É com hostilidade e acusações mútuas, trocadas publicamente, que as difíceis tratativas entre os sócios Grupo Pão de Açúcar (GPA) e Casino têm se desenrolado desde o dia 30 maio. Após tomar conhecimento de uma possível proposta de fusão entre a rede brasileira e o Carrefour do Brasil, seu principal concorrente no País, na França e nos outros oito países onde atua, o Casino acionou o Pão de Açúcar na Câmara Internacional do Comércio (ICC), numa clara demonstração de que a operação não está, definitivamente, nos seus planos.

O problema parece extrapolar o âmbito financeiro. O Casino tem visto a proposta de fusão como uma afronta ao contrato que firmou com o Pão de Açúcar, há seis anos. A rede francesa é sócia majoritária do Pão de Açúcar desde 2005, quando, afirma, pagou para assumir o controle acionário da companhia brasileira, previsto para ocorrer no ano que vem. Com a fusão apresentada, o acordo firmado não se concretizaria, possibilidade que parece ter enfurecido o Casino. Na última quinta- feira (28), a companhia solicitou com urgência que Abilio Diniz, presidente do Conselho de Administração da Wilkes, holding que controla o GPA, convocasse imediatamente os membros do Conselho de Administração para discutir a proposta de fusão com o Carrefour.

Em um duro comunicado ao mercado, a companhia francesa chamou as negociações de “secretas e ilegais”. “Lamentamos profundamente que, como se tornou público e foi confirmado com a proposta, o Sr. Abilio dos Santos Diniz, que já alienou e recebeu pelo controle da companhia em 2005, tenha iniciado e dado curso a negociações secretas e ilegais com terceiro concorrente da companhia e seus agentes, sem sequer informar ao maior acionista individual da Companhia (o Casino), e negando publicamente a existência de negociações relevantes”, declarou.

Pragmatismo

O Pão de Açúcar se limita a negar qualquer operação ilegal. Em comunicado, Diniz pediu mais pragmatismo do sócio francês. O brasileiro acredita que Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, está levando o assunto a um patamar emocional. “Até agora, o Casino se ateve, precipitada e emocionalmente, a condenar uma operação sem qualquer análise”.

O varejista brasileiro declarou que em nenhum momento o acordo de acionistas prevê consulta prévia ao Casino ou a outros sócios para a elaboração de uma proposta de negócio. “Enquanto essa negociação não se traduz em proposta efetiva, não há obrigação de que o Casino seja chamado. Do ponto de vista jurídico, a proposta é considerada como tal a partir do momento em que é formalmente colocada. E a proposta foi formalmente colocada na última terça-feira (27), quando tanto Abilio, quanto Casino a receberam”, afirmou Moacir Zilbovicius, advogado da Península, family office da família Diniz.

Costura

A proposta de fusão, costurada com diversas instituições financeiras, entre elas BNDESpar (braço do BNDES), BTG Pactual e seu fundo de private equity, Gama, propõe o surgimento da companhia Novo Pão de Açúcar, com nova composição societária. A empresa resultante desse processo nasce com caixa de R$ 5,7 bilhões, com 11,7% de participação no Carrefour mundial – como sócio majoritário – e incorporaria a operação do Carrefour no Brasil.

Para Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Varejo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), o Grupo Pão de Açúcar aproveitou uma oportunidade, que lhe garante a permanência irrestrita na liderança do varejo brasileiro. “O Casino deveria dizer por que se opõe à compra do vice-líder do setor alimentício no Brasil. O GPA fez o mesmo processo para a compra de Casas Bahia [em 2009], sem consultar o sócio antes. Tem que apresentar o projeto quando a proposta está pronta”, opina.

Publicidade

Pastore acredita que a união de forças entre Carrefour e Pão de Açúcar seria benéfica para as duas empresas. “A área de publicidade do Carrefour é muito eficiente na comunicação com a classe média. Já o GPA tem força no trabalho com a marca, faz um branding interessante. Seria uma união de forças”, acredita. Hoje, a conta do Pão de Açúcar é atendida pela house PA Publicidade e a do Carrefour, pela F/Nazca S&S.

Francês aposta no Brasil

A rede francesa Casino Guichard-Perracho atua em oito países, mas é na América do Sul que aposta suas fichas – principalmente no Brasil. O Casino, por meio de aquisição de redes varejistas, a exemplo da parceria estabelecida com o Pão de Açúcar, atua hoje na Argentina, Brasil, Colômbia e Uruguai. Sua receita líquida na região sul-americana em 2010 foi de € 8,2 bilhões, impulsionada, principalmente, pelo desempenho do Brasil. Em 2010, o faturamento do Pão de Açúcar foi de R$ 39,6 bilhões.

À frente do Brasil, apenas a França tem melhor desempenho. No último ano, sua receita líquida na Europa foi de € 17 bilhões. A Ásia foi responsável por outros € 2 bilhões e suas operações nas Ilhas Maurício e em Madagascar, por € 866 milhões. O varejista francês refere-se ao Brasil como o “seu mais importante mercado”, no qual se faz presente desde que adquiriu parte do Grupo Pão de Açúcar, em 1999.

Em maio de 2005, quando assinaram acordo para a criação da Wilkes, holding que controla o GPA, o Casino garante ter feito acordo financeiro para assumir o controle da empresa brasileira em 2012. Mas a proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, apresentada na última terça-feira (27), muda o rumo da história completamente. Casino perderia a oportunidade de assumir o controle do maior varejista brasileiro e se veria lado a lado com seu arquirrival – o também francês Carrefour, vice-líder no varejo mundial – justamente em seu mercado estratégico, numa nova composição societária.

Circula no mercado que Jean-Charles Naouri, presidente do grupo Casino, fez as malas e está pronto para desembarcar no Brasil nos próximos dias para defender seus interesses. O que se tem por hora é que essa é uma partida jogada por gigantes e os resultados, incertos e imprevisíveis.

(Por Propmark –