Os consumidores estão fazendo de tudo na tentativa de esticar o salário até o fim do mês. Para enfrentar a queda na renda e a maior inflação em 12 anos, as famílias adotam estratégias como limar produtos da lista de compras, aproveitar promoções para estocar comida em casa e ir com menos frequência ao supermercado. Além disso, quatro a cada cinco pedem descontos na hora de pagar, o que os deixou na condição de “reis da pechincha” na comparação com outros quatro países da América Latina.

Segundo pesquisa do Data Popular, consultoria especializada em analisar o comportamento das classes C, D e E, 78% dos brasileiros declaram pechinchar mais atualmente, um resultado entre 19 e 35 pontos superior ao de outros países investigados (México, Chile, Argentina e Uruguai).

“Dentro de cada família brasileira há um Joaquim Levy de saias, que são as donas de casa”, afirma Renato Meirelles, sócio-diretor da consultoria. Enquanto o titular do Ministério da Fazenda tenta implementar o ajuste nas contas públicas, as donas de casa trabalham duro para fazer render o salário e evitar dar um passo atrás na escada de consumo, escalada por milhões na última década.

Ainda assim, perdas são inevitáveis. A classe C, maior beneficiada do recente ciclo de crescimento e que hoje representa quase metade da população, é a que mais tem se obrigado a abdicar de produtos. Um levantamento da consultoria Nielsen mostra que a desaceleração é tão intensa que o gasto dessas famílias perdeu peso no consumo nacional, de 48% em 2014 para 46% em 2015.

“Os consumidores da classe C são os mais endividados. Então, quando se trata de apertar o bolso, eles fazem isso com mais força. Eles acabam limitando o número de idas ao ponto de venda e param de gastar mais”, explica Paula Valadão, executiva-sênior da Nielsen.

O corte de categorias consideradas supérfluas é a principal medida tomada pelas famílias. Cremes para pele, iogurtes, sucos, energéticos e alguns produtos de limpeza como amaciante começam a ser deixados de lado no supermercado, de acordo com a consultoria. Na classe C, quase dois terços das categorias de produtos considerados não essenciais estão menos presentes nos lares.

Em um ano até maio, 934 mil pessoas em todo o País aderiram ao emprego por conta própria, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A categoria engloba desde profissionais autônomos até vendedores ambulantes, o que pressupõe um elevado grau de informalidade. Graças ao conta própria, a taxa de desemprego, já elevada em termos históricos, não atingiu números ainda maiores.

Empresas
A aflição também é das empresas. Em abril, o saldo de vendas em 12 meses do setor de hipermercados e supermercados mergulhou no negativo pela primeira vez em 11 anos, tendência que permaneceu no mês de maio, apontou o IBGE. Uma retração nas vendas em 2015 é dada como certa por analistas.

“O consumo ainda segurava um pouco a economia, mas agora a queda veio de forma muito rápida”, avalia o economista Marcel Caparoz, da RC Consultores, que prevê recuo de pelo menos 2,5% nas vendas do segmento neste ano. Se confirmado, será o pior desempenho desde 2003.

A rede de supermercados Guanabara, uma das mais populares do Rio de Janeiro, garante não ter sentido uma “desaceleração brusca” no consumo, em parte devido às promoções. “Estamos percebendo claramente que nossos clientes estão aproveitando os preços baixos dos produtos para fazer estoque em casa”, conta o diretor de marketing da rede, Albino Pinho.

As marcas também tentam amenizar as perdas criando embalagens especiais, com quantidade maior ou menor, dependendo do produto. Bebidas e azeites têm sido cada vez mais comercializadas por meio do popular “leve 3, pague 2”, conta o executivo da GfK. Já os produtos alimentícios e os chocolates são encontrados em pacotes menores.

Mas há os que conseguem crescer na crise. Neste ano, a GfK, empresa que realiza estudos de mercado, já vê o valor de seus contratos para monitorar preços da concorrência aumentar 20% em termos reais em relação a 2014. A alta só não foi maior porque, diante do cenário adverso, algumas companhias não tiveram mais recursos para bancar o serviço estratégico, que custa entre R$ 500 mil e R$ 600 mil anuais, considerando um levantamento nacional que inclua entre 20 e 30 produtos rivais da marca.

“Não se trata de ampliar fatia de mercado. As empresas estão buscando perder menos”, frisa o diretor-presidente da GfK, Felipe Mendes. “Nosso cenário é de que não enfrentamos uma crise pontual, mas uma realidade de mercado, um novo patamar na economia”, afirma ele, que vê o consumo “acomodado” pelos próximos três anos.

Carne
A carne bovina está no topo da lista de itens que os consumidores têm achado mais caro nos últimos meses. Na tentativa de economizar, algumas famílias deixaram de lado cortes nobres como alcatra e filé mignon, cujo preço é mais elevado, e partiram para carnes de segunda. Só que a estratégia falhou.

Com o aumento da demanda, o valor cobrado pelo quilo do acém já subiu 9,57% nos primeiros seis meses do ano. Carnes como músculo, peito e costela tiveram aumento ao redor de 10% – cinco vezes mais do que o ritmo de alta entre os pedaços mais nobres.

“A carne está pesando bastante. Antes consumia mais de três quilos por semana, agora compro no máximo dois quilos”, diz o aposentado Nelcir Perdigão, de 65 anos (foto).

(Por Estado de São Paulo) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM