Estão em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) dois processos que discutem a abusividade da “cláusula de raio” em contratos de shoppings centers: um deles analisa a legalidade de contratos firmados em Porto Alegre/RS, referentes a 12 shoppings localizados na cidade (PA nº08012.012740/2007-46), já o segundo envolve o North Shopping Fortaleza (PA nº 08700.004938/2014-27).

A cláusula de raio, em suma, determina uma proibição ao lojista de shopping de comercializar seus produtos em uma determinada área próxima ao shopping. Inicialmente, pontua-se que se trata de uma disposição contratual legal, já que pode ser um útil instrumento de defesa dos interesses do shopping, pois sela uma contrapartida dada pelo lojista em razão dos claros benefícios que gozará ao expor sua marca e comercializar seus produtos em um grande centro de comércio. Todavia, isso não significa que a cláusula não possua limites, os quais devem ser analisados caso a caso e estabelecidos da forma menos danosa possível ao lojista, com a devida proteção à livre concorrência e exercício da atividade econômica.

A análise da questão pelo CADE vem em bom momento, visto que os resultados dessa disposição contratual geram efeitos diretos à livre concorrência e, por conseguinte, ao consumidor. Diante disso, mediante os processos administrativos a seguir descritos, o Conselho visa fixar quais os critérios para avaliação da legalidade de uma cláusula de raio, o que deve servir de orientação ao mercado varejista de shopping.

No caso de Porto Alegre, o Conselheiro Relator Márcio de Oliveira Júnior se manifestou contrariamente ao teor das cláusulas de raio impostas pelos shoppings, aplicando multa às administradoras contratantes e determinando a exclusão das cláusulas dos contratos. Para fundamentar seu posicionamento, o Relator analisou caso a caso de acordo com condições já fixadas pelo Conselho em casos precedentes, como: (a) a obrigação da exclusividade deve ser estabelecida com o objetivo de garantir a perpetuação e saúde do negócio; (b) a previsão contratual deve ser imprescindível para a proteção direta ou indireta de uma clientela e de um fundo de comércio, da forma menos gravosa possível à atividade econômica do lojista; e (c) prévia determinação temporal (período de vigência limitado) e material/espacial (zona territorial limitada em que vigorará a exclusividade, calculado de acordo com a localização do shopping).

Vale destacar o teor do voto expedido pela Conselheira Cristiane Alkmin, que seguiu o relator na aplicação na condenação dos shoppings e aplicação das penas, porém com fundamentação de mérito distinta. A Conselheira entende que o lojista abre uma loja em shopping e se dispõe a arcar com os elevados custos pois “vê valor em estar dentro do shopping”, e destaca, ainda, que parece não se interessante ao lojista desviar sua demanda a uma loja fora do shopping considerando os vários condicionantes ao sucesso de seu negócio. A Conselheira esclarece seu entendimento:

“Além disso, como os preços de lojas de mesma marca costumam ser iguais (dentro ou fora do shopping), por que o consumidor preferiria não ir ao shopping? Mesmo que houvesse desconto para as lojas fora do shopping (porque os custos são supostamente menores), quem garante que o consumidor de shopping é elástico o suficiente ao ponto de deixar de ir ao shopping para se direcionar para sua loja específica de rua? Quem garante que o consumidor não prefira estar em um shopping, seja pela segurança que este oferece (no caso de cidades como a do Rio de Janeiro, em que este é certamente um fator a ser considerado), seja para abrigar-se do frio (no caso de cidades no Sul do país) ou do calor (no caso de cidades no Norte/Nordeste do país) ou seja porque o shopping lhe dá diversidade para a sua compra?”

Enfim, a Conselheira conclui que é incabível presumir que há um perigo de desvio de clientela por parte do lojista, pois parece que seus interesses estão alinhados aos do shopping no que tange ao atendimento de toda a demanda independente de sua localização. Porém, entendeu que as relações entre o lojista e shopping não devem sofrer intervenção do Estado se não em função de abuso de poder, cabendo a estes avençarem independentemente suas condições para mitigação de riscos particulares.

O julgamento do processo administrativo foi suspenso em razão de pedido de vista pelo conselheiro João Paulo de Resende.

No segundo caso, em Fortaleza/CE, os entendimentos dos conselheiros estão em compasso com aqueles expostos naquele Processo Administrativo em trâmite em Porto Alegre. Nesse processo, o CADE homologou proposta de Termo de Compromisso de Cessação em que ficou acordado o pagamento, pelo North Shopping Fortaleza, do montante de R$ 462.305,22 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos em parcela única, além de aditamento dos contratos em vigor, substituindo a previsão da proibição de abertura de novas lojas de 5.000 metros para 2.000 metros.

As penalidades acima foram avençadas uma vez que o conselheiro relator, Paulo Burnier da Silveira, entendeu que o Shopping dispunha de cláusulas de raio abusivas a seu favor, de acordo com as mesmas métricas utilizadas no caso de Porto Alegre: material, espacial e temporal. Espacial pois o Shopping definiu o raio de 5 quilômetros de alcance, o que seria economicamente lesivo ao lojistas uma vez que está localizados na região norte de Fortaleza, a região com maior densidade populacional da cidade; Temporal pois o shopping estipulou o prazo de 10 anos de vigência à cláusula, algo fora da realidade do mercado e dos precedentes jurisprudenciais do CADE; e, por fim, Material pois permanecem proibidas quaisquer outras lojas, sem qualquer limitação específica à marca do lojista, mesmo que esta mire um público diversificado daquele alvo do shopping.

O Conselheiro, por fim, determinou a suspensão do processo para cumprimento das obrigações impostas ao Shopping.

(Por O Negócio do Varejo – Guilherme Novi) varejo, retail lab, ESPM, núcleo de varejo