A 3G Capital, gigante brasileira de investimentos, usou uma ambição implacável e suas conexões com grandes fortunas para se tornar uma das maiores compradoras mundiais de empresas, abocanhando marcas como a H.J. Heinz Co. e a Tim Hortons Inc.

Agora, a empresa coloca a mira sobre novos alvos potenciais que poderiam dar à 3G o controle sobre algumas das marcas de consumo mais conhecidas do mundo. Em semanas recentes, investidores se comprometeram a injetar cerca de US$ 5 bilhões em um novo fundo de aquisição da 3G, de acordo com pessoas a par do assunto.

A empresa não revelou publicamente o valor da captação ou o que pretende fazer com o dinheiro, mas a 3G normalmente procura arrecadar somente a quantia que precisa para aquisições individuais, usando dinheiro emprestado para pelo menos quadruplicar seu poder de compra.

Num indicativo das crescentes aspirações da 3G, os executivos da empresa de investimento, liderada pelo bilionário e ex-tenista profissional Jorge Paulo Lemann, estão explorando informalmente a possibilidade de tentar comprar uma empresa de alimentos ou bebidas, como a Campbell Soup Co., cujo valor de mercado gira em torno de US$ 14 bilhões, ou até a PepsiCo Inc., avaliada em cerca de US$ 140 bilhões, dizem pessoas a par a situação.

Pessoas próximas à 3G advertem que nenhuma decisão foi feita. Um acordo com a PepsiCo poderia ser quatro vezes maior que o da Heinz e da Tim Hortons combinados, por isso, a 3G provavelmente tentaria comprar apenas uma parte da empresa ou buscaria unir forças com a Anheuser-Busch InBev NV, dizem essas pessoas. Lemann e seus dois sócios, Carlos Alberto Sicupira, o Beto, e Marcel Herrmann Telles, detêm uma fatia majoritária da cervejaria belgo-brasileira. A 3G muitas vezes estuda alvos de compra durante anos antes de fazer uma oferta.

A PepsiCo não respondeu a pedidos de comentários. Um representante da Campbell não quis comentar.

Alguns analistas especulam que a 3G também possa estar interessada na KelloggCo. e na Kraft Foods Group Inc., ambas com valor de mercado superior a US $ 20 bilhões. No mês passado, o conselho de administração da Kraft trocou de diretor-presidente, sinalizando impaciência com seus esforços para promover uma virada na empresa. Já a Kellogg reduziu o pacote de remuneração de alguns executivos caso a companhia seja vendida. Alguns analistas interpretam a decisão da Kellogg como uma preparação para uma possível venda. Uma porta-voz da empresa disse que a mudança foi feita para “se adaptar às novas práticas do mercado”. Uma porta-voz da Kraft não quis comentar.

O grande interesse que o próximo grande acordo da 3G está atraindo é um sinal do quanto a empresa avançou nos últimos dez anos, especialmente na última parte da década. Os acordos para comprar a fabricante de alimentos Heinz e a rede canadense de cafeterias Tim Hortons por um total de US$ 36 bilhões ficaram no segundo e no quinto lugar no ranking das maiores aquisições nos setores de consumo e varejo desde o início de 2013, segundo dados compilados pela Dealogic.

“Esses caras têm ambições globais”, diz Warren Buffett, cuja empresa, a Berkshire Hathaway Inc., uniu-se à 3G para comprar a Heinz. A Berkshire Hathaway também forneceu US$ 3 bilhões em financiamento para a compra da Tim Hortons pela rede de fast-food Burger King Worldwide Inc. A 3G tem uma fatia de 51% na empresa fruto da fusão, a Restaurant Brands International Inc..

Buffett já anunciou que ele se uniria à 3G em outro negócio se for uma boa oportunidade.

A 3G é amplamente considerada uma firma de private equity, mas não capta recursos da mesma forma que a maioria das empresas do setor. Em vez de obter uma enorme soma de dinheiro de um grande grupo de investidores, Lemann, 75, e seus dois sócios na 3G preferem contar com algumas das famílias e indivíduos mais ricos do mundo.

