Em um grande mudança no comércio on-line, a Amazon vem discretamente mudando a maneira pelo qual convence as pessoas a comprar.

A companhia de varejo on-line construiu sua reputação e atingiu faturamento anual de US$ 100 bilhões ao oferecer descontos. A primeira coisa que o potencial comprador via era uma oferta: o quanto o preço da empresa ficava abaixo do preço regular do produto.

Agora, em muitos casos, a Amazon abandonou a menção a qualquer preço de tabela. Ela só oferece um preço. O comprador pode pegar ou largar.

A nova abordagem surge em um momento no qual descontos, no comércio on-line e offline igualmente, se tornaram alvo de dezenas de processos de consumidores, por serem muito menos generosos do que parecem. Também está surgindo em um momento no qual a Amazon está no meio de um ambicioso plano plurianual para se transformar, de loja que vende um produto de cada vez, em um ecossistema completo. A Amazon quer estar tão inserida na vida do cliente que as compras aconteçam de maneira tão natural quanto respirar —e quase com a mesma frequência.

“Quando a Amazon começou, 21 anos atrás, a estratégia era sofrer prejuízo em cada venda mas compensar no volume”, disse Larry Compeau, professor de estudos do consumo na Universidade Clarkson. “Ela estava criando uma base para o futuro, e o futuro chegou. A Amazon não precisa mais seduzir os compradores com ofertas porque eles comprarão de qualquer jeito”.

Ou é isso que a Amazon espera. As lojas digitais seguem a máxima de Alec Baldwin no filme “O Sucesso a Qualquer Preço”: o importante é fechar negócios. O grupo de varejo vem experimentando com outro método de fechar uma transação: informa ao potencial comprador que preço o produto tinha no site no passado.

Por exemplo, a Amazon originalmente promovia o Rave Turbo Chute em oferta com 36% de desconto. Depois, a menção a desconto foi abandonada e o escorregador para piscina com 20 metros de comprimento passou a ter preço de referência de US$ 1.573,58, com uma explicação de que o preço anterior era de US$ 1.573,59 —diferença de um centavo de dólar. Em seguida, a empresa abandonou a comparação entre o preço novo e o antigo. Mais tarde, quando baixou o preço para US$ 1.523,01, ela recolocou o preço de comparação no site.

“Eles ainda precisam colocar em destaque as promoções, mas a questão é como”, disse Michael Kovarick, que comanda uma start-up de comparação de preços chamada Rout.

É por isso que as lojas amam grandes descontos: eles funcionam. Em estudos realizados por Compeau e outros pesquisadores, a percepção de uma pechincha é que muitas vezes garante que uma compra aconteça.

“Fomos condicionados a comprar apenas quando as coisas estão em promoção”, disse Bonnie Patten, diretora executiva do TruthInAdvertising.org, um site que oferece informações aos consumidores. “Como resultado, o que muitos grupos de varejo fizeram foi garantir que tudo esteja sempre em promoção. O que equivale a dizer que nada está em promoção”.

A Amazon tanto se beneficiou desse condicionamento como o encorajou, o que provavelmente explica sua cautela em promover mudanças. Ela começou a eliminar os preços de tabela cerca de dois meses atrás, dizem especialistas em preços, tanto nos produtos que ela mesma vende quanto nos vendidos em seu site por outros comerciantes. A companhia não respondeu a múltiplos pedidos de comentários.

“Nossos dados sugerem que os preços de tabela estão sendo eliminados”, disse Guru Hariharan, presidente-executivo da Boomerang Commerce, uma companhia de análise de dados de varejo. No começo do trimestre, ele compilou para o “New York Times” uma lista de 100 produtos para animais de estimação que a Amazon dizia estar vendendo com desconto ante os preços de tabela. Hoje, apenas metade deles continuam afirmando a mesma coisa.

“A Amazon é uma companhia que funciona com base nos dados que obtém, e para qual existem poucas vacas sagradas”, disse Hariharan. “No mínimo, ela está conduzindo um teste em toda a loja sobre uma possível mudança em sua estratégia de preços”.

No caso da maioria dos produtos vendidos pela Amazon, a apresentação de uma oferta costumava ser o destaque. Um exemplo é a cafeteira Breville Infuser Espresso Machine. Poucos meses atrás, a Amazon informava que se tratava de uma máquina de US$ 800 que ela vendia por US$ 500, um desconto de 38%.

Dois artigos do “New York Times” publicados alguns meses atrás sobre os preços de tabela do varejo on-line tomaram por base uma lista montada aleatoriamente de 47 produtos —para a casa, de lazer e outros – vendidos com descontos pela Amazon, entre os quais a cafeteira Breville.

No final de semana do 4 de julho [feriado nos Estados Unidos], o preço de tabela para 39 desses produtos não estava mais sendo divulgado no site. A página da Breville Infuser, por exemplo, informava simplesmente seu preço para compra naquele momento, que era de US$ 483. Dezenove das páginas de produtos tentavam encorajar compra apontando que o preço do produto costumava ser mais alto antigamente na Amazon, ainda que sem referência de data.

O problema com os preços de tabela, ou, como são às vezes chamados, preços sugeridos pelo fabricante, é que eles costumam ser mais um conceito de marketing do que valores que alguém de fato cobra. Quando a Amazon dizia que o preço de tabela da Breville Infuser era de US$ 800, a Breville mesma vendia a máquina por US$ 500, praticamente o mesmo preço da Amazon. Outros grupos de varejo também a vendem por US$ 500. A Breville confirmou que o preço era de US$ 500.

Ofertas que não são verdadeiras ofertas, on-line e offline, vêm causando ações judiciais, muitas das quais nos termos de uma dura lei da Califórnia contra a propaganda enganosa. Novos casos foram abertos nos últimos meses, contra a Macy’s, J. Crew, Gymboree, Ann Taylor, Ralph Lauren e o site Wines ‘Til Sold Out, de acordo com o TruthInAdvertising.org. No primeiro semestre de 2016, 24 desses processos foram abertos, quase o mesmo total que os 25 de 2015 como um todo.

Pelo menos 10 deles foram encerrados por acordo extrajudicial. Em abril, um juiz de Los Angeles pré-aprovou uma oferta de US$ 6 milhões da Kohl’s Department Store para encerrar um projeto. Isso veio depois de um acordo preliminar de US$ 50 milhões assinado pelas lojas J. C. Penney.

(Por Folha de S.Paulo)