos. Grávida de sete meses, no final do mês de julho ela esteve na Mundo dos Sonhos Carmen Flores, uma franquia da rede que funciona dentro do complexo Carmen Flores, em Porto Alegre. Ao lado do marido, o também empresário José Arli Flor, 47 anos, Raquel saiu com o intuito de comprar o quarto da filha que está por vir. “Mas já estou namorando uma sala de jantar que avistei na loja principal”, afirma, ressaltando que é muito confortável e conveniente encontrar uma loja dentro de outra. “Somente em uma passada já tive novas ideias para redecorar a casa”, conta a gestante.

A estratégia é justamente essa. “Chama público e mantém o cliente mais tempo dentro da loja”, diz a empresária Carmen Flores, que também inseriu outras três franquias no espaço, além de um salão de beleza e uma cafeteria. “Queremos que nosso consumidor tenha tudo em um só lugar, assim ele não precisa sair da loja para comprar outro produto voltado para a casa, ou até mesmo para tomar um café.” A iniciativa é recente, explica a empresária. “Além da Mundo dos Sonhos, de móveis e roupas infantis, funcionam no complexo marcas distintas de colchões, tapeçarias e salas de jantar.” Segundo Carmen, a clientela que vai ao local em busca de móveis planejados se encanta ao encontrar setores diferentes e mais opções de compra. “Nos seis meses de implementação deste modelo, já obtivemos aumento de 20% em vendas, graças ao compartilhamento do espaço com os outros lojistas.”

A proprietária da Mundo dos Sonhos, Bel Inácio – que tem outra unidade na avenida Nilo Peçanha, e em breve irá inaugurar um ponto no Shopping Total -, observa que os gastos são praticamente os mesmos que os de uma loja de rua: “Pagamos o uso da marca principal”, explica. Mas ela admite que o retorno é maior. “A grande vantagem de trabalhar dentro da Carmen Flores é que este nome agrega valor aos nossos produtos. Depois que nos instalamos no complexo, nossa marca ganhou visibilidade e cresceu três vezes no faturamento.”

O fato é que, apesar de pagarem aluguel a preço de mercado, os lojistas do complexo Carmen Flores compartilham água, luz e outros custos fixos. “Fica mais flexível”, diz Jaqueline Braga, sócia-proprietária da marca Ambientes de Jantar Carmen Flores. Antiga funcionária da rede, ela garante estar feliz com o resultado que a franquia tem apresentado desde que passou a funcionar no prédio do complexo. “A expectativa é grande. Queremos aumentar nosso faturamento em 50%, no mínimo, até o final do ano”, afirma o sócio de Jaqueline, Silvio Lopes. “Carmen Flores é uma marca muito forte, que ajuda bastante a difundir nosso trabalho”, completa Lopes.

Parceiros se beneficiam do aumento do fluxo de pessoas

Apontado como tendência para diminuir gastos fixos, em tempos de expansão das cidades e encarecimento dos custos de locação comercial, o store in store ainda eleva o fluxo dos consumidores para ambas as lojas parceiras. Mas, para adotar este modelo de negócio, o ideal é que o acordo seja feito entre empreendimentos complementares, sugerem especialistas.

“Os comerciantes também devem atentar para as oportunidades que a loja parceira pode agregar e verificar se o espaço cedido fará diferença”, diz o professor especialista em varejo da ESPM Gildo Sibemberg. “Eu acredito bastante na parceria de grandes marcas com lojas desconhecidas do grande público e sem capital e know-how para ter seu próprio espaço. A marca menor ganha com o fluxo da loja principal, e, em contrapartida, a maior oferece mais uma alternativa aos seus clientes.”

“Esta simbiose, de aproveitar um público que já está em um local, pode dar muito certo e render boas vendas, principalmente para empresas novas no mercado”, concorda o diretor da Associação Brasileira de Francinsing (ABF/RS), Gustavo Schifino. Ele destaca que existem muitos modelos de negócios de franquias neste formato, principalmente no ramo de alimentação, que se enquadra bem dentro de outros conceitos do varejo.

“Ao escolher este modelo, é preciso analisar trafegabilidade, quantidade e perfil de público, mas também cabe avaliar o perfil da empresa parceira, para verificar se convergem os interesses de ambas”, ensina.

Supermercadistas agregam marcas para fidelizar clientes

Se os pequenos empreendimentos ganham com a parceria proposta pelo modelo store in store, as grandes redes varejistas também têm suas vendas dilatadas e lucram com maior visibilidade para suas marcas. “A ideia é oferecer ao consumidor um ambiente agradável de compras, onde ele encontre tudo o que procura em um só lugar”, diz o coordenador de negócios do hipermercado Big, Vinicius Pereira Baur. “Sempre buscamos parceiros, e isto ajuda na visibilidade de ambas as marcas.” Prova disso é o investimento que está sendo feito no Big Sertório, em Porto Alegre, frisa o executivo. A galeria de lojas do estabelecimento está passando por uma reforma, na qual a rede ampliará o mix com mais oito lojas novas, além das 18 existentes, entre lavanderias, revistarias e casas lotéricas. Baur diz que a estratégia busca agregar novos serviços, complementares ao que o cliente já encontra no hipermercado. “Isso gera frequência e aumenta a chance de fidelizar o consumidor.” Ele destaca que é importante avaliar a sinergia entre as lojas agregadas à marca, para garantir o fluxo de clientes.