Além de Buffett, investidores recentes incluem o gestor de fundos de hedge William Ackman, membros da família Santo Domingo, da Colômbia, o tenista suíço Roger Federer e a JAB Holdings, que administra ativos para a família Reimann, da Alemanha, de acordo com pessoas a par das operações da 3G.

Uma reunião com investidores na sede do Burger King, em Miami, depois que a 3G a comprou por US$ 3,3 bilhões e fechou seu capital, contou com mais de 40 pessoas, incluindo executivos das duas empresas, diz uma pessoa que estava presente. O grupo incluía alguns dos empresários e herdeiros mais ricos da América Latina.

Ackman, que construiu sua reputação e fortuna agitando conselhos de administração e exigindo mudanças em empresas nas quais investe através de sua firma de fundos de hedge Pershing Square Capital Management LP, investe seu próprio dinheiro com a 3G e diz que lá ele está feliz em manter a boca fechada. “Essa é uma equipe de gestão que não precisa de acionistas ativistas”, diz Ackman. A Pershing Square é dona de 19% da Restaurant Brands.

Buffett e Lemann se conheceram em 1998 como membros do conselho da Gillette Co. antes de a fabricante de aparelhos de barbear ser adquirida pela Procter & Gamble Co. Os dois mantiveram contato por e-mail, encontrando-se ocasionalmente para jantar em Omaha, Nebraska, a cidade natal de Buffett. “Sempre gostei dele e quanto mais trabalhamos juntos, mais eu gosto”, diz Buffett, 84, sobre Lemann, a quem ele chama de “Georgie”.

Com escritórios no Rio de Janeiro e Nova York, a firma brasileira de investimento também tem uma reputação de cortar custos agressivamente nas empresas que adquire. Demissões e engenharia fiscal também ampliam os lucros e ameaçam rivais. Usando uma filosofia chamada “orçamento de custo zero”, cada divisão de uma empresa deve justificar seus custos a partir do zero a cada ano, não só reforçar o orçamento do ano anterior.

A estratégia é semelhante a uma abordagem adotada por Lemann após ele assumir a corretora Garantia, em 1970, para, em seguida, transformá-la em um dos maiores bancos de investimento do país. O Credit Suisse Group AG comprou o Garantia em 1998 por US$ 675 milhões.

Lemann instituiu uma cultura baseada no mérito, onde os funcionários de destaque podiam acreditar que avançariam, mas também corriam o risco de ser demitidos caso tivessem um desempenho medíocre. Ele estudou a fundo empresas que admirava por sua eficiência operacional, incluindo o Wal-Mart Stores Inc. e a General Electric Co., de acordo com a biografia não oficial sobre o executivo e seus dois sócios “ Sonho Grande”.

Os três ainda fazem caça submarina juntos regularmente e possuem casas no mesmo bairro de São Paulo. Seu patrimônio líquido combinado é estimado em mais de US $ 40 bilhões.

Eles formaram a 3G em 2004, em parte para testar muitos dos princípios de negócios desenvolvidos no Garantia. Poucos investidores sabiam muito sobre os sócios por trás da 3G até que Lemann ajudou a planejar a aquisição da cervejaria Budweiser Anheuser-Busch Co. pela InBev, em 2008, por US$ 52 bilhões, após uma intensa batalha. A AB InBev hoje vende quase 20% de toda a cerveja consumida no mundo.

No Burger King, que a 3G comprou em 2010, os franqueados têm reclamado dos “treinadores de campo” que a empresa de investimento envia às lojas da rede para supervisionar tudo, dos truques usados para cortar custos até técnicas de cozinha. A empresa também tem restringido pequenas despesas, como fotocópias coloridas.

Depois de comprar a Heinz, que já era considerada uma das empresas mais eficientes do setor de alimentos, a 3G eliminou mais de 1 mil trabalhadores e fechou fábricas. A Heinz tinha cerca de 32 mil funcionários quando a aquisição foi concluída.

As medidas têm gerado grandes retornos para a 3G e seus investidores. Aqueles que fizeram parte da compra do Burger King viram seu investimento original pelo menos quadruplicar, dizem pessoas a par do assunto.

