Em pouco mais de um mês, o comando da operação brasileira da maior empresa de alimentos do mundo, a suíça Nestlé, mudará de mãos. Sai o paulista Ivan Zurita, entra o guatemalteco Juan Carlos Marroquín. Parte do roteiro repete o que aconteceu há 11 anos.

Na época, Zurita era presidente da Nestlé no México— mesmo cargo ocupado por Marroquín até o dia 1º de julho, quando assume a empresa no Brasil. Mas, tirando da equação esse detalhe, as situações não poderiam ser mais diferentes. Uma década atrás, a Nestlé patinava no Brasil, após anos encolhendo. Zurita chegou com a missão de fazer a companhia voltar a ganhar mercado.

E fez. Em 2011, a Nestlé faturou 20,5 bilhões de reais no país, quatro vezes mais do que no ano anterior à chegada do brasileiro. É essa empresa, hoje a segunda maior operação da Nestlé no mundo, que Marroquín assume. Mas ele já sabe: os desafios que terá de enfrentar são outros.

Assim como acontece com os países, longos períodos de expansão geram todo tipo de problema para uma empresa. Os custos, por exemplo, frequentemente crescem mais do que deveriam. Segundo EXAME­ apurou com funcionários e ex-executivos da Nestlé, esse parece ser o tipo de si­tuação que Marroquín chega para resolver.

Nos últimos anos, o crescimento das vendas teria corroído a rentabilidade da empresa no Brasil. De acordo com ex-funcionários, os resultados em 2010 foram simbólicos. Enquanto a receita subiu 8%, o lucro teria estagnado. E a margem operacional teria caído sistematicamente nos últimos anos. Foi o que acendeu o alerta vermelho na matriz.

Como também é típico após um mandato superior a uma década, as idiossincrasias do presidente — tão úteis num primeiro momento — começaram a causar efeito contrário ao desejado. No caso da Nestlé, o cerne da questão era o departamento de mar­keting. O orçamento do departamento dobrou de 2008 para 2011, atingindo 1 bilhão de reais, dizem ex-executivos da empresa.

E nem sempre esse dinheiro atingiu o efeito desejado. Em outubro de 2010, por exemplo, a Nestlé lançou a campanha “Galera Animal” para promover sua marca com a venda de bichos de pelúcia. Três meses depois do lançamento, apenas 700 000 bichos de um total de 9 milhões tinham sido vendidos.

O restante precisou ser desovado nos dois anos seguintes. A Nestlé nega que o orçamento de marketing tenha dobrado. Procurado, Zurita disse que os resultados da empresa no Brasil foram em linha com o esperado e que a sucessão acontece a seu próprio pedido.

 

Concorrentes

Segundo um consultor de recursos humanos que trabalha para a Nestlé no Brasil, o nome de Marroquín começou a ser mencionado em julho do ano passado. Mas foi em setembro que a matriz deu o maior indício de que a sucessão de fato ocorreria. Naquele mês, chegou ao Brasil um novo vice-presidente financeiro, o alemão Martin Huber — braço direito de Marroquín há nove anos

Hoje, é Huber que prepara o terreno para a chegada do novo presidente. Na Nestlé desde 1985, Marroquín foi presidente da empresa na Venezuela e na região que abrange Colômbia, Venezuela e Equador. Mas foi no México que sua estrela brilhou — sobretudo porque a companhia continuou crescendo em meio à crise que derrubou a economia mexicana em 6,5% em 2009.

Em 2011, a subsidiária mexicana cresceu 14% (no Brasil, a expansão foi de 8%). Seu estilo é descrito por executivos que trabalharam com ele como “enérgico”. Assim que chegou à Colômbia, em 2004, derrubou paredes na sede para forçar a comunicação entre as diversas áreas.

le mesmo trabalhou por um tempo em uma mesa no meio do departamento de marketing. Em 2007, Marroquín mandou embora a equipe de recursos humanos da Nestlé no México ao descobrir que o departamento não tinha estratégias de longo prazo para manter talentos.

No Brasil, Marroquín terá de buscar a rentabilidade perdida ao mesmo tempo que defende a Nestlé do avanço dos concorrentes. No segmento de cafés, a empresa perde mercado para os líderes Sara Lee e Strauss Group, segundo dados da consultoria de pesquisa de mercado Euromonitor.

A participação de mercado da Nestlé nesse segmento caiu de 11,2% para 9,7% entre 2007 e 2011, enquanto Sara Lee subiu de 14,5% para 20%, e Strauss, de 15% para 19%. Para tentar reagir, a Nestlé lançou na primeira quinzena de maio o café solúvel Nescafé Duo Grão. Em nutrição para bebês, sua participação também caiu: passou de 94% para 78% nos últimos cinco anos, segundo dados da consultoria Nielsen.

Mas o concorrente mais agressivo da Nestlé é a Unilever, com quem disputa em caldos, sorvetes e bebidas de soja. A anglo-holandesa leva a melhor nos três páreos. Segundo dados da Nielsen, as marcas de caldo Knorr e Arisco têm 56% do mercado, e a Kibon, de sorvetes, 48,6%.

A bebida à base de soja Ades, 66%. Varejistas ouvidos por EXAME criticaram a demora da Nestlé em reagir aos avanços dos concorrentes — a última grande linha lançada pela empresa foi a de bebidas lácteas Fast, em 2010. São questões com as quais o novo presidente terá de lidar agora. Zurita teve mais de uma década para deixar sua marca na Nestlé. A marca de Marroquín será conhecida a partir do dia 1º de julho.

(Por Gouvêa de Souza) varejo, núcleo de estudos do varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo