‘Ninguém garante’ que ganhos serão repassados ao consumidor, diz Idec.
Para especialistas, redes vendem bens essenciais, o que agrava situação.
A proposta de fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour no Brasil é vista como prejudicial aos consumidores pelos órgãos de defesa do consumidor, já que diminui a concorrência, podendo resultar em elevação de preços. Nesse caso, se concretizada, a união das varejistas terá um agravante porque ocorrerá entre redes que vendem bens considerados essenciais para a população, avaliam especialistas.
“A gente percebe hoje que os maiores problemas que o consumidor tem é quando a concorrência não existe ou é pequena”
Carlos Coscarelli, assessor-chefe do Procon-SP
Nesta segunda, o conselho de administração do grupo francês de distribuição Carrefour se declarou favorável à fusão com a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) Pão de Açúcar, líder do setor no Brasil. A proposta foi apresentada na segunda-feira (27) pela empresa brasileira Gama, que pertence ao fundo BTG Pactual, do investidor André Esteves, com o apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para Carlos Coscarelli, assessor-chefe do Procon-SP, o prejuízo pode ser ainda maior ainda no caso dos alimentos industrializados vendidos nos supermercados. “No produto in natura, a concorrência com o pequeno comércio ainda é mais presente. O que não acontece tanto no produto industrializado, como iogurte, leite, alguns tipos de carne [como o frango congelado]”, explica. “O fato de as duas redes trabalharem com produtos essenciais só agrava a situação”.
O especialista avalia que, de qualquer forma, a falta de concorrência sempre é muito prejudicial ao consumidor. “A gente percebe hoje que os maiores problemas que o consumidor tem é quando a concorrência não existe ou é pequena”, explica.
O gerente de informação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Oliveira, também avalia que o fato de as redes venderem alimentos agrava a situação, acrescentando, contudo, que concentração no varejo não é bom ao consumidor em qualquer área.
“Ninguém pode deixar de deixar comprar feijão. Se a roupa está cara, você pode deixar para comprar daqui 30 dias. Com a união de dois grupos tão fortes, o consumidor fica muito a mercê de um ator só”, diz.
Os órgãos de defesa do consumidor apostam em uma decisão equilibrada do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre o assunto. O órgão disse nesta segunda-feira (4) que ainda não foi comunicado formalmente sobre as negociações e que, por isso, não é possível no momento fazer qualquer tipo de análise sobre o impacto do acordo no mercado brasileiro.
Oliveira diz, ainda, que o consumidor pode também ser prejudicado no que diz respeito aos serviços prestados pelos supermercados, uma vez que, quando há mais opções do mercado, a tendência é que tantos os consumidores sejam mais disputados pelos grupos, que acabam oferecendo melhores serviços, produtos e preços.
O especialista do Idec lembra que, por mais que um grande grupo resultante das duas varejistas consiga melhores preços com os fornecedores, ninguém garante que eles serão repassados ao consumidor. Ele ressalta outro problema que pode surgir com a possível fusão, que é a redução do número de lojas e demissões.
“É preciso saber se a qualidade de produtos e serviços serão mantidos e se os grupos irão investir no consumidor”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste). “Não temos dúvida que quanto maior o mercado, melhor é para o consumidor”, diz.
“Vai nivelar para cima o nosso mercado. Os concorrentes vão ter que melhorar, os fornecedores vão ter que melhorar”
Ricardo Pastore, coordenador do núcleo de varejo da ESPM
Notícia positiva
Enquanto os órgãos de defesa do consumidor condenam a fusão, para Ricardo Pastore, coordenador do núcleo de varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a notícia é positiva para o mercado brasileiro, para os concorrentes e para o consumidor.
“Vai nivelar para cima o nosso mercado. Os concorrentes vão ter que melhorar, os fornecedores vão ter que melhorar”, diz.
Para o professor, a reação inicial sobre a fusão foi de medo porque fatos como esses ainda são novos no nosso país. “Isso significa que o Brasil está inserido no radar global como nação emergente e protagonista de um nível de crescimento”, afirma.
Pastore lembra que o país tem muitos bons concorrentes na área de supermercado em âmbitos regionais e o consumidor escolhe aquele que o conhece melhor e é mais competente, que oferece melhores serviços. “Só o tamanho e a força da empresa não bastam para que ela exerça um domínio”, diz.
O especialista afirma, ainda, que apesar de o empresário ter como objetivo o lucro, mas isso é preciso ser feito com cuidado, pois o mundo inteiro está de olho no negócio. “Não seria nada inteligente uma empresa como essa explorar o consumidor aumentando os preços de uma maneira necessária”.
Posição do Walmart
Para o presidente do Programa de Administração do Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração (FIA), Claudio Felisoni, não é essencial que o mercado de supermercados tenha muitos grandes competidores, mas pelo menos um.
“A competição tem que ser examinada no plano das lojas, das áreas de influência nas regiões e estados. Examinando sobre esse ângulo, em algumas áreas a concentração será excessiva, o que vai obrigar ou a fechar a unidade ou que outro proprietário adquirira”, diz.
Felisoni diz que a vantagem ou prejuízo ao consumidor dependerá, ainda, da posição que o concorrente Walmart vai tomar. “Se ele adotar uma posição de acomodação, para o consumidor não vai ser bom”, diz. Para ele, a situação muda se o “gigante” considerar que o mercado brasileiro é muito importante para adotar uma posição passiva e resolva brigar de igual para igual com essa possível nova empresa.
Gabriela Gasparin
Do G1, em São Paulo
Disponível em:http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2011/07/orgaos-de-defesa-do-consumidor-condenam-fusao-entre-varejistas.html