Segundo uma estimativa da Trian Fund Management LP, firma de investimento que pressionou a Heinz a se enxugar antes da aquisição, a fabricante de ketchup cortou US$ 700 milhões dos custos no ano fiscal encerrado em 30 de junho, sob o comando da 3G, e ampliou as margens de lucro de 18% para 25%.

Analistas esperam que a compra da Tim Hortons gere uma grande economia tributária porque o sistema fiscal do Canadá é geralmente mais favorável às multinacionais do que o dos EUA.

Apesar da ascensão da 3G, Lemann, Sicupira e Telles não são bem conhecidos entre brasileiros fora do setor de finanças. Em 2012, o colapso do império de petróleo e infraestrutura de Eike Batista tornou Lemann o novo homem mais rico do país, mas ele disse a investidores que temia o título porque iria atrair mais a atenção da mídia. Ele raramente fala com jornalistas e não vive em tempo integral no Brasil desde 1999, após uma tentativa frustrada de sequestro de três de seus seis filhos. Ele divide o tempo entre o Brasil, os EUA e a Suíça, onde também tem cidadania.

Embora Lemann e seus sócios sejam ricos o suficiente para comprar grandes empresas por conta própria, cerca de metade do dinheiro dos negócios da 3G vem de investidores externos, em parte para construir um “fluxo de negócios” futuro através de seus contatos com investidores, dizem pessoas a par do assunto. Além disso, a 3G às vezes pede a investidores que entrem para o conselho das empresas que adquire.

Investidores dizem que Lemann é paciente e atencioso. E ele inspira lealdade e discrição. Muitas vezes eles se recusam a falar sobre a 3G mesmo de forma reservada, temendo serem expulsos do grupo de investimento.

A 3G gosta de investir por um período muito mais longo que o horizonte de tempo de cinco a sete anos típico da maioria das firmas de private equity. Os investidores dizem que a abordagem é semelhante à forma usada pelos bancos comerciais da Europa para investir capital em parceria com famílias abastadas, cuja meta principal muitas vezes é a expansão de sua riqueza para as gerações mais jovens, não lucros de curto prazo.

Os investidores com frequência têm apenas alguns dias para assinar o cheque, algumas vezes somas tão pequenas quanto US$ 10 milhões, dizem pessoas próximas à 3G, e os executivos da empresa raramente dão aos investidores alguma pista sobre possíveis alvos de aquisição.

Algumas pessoas próximas à 3G dizem que a empresa ficou mais discreta depois de um escândalo de negociação de ações com uso de informação privilegiada relacionado ao Burger King. Em 2012, a Securities and Exchange Commission, ou SEC, a CVM americana, alegou que um ex-corretor de uma unidade do Wells Fargo & Co. obteve informação sobre a venda pendente de um cliente da corretora que tinha investido em um fundo da 3G. O corretor, um brasileiro, supostamente comprou ações do Burger King antes que o negócio fosse anunciado. A 3G não foi acusada de qualquer delito. O Wells Fargo fechou acordo para encerrar o processo, pagando uma multa de US$ 5 milhões, e o corretor foi condenado a pagar R$ 5,6 milhões.

Mas a discrição da 3G não abala os investidores. Um investidor na compra da Heinz recebeu uma ligação de Alexandre Behring, que dirige o escritório da 3G em Nova York. Behring não disse ao investidor o nome do alvo de aquisição, mas ele decidiu participar, mesmo sem ler os documentos confidenciais oferecidos a potenciais investidores, diz uma pessoa a par do assunto. “O estilo deles não é investir o dinheiro por uma comissão”, diz um investidor de longa data. “Eles optam por investir com pessoas que conhecem e [que] sabem o que fazem.”

Buffett disse não quando Lemann pediu a ele que investisse com a 3G na aquisição do Burger King. Mas ficou de olho no que a 3G estava fazendo.

Quando Lemann perguntou se ele se interessaria em investir no negócio da Tim Hortons, Buffett diz que não pensou duas vezes. Os dois tornaram-se tão próximos que Buffett foi até a Universidade de Harvard em agosto para participar de uma festa surpresa para comemorar o aniversário de 75 anos de Lemann.

(Por The Wall Street Journal) varejo, núcleo de estudos e negócios do varejo, retail lab, ESPM