O setor farmacêutico americano já estava sob pressão devido aos preços dos medicamentos que não param de subir. Agora, ele está sendo atacado também pela origem de seus produtos. “Eu quero que vocês produzam nos Estados Unidos”, afirmou o presidente americano Donald Trump a vários diretores-presidentes do setor em uma reunião na terça-feira na Casa Branca, quando também atacou os preços “astronômicos” dos remédios.

A mais recente tentativa de Trump para trazer de volta aos EUA a fabricação de medicamentos repete os comentários feitos por ele pouco antes de sua posse, no último dia 20. “Nós temos que trazer de volta a nossa indústria farmacêutica”, disse ele em uma coletiva de imprensa. “Ela fornece nossos remédios, mas ela não os fabrica aqui, na sua grande parte.”

A maioria dos remédios acabados vendidos nos EUA, cerca de 60%, é produzida no país, segundo a agência americana que controla os remédios e alimentos, a FDA. Mas as importações mais que dobraram nos últimos anos. Os EUA são atualmente o maior importador mundial de produtos farmacêuticos, de acordo com o Departamento de Comércio, com a importação de US$ 86 bilhões em 2015, ante US$ 39 bilhões em 2005.

Ele disse que planeja reduzir regulações e impostos para incentivar o aumento da produção doméstica de remédios.

Trump nomeou dois diretores-presidentes de farmacêuticas — Ken Frazier, da Merck & Co., e Alex Gorsky, da Johnson & Johnson— para um conselho de 28 membros que tem a missão de ampliar a produção nos EUA.

Desde os anos 80, os fabricantes americanos de remédios migraram consideravelmente a capacidade de produção para países como Irlanda, Índia, Cingapura e China para capitalizar vantagens de impostos e custos trabalhistas — ao mesmo tempo em que fecharam muitas fábricas nos EUA.

A FDA também estima que 80% dos ingredientes ativos usados pelo setor farmacêutico — os principais componentes utilizados na fabricação dos remédios — sejam atualmente produzidos fora do país. Antibióticos vendidos nos EUA são feitos quase completamente de ingredientes trazidos da China e Índia, por exemplo.

Não são apenas as empresas farmacêuticas americanas que importam produtos; as europeias e asiáticas também abastecem os EUA com drogas e ingredientes.

Em um comunicado por e-mail, a associação comercial de produção e pesquisa farmacêutica dos EUA, a PhRMA, observou que as fabricantes de remédios, tanto dos EUA como de outros países, “investem mais de US$ 70 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento nos EUA — mais do que qualquer setor na América — e são responsáveis por 4,5 milhões de empregos americanos”. O comunicado afirma que o setor está “comprometido em trabalhar com o presidente e com o governo para elevar a competitividade americana e proteger os empregos americanos”.

Antes da reunião, a Merck informou que o diretor-presidente Frazier “apreciava a oportunidade da Merck fornecer informações para o desenvolvimento de políticas que são essenciais para a inovação do setor biofarmacêutico e para a competitividade global do setor manufatureiro nos EUA”.

Um porta-voz da Johnson & Johnson informou que a empresa irá trabalhar com o governo para “encontrar soluções para impulsionar a economia doméstica”.

Os esforços para trazer a produção de medicamentos de volta para os EUA podem prejudicar outro dos objetivos divulgados por Trump: reduzir os preços dos remédios.

“Eu acho que é algo que o setor precisa prestar atenção, diante de seu impacto potencial no custo de produção”, diz John Taylor, ex-autoridade da FDA e executivo do setor farmacêutico que agora assessora as empresas sobre questões regulatórias através da consultoria especializada Greenleaf Health Inc.

Qualquer repressão à produção internacional das farmacêuticas iria “provocar uma grande ruptura no sistema de assistência médica nos EUA e elevaria os custos imediatamente”, diz Jeff Weisel, que trabalhou na Ásia para farmacêuticas e agora dirige o setor de assistência médica da Ernst & Young LLP em Cingapura.

O setor automobilístico já está enfrentando isso com o novo governo. Sob ataque cerrado de Trump, montadoras estão reavaliando planos de produzir veículos em outros países, especialmente no México, para ser vendidos nos EUA.

Várias fabricantes americanas de medicamentos estão no meio do processo de construção de fábricas no exterior ou concluíram a construção recentemente. Nem todas são para produção de remédios para o mercado americano; parte da nova capacidade de produção pretende suprir a demanda de outros países.

A AbbVie Inc. acabou de concluir uma unidade em Cingapura em setembro para produzir certos ingredientes farmacêuticos e está construindo outra fábrica no mesmo local para produzir componentes de drogas biotecnológicas incluindo seu remédio mais vendido, o medicamento para artrite Humira. O custo total dos projetos é de US$ 320 milhões.

Uma porta-voz da AbbVie disse que as fábricas — que ainda não começaram a fornecer produtos para o mercado — atenderão à crescente demanda global para produtos, informando que a empresa tem uma “rede equilibrada” de fábricas nos EUA e no exterior.

A Pfizer informou em junho que investiria US$ 350 milhões para construir uma fábrica em Hangzhou, na China, para produzir versões similares de drogas biotecnológicas, com a construção devendo ser concluída em 2018. O foco inicial da fábrica seria abastecer o mercado chinês, mas a Pfizer afirma que ela poderia acabar se tornando uma fornecedora global.

A Pfizer informa que tem 49 fábricas fora dos EUA, mas observa que a maioria de seus funcionários de manufatura está em território americano, onde possui 14 fábricas em 11 Estados.

No ano passado, a empresa começou a construir outra unidade em Massachusetts. Ela será usada em parte para fabricar produtos de biotecnologia, um segmento que está crescendo rapidamente no setor e se concentra nos EUA e na Europa.

Em 2007, a Pfizer informou que planejava terceirizar até 30% do volume da sua produção, grande parte disso na Ásia, até 2010. Uma porta-voz da empresa não quis informar quanto a empresa terceiriza atualmente na Ásia.

As farmacêuticas americanas também compraram unidades na Ásia, onde os custos de produção podem ser até 80% menores que nos EUA. Em 2007, por exemplo, a fabricante de remédios genéricos Mylan NV comprou a Matrix Laboratories Ltd., da Índia, transformando-se em uma dos maiores fabricantes de ingredientes farmacêuticos ativos do mundo.

Metade dos funcionários da Mylan está atualmente na Índia, assim como 25 de suas 40 fábricas. Todos os ingredientes ativos que a Mylan fornece às farmacêuticas em todo o mundo são feitos na Índia.

Em um comunicado enviado por e-mail, uma porta-voz da Mylan não comentou sobre a produção no exterior, afirmando que “a empresa fabrica nos EUA cerca de 80% dos remédios acabados que vendemos nos EUA”.

A maioria das grandes farmacêuticas continua operando fábricas e abrindo outras novas nos EUA. A PhRMA estima que os EUA possuem mais de 100 fábricas de produção de medicamentos. Michael Kamarck, ex-executivo do setor que hoje presta consultoria a farmacêuticas, diz que funcionários qualificados e incentivos fiscais locais continuam a atrair investimentos para as fábricas americanas.

(Por The Wall Street Journal – PREETIKA RANA) varejo, núcleo de varejo, retail lab, ESPM