Ainda que a recessão venha interferindo na queda de vendas e de fluxo de consumidores, um fenômeno paralelo tem ocorrido no que se refere ao fechamento de lojas de grandes redes varejistas que atuam em shopping centers de todo o País. Se antigamente, as âncoras – em geral dos segmentos de vestuário, calçados, eletrodomésticos e eletrônicos – ocupavam um grande espaço nestes empreendimentos, no futuro é possível que as mesmas migrem de vez para o universo on-line, onde as vendas crescem a cada ano. Pelo menos esta é a visão de muitos consultores do setor, embasada por dirigentes de entidades representativas, a exemplo do Sindilojas Porto Alegre.

Neste caso, a vantagem para estas empresas tem cunho econômico, uma vez que, ao apostar na internet e ao mesmo tempo optar por manter as lojas físicas nas ruas, deixam de pagar os “altos” custos de ocupação. “Para quem opera em shopping, estes valores estão bastante elevados, muitas vezes incontornáveis até mesmo para os grandes”, explica o presidente da CDL-POA, Alcides Debus. “De uma forma geral, todos os varejistas têm sido afetados pelo Custo Brasil, e algumas contas não param de crescer, como os valores de recursos humanos”, justifica o gestor. Ele reforça que na contramão dos acordos sindicais, que garantem ao menos a reposição da inflação, as receitas dos lojistas têm caído, ou pelo menos se mantido estagnadas.

E se antigamente os custos de ocupação de uma vaga em shopping representavam cerca de 6% do faturamento das empresas, atualmente estes índices chegam a um patamar superior a 20%, destaca Debus. “Também quando chega a hora de refazer os contratos, os shoppings não estão muito abertos a negociação”, completa. O consultor de varejo Claudio DAvila avalia que, se para pequenos e médios lojistas os custos de ocupação em ascensão em paralelo à queda das vendas já representam um cenário difícil, para algumas redes é “mais complicado” optar por manter uma operação onde os valores gastos com uma equipe maior são mais pesados.

Ao mesmo tempo, quando se fala de uma grande rede, onde os acionistas não têm vínculo emocional, o processo de decisão de fechamento de uma unidade é mais racional, destaca DAvila. O consultor, por sua vez, não considera o desempenho das vendas on-line o fator mais decisivo em um cenário onde é cada vez mais comum a notícia do encerramento de filiais de grandes marcas (a exemplo de redes como a C&A, Marisa, Colombo, Nacional, entre outras, que baixaram as cortinas e desocuparam pontos que mantinham em shoppings da capital gaúcha). “Para o grande varejista, onde o retorno do capital é a base da operação, se não há resultados dentro do que está projetado, a decisão de fechamento da operação é muito mais objetiva do que no caso da pequena – que em geral possui apenas um proprietário que dedica sua vida ao negócio.”

DAvila destaca ainda que se as pequenas empresas já vêm a bastante tempo sofrendo com a queda das vendas e os custos de ocupação, no caso das grandes há maior dificuldade de flexibilizar e buscar alternativas, quando se fala em margem e resultados de operações. “Outro aspecto que é que a relação de grandes varejistas em shoppings é de construção de processo da própria marca, um benefício que a priori não resulta em caixa. É um processo de longo prazo, que não é relevante na crise, pois se não está vendendo, tem custos sem o retorno desejado.”

E se antigamente as grandes lojas ocupavam espaços amplos nos shoppings, como âncoras (também pela queda das vendas) tem sido inviável sustentar estas vagas, destaca o presidente do Sindilojas-POA Paulo Kruse. “Shopping faziam preços diferenciados para âncoras. Hoje essa indústria não faz questão que estes lojistas se mantenham”, comenta o dirigente. A tendência é que as grandes marcas tenham espaços reduzidos em shoppings, e que as âncoras passem a ser empresas do ramo de alimentação (restaurantes) e serviços (como mega academias de ginástica, por exemplo). “Por outro lado, as lojas de eletroeletrônicos devem diminuir a participação em centros comerciais de compras, uma vez que o volume de venda de artigos pela internet aumentou, abrindo um outro nicho de atuação no mercado.”

Vendas do comércio tiveram retração de 8,7% no ano passado

Em 2016, o comércio brasileiro registrou o fechamento de 108,7 mil estabelecimentos – o pior resultado desde 2005, segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A primeira queda anual de vendas do setor, conforme o levantamento, ocorreu em 2014 – após uma década de desempenho positivo. Com o agravamento da crise, em 2015, a retração das vendas chegou a 8,6% e, no segundo semestre daquele ano, foram finalizadas 71,1 mil operações. Já em 2016, a queda acumulada foi de 8,7%. Os segmentos mais afetados foram os de hiper e supermercados; produtos alimentícios, bebidas e fumo; vestuário e calçados; e matérias de construção.

Na segunda metade do ano passado mais de 41 mil lojas baixaram definitivamente as cortinas, sendo que no período de janeiro a junho, o baque havia sido maior (com mais de 60 mil empresas de varejo encerraram operações em todo o País). O recorde de fechamento de lojas influenciou também na queda do emprego. Somente no ano passado, foram reduzidos mais de 102 mil postos de trabalho no setor.

Os micro e pequenos negócios, que empregam de nove a 49 funcionários, formam o grupo de empresas que mais fechou portas, no entanto a recessão tem afetado também as grandes redes. Em 2016, São Paulo foi o estado com o maior número de estabelecimentos fechados, seguido por Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Mas este cenário não poupou nenhuma unidade da federação, segundo o estudo da CNC. Ainda assim, a entidade afirma que em 2017 a situação deverá se estabilizar.

Segundo o presidente do Sindilojas-Porto Alegre, Paulo Kruse, nos últimos três anos as vendas do varejo de Porto Alegre caíram cerca de 20%, enquanto que os aluguéis em shopping centers sofreram reajustes em torno de 30%. “É diante dessa retração econômica que todos os lojistas de shoppings estão se mobilizando com o respaldo das entidades empresariais para buscar força e representatividade em suas reivindicações”, destaca. “Muitas empresas estão buscando mesclar operações na rua e em shoppings – uma para vender e outra para manter o resultado da operação”, comenta o consultor de varejo Claudio DAvila. Ao mesmo tempo, nunca tantas variáveis atuaram tanto de forma conjunta como no cenário atual, frisa outro consultor de varejo, Xavier Fritsch.

Até o início do ano, a loja de instrumentos musicais e artigos eletrônicos Multisom contava com 80 unidades em centros comerciais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em maio, esse número deve cair para 64 – sendo que a maioria das lojas fechadas está em shoppings. O segmento de eletrônicos apresentou o terceiro pior desempenho em 2016, e um dos principais motivos foi justamente a concorrência com as grandes lojas de e-commerce.

Na opinião de Fritsch, além das mudanças tecnológicas e queda de renda do consumidor, o aprimoramento do relacionamento digital de algumas marcas tem “roubado” clientes de outras – via redes sociais e ferramentas do Google. “As compras pela internet também contribuem, além do fato dos consumidores estarem melhor informados, e com novos hábitos na tomada de decisão.” O consultor de varejo Gildo Sibermberg destaca que as compras on-line e o crescimento de liquidações, além de eventos como a Black Friday, têm influenciado o aumento das compras por oportunidade. “Hoje vemos mais gente passeando em shopping, do que realmente comprando.” Para o especialista, outro fator que tem se tornado realidade, já foi constatado nos Estados Unidos, onde shoppings de venda de produtos de linha branca e eletros quebraram ao perder vendas para a internet.

(Por Jornal do Comércio – Adriana Lampert) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM