A Casas Pernambucanas, uma das mais tradicionais varejistas de vestuário e produtos eletrônicos no país, decidiu seguir cartilha oposta a das maiores redes do país. E o resultado dessa postura aparece mais claramente nos resultados dos últimos anos publicados pela empresa de capital fechado, e informados na terça-feira pelo Valor Pro, serviço de informações em tempo real do Valor.
Numa estratégia definida anos atrás pela herdeira Anita Regina Harley, bisneta do fundador, Herman Lundgren, a Pernambucanas cresce pouco em relação aos competidores e o volume mais expressivo no lucro reflete as operações do seu braço financeiro, a Pernambucanas Financiadora.
A empresária de vida reclusa, segundo fontes, é presença cada vez mais rara na sede da varejista, em São Paulo. É a maior acionista individual da rede, com 30% de participação e disputa na justiça uma fatia de 25%, pertencente a sobrinhos. Anita tem contatos com o comando da rede basicamente por telefone, poucas vezes ao mês. “Ela liga quando tem algum recado, mas é raro”, diz um ex-diretor. Solteira e idade estimada em pouco mais de 70 anos, ela mudou-se para uma casa na cidade de São Paulo após viver 30 anos no hotel Cad’oro, fechado em 2009.
Com R$ 4,26 bilhões em receita líquida e 303 lojas, a Pernambucanas lucrou R$ 7,92 milhões no ano passado com sua operação no comércio varejista. Em 2012 foram R$ 4,11 milhões, calculou o Valor com base nos dados presentes em balanço. Esse valor não considera o pagamento de dívidas com a União, via Refis.
Ao contabilizar os efeitos do Refis, mas excluindo os ganhos da financeira, a controladora Pernambucanas teve prejuízo de R$ 45,17 milhões em 2013. Se forem considerados os ganhos com a Pernambucanas Financiadora – lucro líquido de R$ 160,2 milhões em 2012 e R$ 210,4 milhões em 2013 (alta de 31%) – o prejuízo da empresa vira lucro de R$ 161,6 milhões no ano passado (ver tabela).
A opção de expansão conservadora – a rede tem aberto de seis a sete lojas ao ano, e as vendas líquidas aumentam 5,5%, em média, ao ano desde 2009 – e a decisão de manter a área financeira dentro da empresa, em vez de vendê-la aos bancos como grandes varejistas decidiram fazer anos atrás, foram medidas defendidas por Anita. Isso apesar de discordâncias frequentes entre ela e membros do conselho de administração sobre os rumos da rede nos últimos anos, segundo fontes do mercado.
A Pernambucanas, 303 lojas e 9 milhões de cartões “private label”, gera lucro com a financeira num valor mais do que o dobro do obtido pela financeira do Magazine Luiza (LuizaCred), com 744 pontos, e da Riachuelo, com 212 lojas.
A receita com intermediação financeira da Pernambucanas passou de R$ 997 milhões em 2012 para pouco mais de R$ 1 bilhão no ano passado, alta de 13,5%. Na LuizaCred, com o Itaú, esse crescimento foi de 7,2%, para R$ 1,15 bilhão. A LuizaCred lucrou R$ 89 milhões em 2013, menos da metade do lucro da financeira da Pernambucanas no ano. Na Via Varejo, com a FIC (também do Itaú), o valor foi de R$ 88 milhões, alta de 125%.
Enquanto a financeira da Riachuelo cresceu 4% no ano passado com 23 milhões de cartões e atingiu lucro de R$ 120 milhões (alta de 9,5%), a Pernambucanas cresceu 13,5% com 9 milhões de cartões e lucro de R$ 210 milhões.
Como ocorre no varejo, o crescimento da financeira da empresa está atrelado à expansão da base de clientes. Quanto mais consumidores nas lojas, maior o potencial da financeira – que ainda cresce ancorada, obviamente, nos “spreads” (diferença entre a taxa de juros cobrada pela empresa e o custo financeiro da captação dos recursos). Nos últimos cinco anos, porém, a rede passou de 269 unidades para 303. São seis a sete novas lojas ao ano, no máximo. A Lojas Americanas abre de 100 a 110 e o Magazine Luiza, 20 a 40 pontos.
A financeira da Pernambucanas é, portanto, mais eficiente no uso da base de pontos (vender mais produtos financeiros ou fazer o cliente usar mais opções do cartão) em relação a outras varejistas. Um dos caminhos para ampliar a base de cartões pode ser a volta da sua loja on-line, que funcionou entre 2008 e 2009.
O Valor apurou que a rede considera a hipótese de voltar a vender pela internet em 2014. Em janeiro, contratou o executivo Ronaldo Magalhães (ex-Magazine Luiza) como gerente de comércio eletrônico. O grupo confirma a contratação e informa que não há prazo para voltar com a loja na web.
Cerca de dez anos atrás, as principais varejistas do país – Lojas Americanas, Ponto Frio, Casas Bahia – assinaram acordos de associação com bancos, como Bradesco e Itaú, que pagaram entre R$ 500 milhões a R$ 600 milhões pelo direito de exclusividade de financiar clientes das lojas. A Pernambucanas recebeu uma série de propostas de bancos, que sequer foram discutidas na época, apurou o Valor.
“Ela [Anita Harley] nunca abriu mão dessa operação [financeira], que era o filé mignon na visão dela”, diz um ex-diretor da rede.
Historicamente, nas questões estratégicas, Anita defende postura cautelosa e crescimento lento, posição que já foi muitas vezes contrária ao do primo, hoje no conselho, Frederico Lundgren.
A cautela de Anita reflete o temor de repetir erros da família no passado. “Depois que a Pernambucanas quebrou no resto do país, falar em projetos mais audaciosos ficou difícil lá dentro. Restou um trauma”, diz um ex-diretor. Anita é neta de Arthur Herman Lundgren, fundador da rede.
Disputa entre os herdeiros nas décadas de 1970 a 1990, levou a uma separação das operações pelos país. Os negócios de Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro passaram a atuar de forma autônoma, mas acabaram desaparecendo, após problemas de gestão.
(Por Valor Econômico) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab