Um alerta pipocou na te­­la do celular de 1 000 viajantes que se dirigiam a um aeroporto brasileiro neste ano. A mensagem predizia algo que até pouco tempo atrás a companhia aérea Gol só poderia descobrir momentos antes da decolagem: eles não chegariam a tempo de embarcar devido ao tráfego intenso no caminho.

De fevereiro para cá, 327 000 clientes da empresa baixaram um aplicativo capaz de rastreá-los minuto a minuto desde o instante em que fazem o check-in pelo celular. Para isso aconte­cer, basta que estejam com o GPS e a internet ligados — e tenham concordado com um termo de uso. Caso seja detectado alto risco de que o passageiro perca o voo, o sistema dispara a opção de troca do bilhete.

Para quem chega com antecedência mínima de 6 horas, a companhia envia automaticamente uma mensagem sugerindo a antecipação da viagem. Graças a esse mecanismo, 64 000 passageiros chegaram antes a seu destino nos últimos seis meses. “Queremos aumentar as vendas, mas sobretudo atender melhor o passageiro”, diz Paulo Palaia, diretor de tecnologia da informação da Gol.

O uso de tecnologias como essa — capazes de enviar mensagens dirigidas a cada consumidor por meio de geolocalização — torna-se cada vez mais frequente.

De acordo com uma pesquisa realizada pela fabricante de softwares Adobe com mais de 100 executivos de marketing de grandes empresas nos Estados Unidos, 49% disseram ter adotado a geolocalização para se comunicar com clientes e 37% planejam aumentar a estratégia até o final de 2015.

Não há estatísticas semelhantes para o Brasil, mas casos de empresas como a Gol, a fabricante de bebidas Coca-Cola e a varejista Renner mostram que companhias de diversos setores começam a adotar sistemas desse tipo. Há um terreno fértil para isso. Sete em cada dez habitantes têm um smartphone.

Estima-se que, em média, as pes­soas passem quase 3 horas por dia olhando para essas pequenas telas. O rastreamento usa uma função já existente em qualquer smartphone: a capacidade de registrar a todo instante sua coordenada geográfica. O que varia são os sistemas capazes de captar esses dados e permitir uma comunicação direta com o consumidor.

No caso da Gol, o aplicativo da empresa usa a tecnologia do GPS colaborativo Waze, que compila informações em tempo real do trânsito em cidades brasileiras, para prever a movimentação dos viajantes cadastrados. Há empresas que se comunicam diretamente com os usuá­rios do Waze.

A vare­jista de moda Lojas Renner, por exemplo, começou em abril a enviar uma notificação para quem tivesse o aplicativo habilitado num raio de 10 quilômetros de alguma das três lojas recém-inauguradas em Taubaté e Guarulhos, no estado de São Paulo, e outra no Rio de Janeiro. Nos meses seguintes, a empresa ampliou o sistema para todas as 119 cidades onde tem suas 257 lojas.

Em apenas dois meses, as notificações da Renner receberam 48 245 cliques — e em 2 903 desses casos os usuários pediram ao aplicativo para mostrar o caminho até a loja. “Não conseguimos afirmar quantas vendas o anúncio gerou, mas, ao longo do dia, milhares de pessoas viram nossa marca e muitas ficaram com ela na cabeça”, diz Luciane Franciscone, gerente-geral de ­mar­keting da Renner.

No caso de ambientes fechados, a tecnologia mais utilizada tem sido a dos beacons (“faróis”, em português) — pequenos sensores que enviam sinais para celulares e permitem saber a localização quase exata de pessoas em ambientes fechados. A precisão é de cerca de 30 centímetros.

É possível saber, por exemplo, se o passageiro de uma companhia aérea já sentou em sua poltrona do avião ou se o cliente de uma rede varejista já chegou à fila do caixa. Para isso, é preciso espalhar esses sensores, que custam cerca de 10 dólares cada um, nos aeroportos, nas aeronaves e no teto das lojas. A rede americana de lojas de departamentos Macy’s é uma das pioneiras a usar essa tecnologia.

Em setembro de 2014, a empresa anunciou a instalação de mais de 4 000 beacons em suas 790 lojas nos Estados Unidos, depois de testar inicialmente em duas lojas de Nova York e São Francisco.

Ao entrar no estabelecimento, o cliente que tem instalado no celular o aplicativo da Macy’s passa a receber várias mensagens com informações sobre produtos e promoções. Segundo a empresa, cerca de 60% das pessoas que viram as mensagens responderam à interação.

Pioneiros

No Brasil, ainda há poucas experiências. Uma delas é a da rede Super Nosso, dona de 16 supermercados em Minas Gerais. Em junho, 15 beacons foram instalados no teto de uma loja de Belo Horizonte. O projeto é comandado pela empresa de programa de fidelidade Dotz, parceira do Super Nosso, que investiu cerca de 3 milhões de reais em pesquisa, equipamentos e desenvolvimento de um aplicativo a ser baixado pelos clientes, lançado no mesmo mês.

Ao passar pela frente da prateleira de 15 produtos mais propensos a compra por impulso, o cliente recebe um aviso no aplicativo informando o número de pontos que acumulará se comprar determinado produto. “Essas ofertas venderam, em média, 17% mais, e alguns produtos alcançaram 55% em aumento nas vendas”, diz Roberto Chade, presidente da Dotz.

Nos próximos meses, a empresa pretende expandir o projeto para todas as 147 lojas de 15 redes supermercadistas das quais é parceira, além da varejista Magazine Luiza e da rede de farmácias Pague Menos. Maior supermercadista do Brasil, o Grupo Pão de Açúcar se prepara para estrear em agosto uma experiência desse tipo com algumas lojas de bairro do Extra e do Pão de Açúcar.

Outras tecnologias começam a ganhar adeptos. Uma delas é 100% brasileira, desenvolvida por um grupo de cinco estudantes de ciência da computação da Universidade Federal de Pernambuco. Sem o uso de beacon, foi batizada de InLoco Positioning System. Os desenvolvedores fizeram parceria com 200 aplicativos já existentes — como um serviço de previsão de tempo e o Facebook — para servir de veí­culo para o envio de notificações.

Com o cruzamento dos dados desses aplicativos, o sistema tem informações sobre gênero, idade, hábitos de consumo e classe econômica estimada de 37 milhões de brasileiros. A empresa InLoco Media passou a operar em 2012, com um aporte do grupo sul-africano de tecnologia Naspers Buscapé.

Os primeiros clientes vieram em setembro de 2014. Hoje são mais de 50 — entre eles companhias como a fabricante de bens de consumo americana Procter&Gam­ble e a de cosméticos brasileira O Boticário.

Uma das campanhas reuniu a Coca-Cola com os postos de combustíveis da Shell entre abril e junho deste ano. Quem passou no raio de 500 metros de uma loja de conveniência Select com algum aplicativo ligado recebeu o anúncio de uma promoção para trocar tampinhas de garrafa da Coca-Cola por miniaturas colecionáveis. Dos mais de 5 milhões de pessoas que viram a publicidade, 2 276 entraram em 78 lojas depois de clicar nesses anúncios.

Para escapar da polêmica em torno da garantia à privacidade que ronda esse tipo de tecnologia, as empresas cercam-se de cuidados, como pedir a permissão prévia aos usuários. No caso da Gol, por exemplo, o passageiro tem de fazer o check-in pelo aplicativo e passar por uma tela de autorização de rastreamento antes de entrar no sistema da companhia.

“É preciso criar valor para as duas partes”, afirma Rodrigo Tafner, coordenador do curso de sistemas de informação em comunicação e gestão da faculdade ESPM. Só assim é possível evitar o risco de transformar o esforço em acompanhar os passos do consumidor numa perseguição indesejada.

(Por Exame) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM