“Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo.” A frase acima, dita pelo pensador Confúcio, é uma boa representação do meu sentimento sobre a minha visita à China.

Como parte do meu mestrado (MBA) com foco em empreendedorismo na Universidade da Califórnia em Berkeley, tive a incrível oportunidade de passar duas semanas em Pequim e Xangai discutindo inovação, aprendendo sobre cultura empreendedora, transferência de tecnologia e conhecendo a China como uma superpotência mundial em inovação.

Durante a minha estadia, tive o prazer de conhecer alguns importantes players do ecossistema chinês, incluindo unicórnios, como Tencent e JD.com; multinacionais com operações na China, como PayPal, Intel, Google e Apple; startups como a Laiye e a Xiaoshouyi; aceleradoras e investidores de capital de risco do país, como Matrix e GGV.

Como empreendedor e estudante de inovação, meu tempo dentro da muralha chinesa (ou devo dizer “great firewall”) foi algo único, gerando aprendizados exponenciais. Volto à Califórnia com vários temas em mente.

Posso listar aqui alguns como: privacidade de dados, transferência intelectual, cultura organizacional, adoção de novas tecnologias, como pagamentos digitais, desenvolvimento econômico, guerra comercial e tudo que gira em torno da China, considerada uma potência (de influência) mundial.

Como brasileiro que mora nos Estados Unidos há mais de 15 anos, é muito fácil ver o Vale do Silício como o centro de inovação e da influência no mundo virtual. Embora eu continue com uma opinião similar em termos de novas tecnologias e infraestrutura, encontrei uma China ousada e disposta a ser mais do que a “fábrica do mundo” e o “copycat” de tecnologia estrangeira.

Os chineses querem ir além de adotar e “tropicalizar” tecnologia do oeste. Eles acreditam que este é o momento deles. Isso ficou claro pra mim ao ver a política de protecionismo contra os gigantes do Vale, como o Facebook e o Google, e o volume de investimento do governo em inteligência artificial e no ecossistema de startups.

Acredito que tenho muito a aprender sobre o mercado chinês e, como estrangeiro, não posso chegar a conclusões em apenas duas semanas. Entretanto, muitos temas me chamaram a atenção durante esta viagem e gostaria de refletir e compartilhar alguns deles com mais detalhes aqui neste texto.

WeChat é muito mais do que o WhatsApp chinês

Com mais de 900 milhões de usuários diários, o WeChat controla o cotidiano dos chineses. O superaplicativo vai muito além de uma plataforma de comunicação.

Usuários conversam, alugam bicicletas, pedem táxi, pagam suas contas, fazem compras online e offline, pedem serviços de lavanderia, contratam serviços de banho, tosa para o seu pet…

O que começou como uma mera réplica de um aplicativo de mensagens, se tornou um monstro e um gigantesco repositório de informação sobre a população.

Durante minha visitas, um executivo americano que trabalha em uma multinacional na China fez o comparativo entre o WeChat e o iOS da Apple. Ele se resumo às fotos abaixo e a um comentário. “Se a Tencent proibir o WeChat de funcionar dentro do iOS da Apple, os iPhones viram obsoleto na China”

Hoje, a Tencent, dona do WeChat, é um megaunicórnio: tem valor de mercado de mais de $335 bilhões e está entre as cinco maiores empresas do mundo. Além disso, a empresa e consegue saber tudo sobre todos os seus usuários – e é de conhecimento público que estas informações são compartilhadas com o governo chinês.

Ou seja, eles têm informações sobre com quem os usuários falam, onde eles gastam dinheiro, para onde viajam… e a lista continua. É como se eles unissem toda a informação do Facebook, Mercado Livre, Paypal e Google no mesmo lugar. Isso me deixou bem pensativo e me fez refletir sobre como esta informação pode ser usada para influenciar (ou controlar) os cidadãos.

“9-9-6” é motivo de orgulho

Eles são muito orgulhosos do “9-9-6” que representa a jornada laboral chinesa: das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias por semana. A cultura laboral e a competição foram temas bastante ressaltados durante minha visita.

Como empreendedor e cofundador de uma startup, me questionei sobre essa cultura dentro das startups. A minha opinião as condições e a jornada de trabalho são extremas, será que isso não impede inovação dentro das empresas? Falou-se bastante sobre o alto nível de competitividade entre colaboradores, o que no meu ponto de vista pode inibir um ambiente de colaboração e inovação.

Investimento chinês no Oeste

Agora que os gigantes da China – Alibaba, Tencent e JD.com, por exemplo – já controlam o mercado chinês, eles estão de olho em investimentos fora do país.

Um exemplo disso foi a iniciativa da Ant Financial, filial do grupo Alibaba, que em janeiro tentou adquirir a MoneyGram nos Estados Unidos. Este tipo de transação dá acesso às empresas chinesas – e até mesmo ao governo chinês – aos dados de usuários estrangeiros e a novas tecnologias.

O governo e as empresas americanas estão atentas e prontas para barrar certos investimentos.

A AT&T, conglomerado americano, deixou de usar o equipamento da Huawei por questões de segurança e invasão de privacidade.

O Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (CFIUS), órgão do governo americano que faz vistoria das aquisições de companhias nativas por empresas de outras nacionalidades, anda bastante ocupado.

Outro caso recém-barrado por ameaçar a segurança nacional americana foi a proposta de aquisição da americana Qualcomm pela Broadcom, de Cingapura.

Os desentendimentos comerciais entre a China e os Estados Unidos vão além das tarifas sobre matéria-prima e produtos fabricados no país asiático. A disputa aparenta ser uma batalha sobre quem será o líder mundial de inovação no mundo digital.

Transferência de tecnologia ou liderança em inovação
A China se destaca em diversas tecnologias e inovações. Eles possuem a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo. Em 2017, mais veículos elétricos foram vendidos na China do que no resto do mundo.

E a adoção do bike-sharing (compartilhamento de bicicleta) na China não se compara com nenhuma outra parte do mundo. O volume de pagamentos online chega a ser 50 vezes maior do que nos EUA.

Em várias ocasiões, vendedores ambulantes olharam para mim sem graça quando tentei usar dinheiro em espécie, já que todos preferem pagamento online através do WeChat ou AliPay. Cheguei até a ser barrado e não pude comprar um café, pois a loja de conveniência não aceitava dinheiro em espécie.

Contudo, fico me questionando, será que isso é mesmo inovação ou só transferência de tecnologia? Olhando com outros olhos, alguém pode argumentar que a arte de copiar, criar escala e adotar um produto é inovação.

Afinal, quando a Apple lançou o iPod, os dispositivos de MP3 já existiam, e o mesmo aconteceu com os tablets, já que a Microsoft de Bill Gates lançou o Windows Tablet dez anos antes do iPad de Steve Jobs.

Talvez não seja uma comparação justa. Todavia, a todo tempos se vê uma China com sede de inovação e se preparando para ter ainda maior influência global, parece faltar algo nesse paradoxo chinês.

É incrível e, ao mesmo tempo, assustadora a habilidade que os chineses têm de copiar uma nova tecnologia e rapidamente gerar uma escala gigantesca.

Por fim, foram muitos os aprendizados em apenas duas semanas. Volto bem mais curioso, porém receoso sobre a evolução da China.

Aquele sentimento de que precisamos ficar atentos para descobrirmos mais sobre mistérios que existem dentro dessa Grande Muralha. Neste momento, ainda vejo a qualidade da tecnologia chinesa inferior aos avances tecnológicos vindo do Vale.

Porém com a escala e rápida adoção de novas tecnologias na China é inevitável que começamos a ver maior influencia e comercialização de tecnologia chinesa pelo mundo.

Volto a Califórnia me perguntando: será que nós no Oeste estamos preparados para uma China com forte influência mundial em tecnologia e inovação?

(Por Pequenas Empresas & Grandes Negócios – Pedro Moura) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM, China