Pode não parecer, especialmente para o consumidor que raramente vê alguma loja por aí, mas o fato é que o Atacadão é hoje a maior rede de comércio em operação no país – supera, inclusive, tradicionais líderes em seu setores como Casas Bahia e Lojas Americanas. O negócio de atacarejo do Carrefour, com 125 lojas, vende quase o mesmo do que o grupo Walmart no Brasil e tem duas vezes e meia a receita anual do Magazine Luiza.

Segundo o Valor apurou, o Atacadão fechou 2015 com receita bruta de cerca de R$ 26 bilhões – pouco mais de 60% das vendas do grupo Carrefour no país. Com base no ritmo de vendas e inaugurações, a participação deve chegar a 63% neste ano.

Ainda de acordo com fontes do setor, pouco mais de 80% do lucro líquido da operação do grupo francês no país (excluindo o banco Carrefour) já vem do Atacadão. Essas pessoas contam que, entre 2011 e 2015, a receita bruta da rede de atacarejo, que vende para empresas e também para o consumidor, subiu quase 118%, equivalente a média anual de 23%. A empresa não confirma os números.

É uma expansão que vem antes da atual crise. Não dá, portanto, para colocar tudo na conta da recessão – que desde o ano passado fez consumidores correrem para lojas de atacarejo, com preços até 20% menores do que os praticados em supermercados. A crise ajuda, mas nos últimos 15 anos, período de estabilização e inflação anual média de 7%, a rede nunca se expandiu abaixo de dois dígitos. “É um dos negócios em que mais funciona o conceito de escala, com custos fixos controlados que atendem amplas áreas e vendem alto volume”, diz José Roberto Müssnich, presidente do Atacadão. Ele não abre números da operação.

Segundo consultores e executivos, o Atacadão vende muito porque montou um modelo abastecedor que se favorece não só de crises, mas dos gargalos logísticos do país. A indústria tem dificuldades para chegar a certas regiões do Norte e Nordeste e o atacarejo ocupa esse espaço – em Manaus, por exemplo, o Atacadão tem três lojas. Além disso, a rede atende o pequeno varejista (padarias, mercearias, bares) que viveram o “boom” do consumo até 2014. Vende para a parcela formal e informal do setor – como o dono de um comércio que compra como se fosse pessoa física e não pede nota, algo que, segundo economistas, cresceu após a recessão.

Mas o fato é que esse ambiente é componente positivo comum a todas as redes (como Assaí, Tenda e Roldão), mas o Atacadão se descolou do restante por um conjunto de ações estratégicas que funcionaram. O controlador Carrefour começou a expandir a rede mais rapidamente e antes dos concorrentes. Colocou mais dinheiro no negócio nos anos após a compra (anunciada em 2007) e o manteve independente. Nos bastidores, fala-se que quando o presidente anterior do Carrefour, Luiz Fazzio, defendia para a matriz a união de Carrefour e Atacadão numa só empresa, em 2013, os franceses optaram pela autonomia. Fazzio deixou o grupo na época. “Ali, eles confirmaram uma estratégia que fez toda a diferença. O atacado é um outro negócio, não faria o menor sentido unir [a área de hipemercados e supermercados]”, conta um consultor da rede.

O controlador foi montando no Atacadão uma operação independente e mais bem estruturada – e como cresce em cima de uma base expressiva de vendas, sua receita acaba se expandindo mais. São 125 lojas e eram 35 quando a cadeia foi vendida ao Carrefour, quase dez anos atrás. Para efeito de comparação, o Makro, um dos grandes líderes do setor nos anos 90, passou de 57 para cerca de 80.

Enquanto as vendas do Makro dobraram na última década, o faturamento do Atacadão, no mesmo período, foi multiplicado por seis. No Assaí, rede do Grupo Pão de Açúcar (GPA), a receita cresceu dez vezes, para R$ 11,3 bilhões – em parte, porque a base do Assaí é menor. Quando o Assaí foi comprado pelo GPA, em 2007, vendia R$ 1 bilhão. O Atacadão faturava R$ 4 bilhões quando foi adquirido pelo Carrefour, no mesmo ano. Hoje, só Atacadão e Assaí, ambos mais capitalizados, por pertencerem a grandes grupos mundiais de varejo (o GPA é controlado pelo francês Casino), conseguem abrir mais de dez lojas ao ano.

Manutenção de um braço de negócio autônomo e foco no pequeno varejista estimularam expansão

Mas entre Assaí e Atacadão ainda há um espaço generoso. O primeiro vende menos que a metade do segundo. A metragem maior do Atacadão pesa nisso – a rede tem mais lojas e área média maior. Não há dados oficiais de produtividade e só o Assaí publica rentabilidade. “O Assaí anda mais agressivo, mas será difícil que alcancem o Atacadão, caso o Carrefour mantenha o ritmo de investimento. A rede sempre foi maior e o Pão de Açúcar começou mesmo a investir para valer nesse negócio depois deles” diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail.

O Atacadão tem, por exemplo, 22 postos de distribuição pelo país (além das 125 lojas), que funcionam como local para estoque e entrega de mercadorias para o cliente. Há um agendamento da compra pelos representantes, por telefone ou e-mail e retirada nestes postos, além das lojas. Nem todo mundo opera com centros separados. Além disso, as lojas têm área para estoque de mercadorias. Isso implica num custo fixo maior, mas reduz risco de falta de produto. Pontos de 3 a 4 mil m2 não têm estoque e dependem da entrega direta da indústria.

“Muita gente diz que recebe direto do fornecedor, mas a minoria consegue mesmo fazer isso e, se não tem áreas de estoque nas lojas, acaba dependendo da entrega do centro de distribuição”, diz o consultor Manoel Araújo, sócio diretor da Martinez de Araújo.

Ainda há uma questão clara de foco entre as redes. A atacadista do Carrefour vende para o consumidor, mas não mudou o negócio por causa disso. Ao focar na venda ao pequeno varejista, opera volumes grandes. Ajustes maiores para tornar a loja mais próxima do consumidor, ou mais com cara de hipermercado, estão descartados.

“Mudamos um pouco, fizemos algumas adaptações funcionais, na iluminação, para deixar a loja mais econômica, por exemplo. Mas não somos hipermercado e nem queremos ser. Muitas mudanças poderiam aumentar despesas e essa linha não pode crescer próximo ou acima da receita. Se eu mexo muito, começo a vender itens como queijos ou pães fatiados, vou diversificando muito, e isso aumenta meu custo”, diz Müssnich. Despesas operacionais respondem por cerca de 6% da receita das atacadistas, enquanto no hipermercado, essa taxa vai a 15%.

As lojas da rede também não aceitam cartões de crédito, só cartão do Carrefour e em poucas unidades. Roldão e Assaí aceitam cartão e o Tenda, em algumas compras. Ao não liberar todos os cartões, a rede limita vendas ao consumidor, mas não tira de sua margem a taxa paga à administradora do cartão. Há um plano para vender também serviços financeiros.

Ainda está mantido o projeto futuro de oferta pública inicial de ações (IPO, da sigla em inglês) do Atacadão. “É uma alternativa ainda. É que o mercado piorou e [sem janela de abertura], o melhor ainda é aguardar”, diz o presidente.

A empresa também se prepara para abrir sua segunda unidade da rede Supeco, uma atacadista de bairro, na segunda metade do ano. A primeira foi inaugurada em 2014, em Sorocaba (SP).

Hoje, o Atacadão sente um aumento de tráfego e uma expansão em tíquetes um pouco abaixo da inflação. “O cliente vem na loja, faz a compra, vende seus produtos, e logo depois volta para comprar mais. Então, ele compra para fazer o cardápio do dia, por isso a frequência cresce”, afirma Müssnich. “Não é bom que essa frequência suba muito, porque tráfego alto traz venda, mas também aumenta custo do atacadista. As filas crescem, as perdas com produtos aumentam e precisam de mais caixas, é um efeito cascata”, diz o consultor Manoel Araújo.

Um dos questionamentos do mercado relaciona-se ao cenário de uma provável recuperação da economia, se os consumidores poderiam voltar para os supermercados e os atacadistas sentirem a perda de clientes. Redes bem localizados em capitais – como o Assaí, com lojas menores em São Paulo – e com operação em supermercados bem estruturada (caso do GPA) podem sentir menos uma mudança. O Atacadão não acredita que possa ser afetado negativamente por isso. “Quem veio para o atacarejo não deve voltar. Mesmo que a economia melhore, esse cliente já incorporou os ganhos ao orçamento”, diz Müssnich.

(Por O Negócio do Varejo) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM