Afetados pelo ritmo mais lento de crescimento da economia e pelo impacto negativo da Copa do Mundo que drenou a renda do brasileiro para a compra de TVs, os fabricantes de fogões, geladeiras e lavadoras fecharam o primeiro semestre com o pior desempenho de vendas dos últimos dez anos. De janeiro a junho, o número de eletrodomésticos comercializados da indústria para o comércio caiu 12% na comparação com o mesmo período de 2013.

O resultado do semestre foi influenciado especialmente pelo forte recuo no segundo trimestre. Levantamento da Eletros, associação que reúne a indústria do setor, mostra que, entre abril e junho, as vendas industriais da linha branca caíram 20% na comparação anual.

O baixo-astral do setor prevalece apesar da ajuda do governo para impulsionar as vendas. Os eletrodomésticos continuam com Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido, benefício que começou na crise de 2009. Os itens também fazem parte do programa Minha Casa Melhor, que dá crédito facilitado de R$ 5 mil para equipar a casa a quem adquiriu imóvel no programa.

Preocupados com a queda nas vendas e o aumento dos estoques, os fabricantes fazem de tudo para adequar a produção ao menor ritmo de negócios no varejo. Deram férias coletivas, não repuseram as vagas dos trabalhadores que pediram demissão e suspenderam temporariamente o contrato de trabalho (lay-off), seguindo o exemplo da indústria automobilística.

Mesmo assim, o número de empresas com produtos encalhados não para de crescer. Em julho, por exemplo, a fatia de indústrias do setor mecânico, onde se enquadram os fabricantes de eletrodomésticos e máquinas, com estoques excessivos foi de 16,7%, segundo a sondagem industrial da Fundação Getúlio Vargas. Em junho, essa parcela tinha sido de 16,2%.

“Foi o pior primeiro semestre dos últimos dez anos”, disse Armando Valle, vice-presidente de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Whirlpool Latin America, maior fabricante do setor e dona das marcas Brastemp e Consul. Para o presidente da Eletros, Lourival Kiçula, a queda no trimestre foi maior do que se esperava.

Segundo Valle, na crise de 2009 a queda nas vendas não foi tão forte quanto a atual porque a redução do IPI ajudou. Agora, observa, o corte da alíquota do imposto é menor em relação ao daquela época. No caso de lavadoras, o IPI hoje está em 10%, ante 5% em 2009. O IPI normal de lavadoras é de 20%.

Kiçula atribui o resultado ruim ao cenário econômico mais complicado, com o acesso ao crédito mais difícil e mais caro. Ele não arrisca fazer projeções para o ano. Já Valle acredita numa recuperação a partir de agosto e num segundo semestre estável em relação ao mesmo período de 2013. Se a projeção se confirmar, o ano fechará com queda entre 7% e 8% nas vendas industriais. “Esse resultado não seria um desastre, mas razoável”, diz Valle. A linha branca encerrou 2013 com retração de 5% nas vendas.

Emprego. Com negócios em baixa no segundo trimestre, cenário que persistiu em julho, as indústrias pisaram no freio. O primeiro reflexo dessa decisão apareceu no emprego. Entre abril e junho, o saldo de geração de postos formais de trabalho da indústria mecânica, que engloba a linha branca, foi negativo em 15,2 mil vagas, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. No primeiro trimestre, o saldo de vagas foi positivo, com 13,5 mil vagas.

Além de demitir, as empresas do setor adotaram o lay-off. Erick Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Carlos e Região (SP), conta que a Electrolux suspendeu temporariamente o contrato de trabalho de 120 trabalhadores, a partir de 7 de julho, onde está a fábrica de lavadoras e fogões. “Foi a primeira vez que negociamos lay-off na linha branca”, diz o sindicalista, destacando que foi uma medida para preservar empregos. Em junho, a empresa já tinha dado férias coletivas a 4,6 mil funcionários nas três fábricas. Procurada, a empresa não comentou o lay-off.

Também em junho, a Whirlpool deu férias coletivas a 5 mil trabalhadores. “Não descartamos a possibilidade de novas férias coletivas e de fazermos lay-off neste semestre”, diz Vale, vice-presidente da empresa. Ele conta que, nos últimos meses, a companhia não repôs as vagas dos que pediram demissão. Com isso, foram enxugadas entre 300 e 500 vagas.

“O cenário é preocupante. As empresas estão demitindo aos poucos”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Itu e Região, Dorival Jesus do Nascimento. Depois que a mexicana Mabe, desde maio em recuperação judicial, fechou no ano passado a fábrica de Itu, restaram na cidade as indústrias de componentes.

Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, Jair dos Santos, que responde pela área onde estão as duas outras fábricas da Mabe, Hortolândia e Campinas, em São Paulo, a empresa diz que tem 200 funcionários excedentes, parte deles em casa em licença remunerada. “Recentemente, houve 80 demissões na empresa.” Procurada, a Mabe não comenta a situação.

Santos atribui o corte ao ajuste pelo qual passa a empresa em razão da recuperação judicial. Ele acredita que a redução na linha branca é um movimento normal para o período por causa do inverno.

Para ele, a chiadeira dos empresários está ligada às negociações salariais, com data-base em 1.º de setembro. Neste ano, o pleito é de aumento de 5,69%, descontada a inflação. Em 2013, os trabalhadores conseguiram reajuste real de 2%.

(Por Estadão) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM