A despeito da crise econômica que tem sangrado o setor varejista, aRenner vai muito bem, obrigada.

No acumulado dos últimos 12 meses até junho, o nicho de tecidos, vestuário e calçados, apresentou uma retração de 11,3% nas vendas, segundo o IBGE.

Mesmo assim, o desempenho da empresa é consistente e, nos últimos cinco anos, supera com folga o de concorrentes diretas em diversos indicadores.

No período, ainda que não tenha acompanhado o forte avanço da receita, de 112,49% , seu lucro cresceu bastante (72,22%).

A rival Hering também conseguiu resultados positivos nos dois quesitos, mas em um ritmo bem menor. Seu faturamento subiu 30,45% e os ganhos, 1,46%.

Já Marisa e Riachuelo sacrificaram margens para vender mais. Enquanto a primeira teve um salto de 29,70% no faturamento e uma queda de 119,51% nos lucros, a segunda viu uma expansão de 104,16% na receita, mas um recuo de 38,39% no lucro.

Os números foram compilados pelo professor Marcos Piellusch, coordenador de cursos da FIA (Fundação Instituto de Administração), a pedido de EXAME.com.

O levantamento considera dados anualizados reportados pelas companhias desde junho de 2011 até o mesmo mês deste ano. (Veja detalhes no infográfico ao fim do texto).

A C&A não entra na comparação porque não tem capital aberto no Brasil e, portanto, não divulga balanços.

Segredo do sucesso

Agilidade é a palavra-chave para explicar por que a Renner é hoje a maior varejista de moda do país.

Segundo dados da Euromonitor, com crescimento de 5% de participação de mercado nas vendas em 2015, ela ultrapassou a C&A. Guararapes, Marisa, Inditex (dona da Zara) e Hering vêm na sequência.

“O varejo de moda é um segmento que sofre muito com a crise, mas a Renner está ganhando participação de mercado porque entrega o produto que o consumidor quer e tem mercadoria nova com boa frequência”, resume o analista João Mamede, do Santander.

Essa eficiência foi conquistada com projetos implementados há cerca de três anos para desenvolver fornecedores e modernizar a logística.

Hoje, a companhia já tem dois centros de distribuição que atuam sob um sistema conhecido como push-pull, que automaticamente identifica os produtos que faltam nos estoques das lojas e ordena sua reposição.

O resultado é o que especialistas do setor chamam de “assertividade na coleção”: as vendas crescem e com margens maiores, porque a necessidade de liquidar itens encalhados diminui.

A empresa também tem 12 engenheiros dedicados a auxiliar os fabricantes de suas roupas na gestão e ainda os ajuda a conseguir financiamento para crescer, por meio do repasse de créditos contratados do BNDES.

Assim, os parceiros ficam mais preparados para atender a novos pedidos com rapidez.

“O relacionamento da Renner com fornecedores é muito acima da média. Não tem ninguém no Brasil fazendo isso como eles”, diz Mamede.

Outro ponto que merece destaque é o trabalho de marketing e diferenciação de produtos, destaca o analista.

Nos anos 90, o comando de José Galló salvou a Renner ao transformá-la de uma loja de departamento que vendia de tudo, em uma varejista de roupas, aos moldes da C&A. Agora, ele dá protagonismo à empresa ao convertê-la em uma vendedora de moda, como a Zara.

Uma pesquisa feita pelo banco UBS no fim do ano passado junto a 500 consumidores mostrou que a Renner, ao lado da C&A, tem a preferência dos clientes em fatores como organização das lojas, bom custo-benefício, variedade de mercadorias, ambiente convidativo e pagamento parcelado.

No quesito preços e promoções, porém, ela perde feio para Marisa e lojas de bairro.

A companhia também desponta em relação à concorrência no conservadorismo para conceder crédito. Ao contrário de outras redes, ela não usa o cartão próprio como um chamariz para vender, mas sim como um serviço complementar.

“A Renner é um exemplo nesse sentido e consegue controlar eventuais pioras de inadimplência muito mais rápido do que qualquer outra”, diz Mamede, do Santander.

No último trimestre, por exemplo, a Riachuelo teve seu balanço prejudicado pelos calotes tomados no segmento financeiro.

“A Renner sabe que ser conservador desacelera o crescimento quando a economia vai bem, mas também não prejudica o resultado na crise”, reforça Gustavo Oliveira, analista do UBS.

Roupa certa

A eficiência da varejista gaúcha também é visível em sua margem Ebitda.

O indicador, que mede o potencial de geração de caixa da empresa em relação à receita, se mantém em torno de 19% desde o começo de 2014, com exceção do segundo e terceiro trimestres de 2015, quando ficou um pouco acima. Há cinco anos, ele estava por volta dos 17%.

As outras concorrentes, Hering, Marisa e Guararapes, viram a margem cair no período.

Já quanto à capacidade de transformar a receita em lucro, a Renner perde para a Hering.

Em junho, a margem líquida anualizada da confecção catarinense foi de 17,5%, contra 9,29% na Renner. Nos últimos 12 meses, ambas mantiveram o indicador estável.

As outras pares apresentaram queda intensa no período. A Marisa, inclusive, tem margem negativa, porque vem acumulando prejuízos.