Entre os comerciantes instalados no Big Sertório, Paulo César Ferreira, proprietário da Tabacaria Ponto 30, diz que, além de aproveitar a circulação de pessoas que compram no Big, uma grande vantagem de ter um ponto dentro do empreendimento é a segurança. “Outro ganho é que também fidelizamos parte da clientela que vem diariamente ao hipermercado.” Ferreira chama atenção a um dos aspectos que deve ser observado por quem trabalha em uma loja dentro de outra loja: “É preciso manter uma postura condizente com a da marca principal, uma vez que se representa uma bandeira cujo nome está em evidência no mercado.”

A rede Zaffari de supermercados também agrega comércios distintos em seus estabelecimentos, entre eles outra marca conhecida pelos gaúchos, a Panvel Farmácias, que está presente em diversas lojas do Zaffari. Apostando na estratégia de conveniência, a Panvel abriu um total de 21 lojas em supermercados e 30 em postos de gasolina em toda a região Sul do País, tornando-se presente em locais de grande fluxo de pessoas de todas as faixas etárias e perfis. Segundo a gerente de marketing, Maria Eduarda Bastos, a proposta é possibilitar que os consumidores, com cada vez menos tempo, consigam estar em dois lugares ao mesmo tempo, podendo aproveitar a ocasião para comprar.

O exemplo já consolidado das lojas de conveniências funcionando em postos de gasolina serviu para que a CVC Turismo desse mais um passo em busca de inovação nos espaços em que atua. Em 2010, algumas unidades da agência de viagens foram implementadas em postos de combustíveis de São Paulo, e, segundo a assessoria de imprensa da CVC, já há uma movimentação para a companhia expandir este modelo para outras capitais.

Visando à classe média, trabalhadora, que não tem como buscar turismo em horário comercial, a CVC vem diversificando o canal de distribuição desde os anos 2000, quando começou a entrar em supermercados e hipermercados. O próximo passo é que as lojas situadas nestes estabelecimentos ganhem espaços para estacionamento de carrinhos de compras, para que os clientes que saem dos supermercados possam comprar pacotes turísticos com mais conforto. A modificação deve acontecer em breve.

Precursores implementam mais de uma unidade com o novo conceito na Capital

Aproveitar o espaço e reduzir os custos fixos são os principais motivos que estão levando empreendedores do varejo a escolherem o store in store como modelo de negócio. A prática de colocar uma loja dentro de outra cresce no Estado, atraindo, principalmente, franquias do setor alimentício. Um dos precursores foi o Café do Porto, que há seis anos implementou uma loja em parceria com a Unimed, na rua Olavo Barreto Viana. Hoje a empresa já tem quatro unidades funcionando neste modelo, sendo que uma está dentro da sede da Unimed na rua Venâncio Aires e outras duas estão inseridas nas unidades da Livraria Saraiva localizadas no BarraShoppingSul e no Shopping Praia de Belas. Segundo Ana Cláudia Bestetti, proprietária do Café do Porto, a iniciativa partiu da Unimed, em 2004, que propôs a parceria, com o propósito de oferecer um diferencial aos pacientes do Centro de Diagnósticos da operadora. “É ótimo estar dentro de uma empresa com nome forte no mercado; isso nos deu mais consistência nos negócios”, afirma.

Além dos pacientes e acompanhantes do Centro de Diagnósticos Unimed, o Café do Porto atende também ao público do entorno. “Em determinados dias, algumas pessoas entram ali só para tomar um café”, destaca Ana. O mesmo acontece com as lojas da Saraiva. “Isso acaba atraindo mais público para a livraria, pois muita gente gosta de sentar no café para ler as orelhas dos livros antes de comprar”, observa a empresária. Ana diz que os preços das locações, em geral, são parcialmente subsidiados pela contrapartida de a empresa agregar valor à operação da loja maior, levando conforto e um atrativo a mais para os clientes.
“No modelo store in store, o valor de locação sempre fica abaixo do mercado, porque a porta do negócio menor não está de frente para a rua. Além disso, nosso atendimento está atrelado ao movimento das lojas principais.” A empresária garante que a parceria trouxe bons frutos para a empresa, e adianta, ainda, que já estuda a possibilidade de inserir mais uma unidade do Café do Porto dentro de um estabelecimento de varejo em Porto Alegre.

Jornal do Comércio – RS – 08/08/2011