“Recebi uma declaração de guerra e ofereci um tratado de paz”. A frase, dita por Abilio Diniz a mais de um interlocutor, resume a postura do empresário perante o acordo recém-costurado com as fundações Previ e Petros para pôr fim à disputa pelo comando da BRF. Desde fevereiro, os fundos de pensão se articulam – com amplo apoio do mercado – para encerrar a atuação de Abilio na companhia por meio da eleição de um novo conselho de administração na próxima assembleia anual, no dia 26 de abril.

Após cinco anos à frente da presidência do colegiado da gigante que abriga as marcas Sadia e Perdigão, Abilio apresentará sua renúncia amanhã (05/04), conforme apurou o Valor, em uma reunião extraordinária convocada pelo próprio empresário. É o que ele chama de paz. Na ocasião, também vai declarar apoio a uma versão modificada da chapa apresentada pelos fundos de pensão para o novo conselho da BRF.

Como parte dessa recente “composição”, o ex-ministro Luiz Fernando Furlan assumirá temporariamente a presidência do conselho da BRF e exercerá o cargo até a assembleia, como antecipou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

Ainda como parte do acordo, Augusto Cruz, presidente do conselho de administração da BR Distribuidora e nome escolhido pelas fundações para liderar também o conselho da BRF, deverá ser indicado agora para o colegiado, mas para uma posição comum. É uma maneira de facilitar a transição no comando da empresa, de acordo com fontes envolvidas.

Pela costura realizada, Flávia Almeida, sócia-diretora da Península e seu braço direito, permanecerá no conselho. Na chapa inicialmente proposta por Petros e Previ, não havia nenhum nome ligado ao empresário. Fontes consultadas pelo Valor afirmam que ele também indicará um membro independente.
Abilio tem cerca de 4% da BRF desde 2013. As fundações são as maiores acionistas, com 22% do capital da empresa (11,4% detidos pela Petros e 10,6% pela Previ). A gestora Tarpon tem 8,55% das ações, mas vem, pouco a pouco, diminuindo sua posição.

Abilio se tornou acionista da BRF em 2013, após ser colocado à frente do conselho por iniciativa da Tarpon, com apoio da Previ. Mas, desde que o grupo assumiu, a empresa foi do céu ao inferno. Quando Abilio chegou, a companhia valia R$ 40 bilhões na bolsa. E, após dois anos de resultados recorde, o valor de mercado alcançou R$ 63 bilhões. Contudo, desde o fim de 2015, depois de uma brutal virada de humor dos investidores com a estratégia, a BRF vem perdendo valor e sua capitalização em bolsa está hoje abaixo de R$ 19 bilhões. A queda se acentuou após a Operação Carne Fraca, que teve neste ano um capítulo dedicado exclusivamente à companhia.

A Tarpon não vai mais compor o conselho – atualmente o sócio José Carlos Magalhães participa do colegiado. A gestora vem se afastando do negócio desde o ano passado, após Pedro Faria deixar a presidência executiva da BRF, cargo que ocupava desde 2015.

Abilio recebeu a iniciativa das fundações em propor a mudança do conselho, como denota sua frase sobre o acordo, como guerra. E assim reagiu. Sinalizava que poderia pedir a instalação de um processo de escolha do conselho por meio de voto múltiplo, na assembleia do dia 26.
Por essa mecânica, no lugar de votar em uma chapa completa, cada acionista distribui os votos aos quais tem direito nome a nome. A depender da fatia do capital que possui, um acionista pode inserir na formação de um conselho nomes que não estavam previstos.

As fundações temiam que Abilio partisse para essa estratégia e entenderam que era necessário pacificar os ânimos. Havia receio de que ele tentasse se manter no colegiado. A questão causava incômodo não apenas pelo futuro da estratégia da BRF, mas também pelos convidados a participar do conselho pelos fundos de pensão – que sempre deixaram clara a indisposição de atuar em litígio constante com o empresário.

Durante as tratativas com as fundações, Abilio chegou a propor a substituição de Cruz por Furlan na cabeça da chapa que será eleita. Mesmo com a simpatia das famílias Fontana e Furlan (herdeiras de Sadia), a ideia não prosperou. As fundações entendiam que isso seria uma espécie de rendição. Mas o empresário conseguiu encaixar Flávia e um membro independente nas vagas que na chapa original dos fundos de pensão seriam de Guilherme Affonso Ferreira e Roberto Funari, vice-presidente da Reckitt Benckiser que já é conselheiro na BRF. Abilio também gostaria de tirar o advogado Francisco Petros da chapa, mas até o momento os fundos resistem.

Ao defender a saída de Funari da chapa, Abilio buscou fortalecer o atual presidente da BRF, José Aurélio Drummond Jr., que assumiu o posto em dezembro com seu apoio. Sem Funari, que disputou a presidência da empresa em 2017, a gestão de Drummond poderá ganhar corpo e liderar a reestruturação. No entanto, Abilio não conseguiu apoio formal das fundações à continuidade da atual gestão.

A despeito de a saída de Abilio ter apoio dos investidores da BRF, a chapa formada pelas fundações é alvo de críticas. A avaliação é que a composição não ataca o problema central da BRF, que é a operação industrial de cadeia viva de alimentos. Esse será o desafio a ser enfrentado, junto com a pressão financeira. A empresa tem R$ 5 bilhões em vencimentos neste ano, de uma dívida total de R$ 20 bilhões, para uma posição de R$ 6 bilhões em caixa.
Procurados, Abilio, Previ, Petros e Furlan não comentaram.

(Por Supermercado Moderno) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM, Abilio Diniz, BRF