O desempenho excepcional da Hering nesse quesito é justificado por seu modelo de negócios, que difere das demais.

A empresa trabalha com o conceito “asset light”, ou seja, tem poucos ativos fixos e, portanto, demanda menores investimentos (e consequentemente, depende menos do capital de terceiros).

Ao contrário das concorrentes, a Hering tem poucas lojas próprias e trabalha bastante com franqueadas. Não por acaso, sua dívida líquida é “negativa”, o que indica que ela não tem despesa financeira, somente o caixa aplicado.

Já a Renner, em função da abertura de lojas e investimentos na operação, tem se alavancado nos últimos anos. Sua relação dívida líquida Ebitda, que era de 0,55 em junho de 2011, agora está em 1,05.

“Essa alavancagem ainda é saudável. Indica que ela tem capacidade de pagar o passivo financeiro em pouco mais de um ano, já que a dívida é pouco pesada em relação à geração de caixa”, avalia o professor Marcos Piellusch, da FIA.

Apesar do aumento dos encargos, ela segue menos endividada que a Marisa (2,06) e a Guararapes (1,53) – no caso desta, a alavancagem naturalmente é mais pesada, porque ela também atua na manufatura.

“Enquanto a Renner se baseia em fornecedores, a Riachuelo produz 60% do que ela vende”, explica Mamede.

Depender de endividamento não é um sinal negativo, desde que haja controle, lembra o analista do Santander. Com mais capital de terceiros e menos capital próprio, a Renner consegue trazer maior rentabilidade para seus acionistas.

Seu ROE (lucro líquido sobre patrimônio líquido) estava em 25,59% em junho. Hering, Guararapes e Marisa registravam retornos de 23,11%, 7,11% e -4,28%.

Nos últimos cinco anos, porém, o indicador vem diminuindo para todas as empresas analisadas.

O que falta

Apesar do bom posicionamento geral, a Renner ainda está atrás do mercado em alguns conceitos. Sua marca, por exemplo, não é tão forte quanto outras.

“Ainda há muito espaço para conquistar. A C&A, mesmo tendo problemas e fechado lojas nos últimos anos, tem uma marca mais reconhecida”, comenta Oliveira, do UBS.

Nas estratégias digitais e vendas pela internet, ela também perde para a rival, avalia Marcos Gouvêa de Souza, sócio da consultoria de varejo GS&MD.

“Todos os concorrentes, com exceção da C&A, estão atrasados nesse ponto. O crescimento do e-commerce é muito mais rápido do que outros canais de varejo”, afirma.

Gouvêa ressalta que a atuação no digital envolve não só o comércio eletrônico, mas também promoções em mídias online e monitoramento de consumidores.

E a Renner teria demoroado muito para explorar os formatos de lojas especialistas – como a Camicado, de itens para casa, adquirida em 2009, e a Youcom, marca jovem que era vendida na Renner e se tornou independente.

“É um preciosismo estratégico, eles se concentraram em consolidar o negócio maior”, afirma.

Entretanto, são esses novos formatos que darão fôlego para que a Renner continue a crescer, apostam os analistas.

Hoje, existem 284 lojas da Renner, 72 da Camicado e 52 da Youcom. Até 2021, a companhia espera elevar esses números para 450, 125 Camicado e 300, respectivamente.

“Além disso, ela anunciou que vai testar o mercado no Uruguai (com dois pontos de venda anunciados para até o ano que vem) e, se der certo, pode ir para outros países da América Latina, como Chile ou Argentina”, comenta Mamede.

Os investidores parecem acreditar na continuidade da trajetória ascendente da Renner, pelo menos no curto prazo. Seu índice preço sobre lucro por ação cresceu nos últimos cinco anos e ficou em 26,25 em junho, bem acima da segunda colocada, a Guararapes, com 14,74.

Já no indicador que mede o valor total da empresa em relação à sua capacidade de geração de caixa, todas as companhias analisadas apresentaram redução. A Hering, porém, sofreu queda mais acentuada.

“O bom desempenho nos resultados, o endividamento controlado em níveis de baixo risco e a excelente rentabilidade para os acionistas explicam os múltiplos elevados”, comenta Piellusch, da FIA.

Efeito Galló

Parte da história de sucesso da Renner também tem nome e sobrenome: José Galló.

Há quase 25 anos na rede, o executivo é reconhecido por administrar a companhia, cuidando até até dos mínimos detalhes.

“Sua liderança é inconteste. Ele é um dos melhores, se não o melhor executivo do varejo”, destaca o Santander.

No começo do ano, a empresa anunciou a extensão de seu contrato como presidente para 2019, quando terá 67 anos. A dúvida que ronda o mercado é: a Renner continuará sendo a Renner sem ele?

Os especialistas ouvidos por EXAME.com acreditam que sua “aposentadoria” trará uma volatilidade inevitável, mas sem grandes preocupações.

“Galló deve seguir no conselho de administração e, além disso, um de seus principais atributos é instalar uma cultura e desenvolver pessoas”, analisa Gouvêa de Souza. “Executivos com o nível de formação para tocar a Renner contam-se nos dedos de uma mão e o próximo CEO deve vir de dentro da empresa”.

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(Por Exame) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM